Folha de S. Paulo
Ação contra filme de Gentili expõe as
contradições do bolsonarismo
O Ministério da Justiça ordenou a retirada de um filme de comédia de diversas plataformas de streaming. O motivo alegado foi apologia à pedofilia, apesar de não haver apologia alguma (o personagem pedófilo é o vilão do filme e não há cena de ato sexual com criança). Ou seja, o Estado censurou uma obra artística como se estivéssemos em plena ditadura.
A censura veio de uma exigência de bolsonaristas e é aí que percebe-se a dissonância cognitiva dessa turba. Durante a pandemia, o argumento da liberdade individual foi usado para defender a postura anti-vacina, mas, desde as eleições, bolsonaristas adoram se colocar como baluartes do liberalismo, citando autores neoliberais como Hayek nas redes sociais.
Para amenizar a contradição, usam o jargão "liberal na economia e conservador nos costumes". Claro que é possível defender o livre comércio e achar que a homossexualidade é pecado. A contradição com o pensamento liberal é achar que o Estado deve criminalizar a homossexualidade ou censurar filmes que mostrem relações entre adultos do mesmo sexo.
Analisando a história do liberalismo, José Guilherme Merquior mostra como desde Locke, passando Tocqueville até Milton Friedman, o cerne do argumento liberal é a necessidade de limitar o fenômeno do poder: "do fato de que o poder legítimo procede de todos não se segue que ele possa se estender a tudo". Essa preocupação advém da constatação de que indivíduos no poder tendem a abusar dele. Além disso, o poder estatal sempre quer mais poder e acioná-lo a todo momento e em todas as áreas da vida é uma faca de dois gumes: uma hora, o poder te pega.
Como pegou os bolsonaristas: um ministro do STF bloqueou o Telegram no país. O aplicativo de mensagens não é usado só por bolsonaristas (o que acarretou críticas à decisão, considerada censura prévia por alguns especialistas), mas tem sido uma ferramenta muito usada por eles. Parafraseando o ditado popular: censura que pega Chico também pega Francisco.
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