segunda-feira, 21 de março de 2022

Celso Rocha de Barros: Combate à corrupção no pós-Jair

Folha de S. Paulo

Reação à Lava Jato deixou de ser estratégia e virou só saque generalizado

Esse é um momento ruim para falar de corrupção no Brasil. Nós, brasileiros, passamos quatro anos em uma cruzada contra a corrupção.

Quando a cruzada acabou, tínhamos um orçamento secreto no valor de três petrolões, promovido por um presidente que faz 'rachadinha' com miliciano, não comprou vacina porque vinha sem suborno e queria dar um golpe para poder roubar sem o STF lhe enchendo o saco.

Seria, enfim, um exagero dizer que a coisa toda foi um sucesso.

Mesmo assim, está cada vez mais claro que a reação à Lava Jato perdeu a direção e saiu de controle.

Alguma reação do sistema político à Lava Jato era inevitável, e ela veio forte, dos áudios do Jucá até Augusto Aras. Mas quando o processo saiu das mãos dos grandes partidos e passou para o baixo clero de Lira, Bolsonaro e Aras, ela deixou de ser uma estratégia e passou a ser só saque generalizado.

Financiamento público de campanha, proibição de coligações na eleição de deputados, todas essas medidas tomadas pelo Congresso depois do impeachment foram reações à Lava Jato. Mas essa foi a reação certa.

Antes do financiamento público, aceitar dinheiro de cartel de empreiteira não era só permitido, era obrigatório para quem quisesse vencer. Se o adversário aceitasse e você não, você ia pra casa e ele ia pra Brasília.

Com o financiamento público, o candidato que não quer receber suborno pelo menos tem uma chance de vencer. É possível uma política em que os políticos não queiram roubar, mas não uma política em que eles não queiram se eleger.

A proibição de coligações em 2017, por sua vez, deve ajudar a reduzir o número de partidos. Se o presidente tiver que montar uma coligação com 20 partidos, não tem identidade ideológica que segure uma coligação sem suborno.

Você pode ter partidos grandes que não queiram roubar, ou deixar roubar, mas todo partido grande quer governar.

Essas reformas foram feitas pela classe política porque ela entendeu que, mesmo se fosse de seu interesse fugir das acusações da Lava Jato, também era do seu interesse evitar novas crises como a de 2015.

Em 2018, os partidos grandes entraram em crise, e neles estavam os quadros com melhor visão de longo prazo para a política brasileira, inclusive entre os acusados de corrupção.

A turma de 2018 –a turma de Bolsonaro– roubou tudo o que deu, mas, além disso, piorou nossas instituições e tornou escândalos futuros mais prováveis.

O orçamento secreto de Lira e Bolsonaro torna praticamente ilegal governar sem pagar suborno.

Dê uma olhada no modo como Bolsonaro escolhe e abandona os partidos em que vai entrar e me diga se ele tem interesse em fortalecer nosso sistema partidário.

Veja quanta gente o PSL elegeu em 2018, pense no tanto que Bolsonaro poderia ter feito com isso se, ao invés de planejar um golpe, tivesse tentado trabalhar.

Mesmo que o próximo governo não seja "lava-jatista", terá que reverter a deterioração dos últimos anos e retomar o processo de tornar o sistema político brasileiro menos dependente de dinheiro sujo.

Se o Brasil for democrático, não conseguirá ser estável com corrupção sistêmica, como a denunciada pela Lava Jato. Os escândalos serão descobertos e novas infecções oportunistas como Bolsonaro surgirão. É preciso cortar esse ciclo.

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