segunda-feira, 21 de março de 2022

Bruno Carazza*: Não é questão de ego, mas de estratégia

Valor Econômico

Unificar terceira via não faz sentido para candidatos e partidos

Nos últimos meses, análises sobre a viabilidade de uma alternativa a Lula e a Bolsonaro nas eleições de 2022 dominam boa parte do noticiário. Com o início da propaganda partidária no rádio e na TV, a abertura da janela para troca de legendas e a proximidade da data máxima para o registro das federações, as especulações ganharam ainda mais força.

O que estimula tanta discussão, além do inconfesso desejo de muitos analistas, está justamente na contradição de que muitos nomes foram colocados, mas nenhum até agora empolgou o eleitor.

As pesquisas recentes indicam que em torno de um quarto do eleitorado não gostaria de ver nem Bolsonaro e nem Lula recebendo a faixa presidencial. Esse percentual seria o bastante para colocar uma terceira opção no segundo turno, zerando o jogo da disputa eleitoral. O problema é que esse caminho está ultracongestionado com Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB) e muito provavelmente Eduardo Leite (PSD?).

As dificuldades para a unificação das candidaturas de terceira via são frequentemente atribuídas aos egos dos envolvidos, que se recusariam a abrir mão da primazia de serem escolhidos, em favor de apoiar um concorrente. Embora aspectos psicológicos sejam muito relevantes em decisões de tamanha importância, há razões estratégicas, do ponto de vista dos candidatos e dos partidos, que ajudam a explicar por que será tão difícil termos um concorrente único de terceira via nas urnas em outubro.

Quando um político almeja ser presidente da República, temos que entender que esse é um objetivo de uma vida; um projeto alimentado há anos e que deve ser visto como uma meta de longo prazo. Nessa caminhada, fracassos são inevitáveis, e mesmo as derrotas são encaradas como um passo atrás, que permitirá um salto maior no futuro.

Para um político que tem a pretensão de subir a rampa do Palácio do Planalto, uma candidatura à Presidência, mesmo fracassada, pode cumprir o papel de se fazer conhecido do grande público, ativo que pode ser de grande valia em outras tentativas mais à frente. Lula, aliás, é o maior exemplo dessa estratégia, não se abatendo depois de três derrotas (1989, 1994 e 1998) antes de alcançar sua meta em 2002.

Vários outros políticos, mesmo não sendo bem-sucedidos, também não se abalaram com fracassos e insistiram outras vezes: Brizola (cabeça de chapa em 1989 e 1994, vice em 1998), Marina Silva (2010 a 2018), José Serra (2002 e 2010) e até Enéas Carneiro (1989, 1994, 1998). Dois exemplos de persistência estão no jogo novamente agora em 2022: Ciro Gomes (candidato em 1998, 2002 e 2018) e Geraldo Alckmin, aspirante ao cargo em 2006 e 2018 e dado como certo no posto de vice de Lula neste ano.

Todos os candidatos no páreo pela “terceira via” são relativamente jovens e terão ainda outras oportunidades para tentar a sorte. Sendo assim, insistir na candidatura, mesmo com baixas chances de vitória, é uma oportunidade para se tornarem conhecidos, para além de suas bolhas ou redutos regionais.

Continuar na disputa a qualquer custo faz ainda mais sentido porque 2026 está logo ali e muito provavelmente não haverá mais a polarização Lula/Bolsonaro, seja por causa da idade (Lula terá 81 anos) ou pela impossibilidade de reeleição, na hipótese de Bolsonaro vencer.

Além disso, nenhum tem opção mais atraente do que concorrer à Presidência. Ciro perdeu o tesão pela vida parlamentar, Doria enfrenta rejeição em São Paulo, Tebet teria concorrentes fortes para o Senado por Mato Grosso do Sul, Leite já colheu os frutos de uma boa administração no Rio Grande do Sul e Moro teria que renegar a origem paranaense para concorrer ao Senado, pois lá a vaga de seu partido é de Álvaro Dias.

Outra força que conduz à fragmentação de candidaturas no espectro entre Lula e Bolsonaro parte dos partidos. Como mostra a tabela, ter representante na briga pela Presidência, mesmo com baixa probabilidade de vitória, pode puxar votos para uma bancada maior no Congresso, o que aumenta o poder de barganha nas negociações legislativas e proporciona fatias mais generosas dos fundos eleitoral e partidário. Há muito wishful thinking em relação à unificação da terceira via, mas, bem lá no fundo, nem seus integrantes, nem seus partidos, desejam que isso se torne realidade.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

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