Valor Econômico
Em resumo, o que se projeta para 2022,
percorrido quase um trimestre, é um ano de inflação resistente, crescimento
muito baixo e juros muito altos
O primeiro trimestre se aproxima do fim, e
as perspectivas para a economia brasileira em 2022 apontam para um cenário de
inflação mais alta do que se projetava no começo do ano, o que deverá exigir um
nível de juros muito elevado. A atividade econômica, por sua vez, terá pouco
fôlego, ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) possa não recuar neste ano,
como estimavam alguns analistas. Ainda assim, o mais provável é um crescimento
na casa de 0,5% ou menos.
A guerra entre Rússia e Ucrânia é o fator que tornou o cenário muito mais incerto. O conflito jogou para cima os preços de commodities, elevando ainda mais as pressões inflacionárias num país que convive há meio ano com o índice de preços ao consumidor acima de 10% no acumulado em 12 meses. O Goldman Sachs aponta cinco canais de transmissão dos efeitos da guerra para a América Latina, dos quais apenas um tem impacto positivo, e só em parte - justamente a alta das cotações das commodities. Se de um lado ela favorece a renda dos exportadores de produtos básicos, de outro significa inflação mais elevada.
Os outros quatro canais são todos negativos
para os países latino-americanos, destaca um relatório do banco: o menor
crescimento global e do comércio internacional, as perturbações adicionais nas
cadeias logísticas globais de suprimentos, as piores condições financeiras
globais e a incerteza global externa crescente, com deterioração da confiança
doméstica. Para o Goldman Sachs, o efeito combinado da guerra entre Rússia e
Ucrânia é recessivo e inflacionário, levando a América Latina mais perto de um
cenário de estagflação em 2022. Nesse ambiente, a equipe de Alberto Ramos,
diretor de pesquisa do banco para a região, reduziu a estimativa de crescimento
do PIB brasileiro para este ano de 0,8% para 0,6%, ao mesmo tempo em que elevou
a previsão do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 5,5% para
6,5%, muito acima da meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 3,5%.
Na revisão de seu cenário econômico,
divulgada na sexta-feira, a MCM Consultores Associados também trata do impacto
das commodities sobre a economia brasileira. “É verdade que o aumento dos
preços internacionais das commodities agrícolas favorece a renda na agricultura
brasileira. Mas, a esta altura, o efeito líquido dessa crise para a atividade
no Brasil é bastante incerto”, escrevem os analistas da MCM. “Certo mesmo é que
as pressões sobre a inflação em nosso país - assim como no mundo - aumentarão,
como resta evidente pelas seguidas surpresas desfavoráveis com a inflação
corrente e, especialmente, pelo salto recente das expectativas de inflação
neste e nos próximos anos”, diz a consultoria, que elevou a projeção para o
IPCA neste ano de 5,45% para 6,5%.
Esse quadro de inflação pressionada, com
piora das expectativas do IPCA para 2023 e 2024, leva os analistas a esperar
uma Selic mais alta no fim do ciclo de alta da taxa. O Goldman Sachs, por
exemplo, passou a prever que a taxa avançará para 13% a 13,25% ao ano. A MCM
trabalha com um juro básico atingindo 13%. Na semana passada, o Comitê de
Política Monetária (Copom) aumentou a Selic em 1 ponto percentual, para 11,75%,
e indicou que elevará a taxa em mais 1 ponto na reunião de maio. A magnitude da
alta dos juros não pode ser subestimada. Até março do ano passado, a Selic
estava em 2%. A elevação total da taxa deverá superar 10 pontos percentuais, um
movimento que terá um impacto não desprezível sobre a atividade econômica.
“Dada a natural defasagem entre o aperto monetário
e seu efeito na demanda, a economia deverá sentir mais fortemente o baque do
aumento do juro na segunda metade de 2022, justamente quando a incerteza com o
processo eleitoral deverá estar no auge”, destaca a MCM, acrescentando que a
eleição “será polarizada e tende a manter elevados o nível de incerteza e os
temores quanto ao futuro da política econômica no novo governo, mantendo
desfavoráveis as condições financeiras”.
Nesse cenário, a consultoria manteve a
projeção de crescimento de 0,1% para 2022, “apesar do ligeiro aquecimento da
atividade entre o fim do ano passado e início deste ano”. Na visão da MCM, “o
pacote de medidas anunciado pelo governo para apoiar as famílias (incluindo
saques emergenciais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e facilitação de
crédito) deve ter efeito limitado no consumo neste ano, devido ao maior peso
das dívidas nos orçamentos familiares e o estímulo à poupança pelo aumento do
juro”.
Se a guerra entre Rússia e Ucrânia é a
grande fonte de incerteza externa, a eleição cumprirá esse papel no front
interno. Com o fim da credibilidade do teto de gastos, depois das manobras
feitas no ano passado pelo governo para aumentar o valor do Auxílio Brasil e
adiar o pagamento de precatórios, há dúvidas importantes sobre como será a
política fiscal em prazos mais longos. Qual será a âncora para as contas
públicas a partir do próximo ano, qualquer que seja o vencedor da eleição? Essa
dúvida causa incerteza sobre a trajetória futura da dívida pública.
Ainda que não haja um problema de solvência
fiscal iminente, essa indefinição impede uma queda ainda maior do dólar, por
exemplo. A alta das commodities e o forte aumento da diferença entre os juros
internos e externos ajudam a entender o tombo da moeda americana para a casa de
R$ 5, mas, dada a situação confortável das contas externas, a divisa poderia
cair mais, se não houvesse incertezas quanto às perspectivas de longo prazo das
contas públicas. Essas dúvidas, porém, não devem ser sanadas no curtíssimo
prazo. À medida que a eleição se aproximar, é possível que aumente a
volatilidade nos mercados, o que pode levar o dólar a subir outra vez,
distanciando-se do nível de R$ 5.
Em resumo, o que se projeta para 2022,
percorrido quase um trimestre, é um ano de inflação resistente, crescimento muito
baixo e juros muito altos, uma combinação que tende a levar empresas a serem
cautelosas nas decisões de investimento. As concessões de infraestrutura, num
país com problemas enormes nessa área, podem ser exceção, atraindo recursos
expressivos do setor privado. As incertezas internas e externas, porém, tornam
o cenário difícil para grande parte das empresas. Planos de aumento e
modernização da capacidade produtiva tendem a ser adiados, assim como os de
contratações mais significativas de mão de obra. Como se tornou rotina desde
2014, 2022 caminha para ser mais um ano complicado para a economia brasileira,
que ainda tem 12,4 milhões de desempregados.
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