EDITORIAIS
Fim da pandemia não deve se basear em
critérios políticos
O Globo
Ganha força no Ministério da Saúde o
movimento para “rebaixar” a pandemia do novo coronavírus a uma endemia, para
aliviar normas excepcionais em vigor no país há dois anos. É natural que, com a
queda no número de mortos e infectados pela Covid-19 nas últimas semanas, sejam
revistas decisões tomadas no início de 2020, quando o então desconhecido
Sars-CoV-2 começava a assombrar o mundo. Mas a única autoridade com poder e
credibilidade para esse “rebaixamento” é a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, é uma decisão que deve ser tomada com base em critérios
epidemiológicos, e não político-eleitorais.
Preocupa que o assunto tenha sido antecipado pelo presidente Jair Bolsonaro. No início do mês, ele anunciou numa rede social que, em virtude da melhora no cenário epidemiológico, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, estudava “rebaixar para endemia a atual situação da Covid-19 no Brasil”. Bolsonaro sempre quis decretar o fim da Covid-19 na marra. Em abril de 2020, dizia que o vírus estava “começando a ir embora” — o pesadelo estava só começando. Em outubro daquele ano, afirmou que a pandemia estava acabando e ironizou a pressa em comprar vacinas.
É legítimo que o governo desenvolva estudos
para acabar com o fim da emergência em saúde — a ideia é tomar a decisão ainda
neste mês. Mas isso deve ser feito com critério, para não prejudicar a gestão
da crise sanitária. Somente na área da Saúde, existem 168 portarias vinculadas
de alguma forma ao estado de emergência. Vacinas como a CoronaVac e a Janssen
estão autorizadas para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Embora não estejam ainda nos estoques do Sistema Único de
Saúde (SUS), medicamentos contra a Covid-19 também só têm permissão para uso
emergencial.
Poderia fazer bem à saúde financeira do
país acabar com as compras emergenciais, sem licitação. Elas foram importantes
para acelerar a chegada de insumos, mas se tornaram uma oportunidade para a
corrupção e os gestores preocupados em salvar a própria conta, e não os
brasileiros que morriam aos milhares. As fraudes na compra de respiradores se
multiplicaram por estados e municípios, num dos episódios mais degradantes da
pandemia.
É preciso considerar também que, apesar da
melhora nos indicadores e da sensação de volta à normalidade, a pandemia ainda
não acabou. O Brasil apresenta índices desiguais de vacinação. E a incerteza é
uma das marcas do vírus. Países da Europa e da Ásia enfrentam aumento de casos
após a flexibilização, e a China acaba de decretar novo lockdown. O mundo não está
livre de novas variantes. No Brasil, surgiram dois casos suspeitos (um deles já
descartado) da cepa chamada Deltacron, combinação da Delta e da Ômicron. O que
isso significará é uma incógnita.
É desejável que as normas para prevenção à
Covid-19 sejam adaptadas ao momento atual. Mas não é no Legislativo ou no
Judiciário que o Ministério da Saúde precisa buscar apoio para a mudança, e sim
na comunidade científica e nos técnicos da pasta. Mais do que acelerar o fim da
pandemia, ele deveria estar empenhado em acelerar a vacinação (menos de 50% dos
brasileiros receberam a dose de reforço, e apenas metade das crianças foi
imunizada). Esse, sim, é o caminho mais seguro para declarar o fim da pandemia.
Restrição a chamadas indesejadas é
positiva, mas demandará fiscalização
O Globo
Para os milhões de brasileiros atormentados
com as chamadas indesejadas de telemarketing, é um alívio a tentativa da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de impor alguma disciplina ao
setor. Ainda que de forma tardia, considerando a enxurrada de reclamações que
há anos congestionam as linhas de órgãos de defesa do consumidor, das
operadoras e da própria Anatel. É, portanto, bem-vinda a determinação para que
esse tipo de chamada use o prefixo 0303, permitindo que o usuário as
identifique, possa recusá-las ou bloqueá-las.
O telemarketing, é importante ressaltar, é
prática que pode ser usada de modo eficaz quando dirigida ao público
interessado. Também reúne alguns dos maiores empregadores privados do país, com
dezenas de milhares de postos de trabalho que atraem em geral brasileiros com
baixa qualificação. Mas nada é pior para quem tenta promover algum produto do
que oferecê-lo de modo indiscriminado a quem não está interessado. Daí a
necessidade de uma regulação sensata do setor.
A decisão da Anatel para conter os abusos
foi tomada no fim do ano passado. Entrou em vigor no último dia 10 e, mesmo
assim, parcialmente. Por enquanto, vale somente para chamadas originadas de
celulares. Empresas que usam números fixos têm até junho para se adaptar.
Instituições que pedem doações ou fazem cobranças estão desobrigadas de usar o
prefixo. A Anatel diz que descumprir as determinações poderá resultar em multas
ou até bloqueio das empresas. É o que se espera.
Qualquer um que tenha telefone celular ou
fixo (oito em cada dez brasileiros) conhece os dissabores de receber chamadas
indesejadas, muitas vezes operadas por robôs, a qualquer hora do dia, com
ofertas irritantes de produtos e serviços quase sempre desnecessários. Uma
pesquisa feita em 2019 pela Secretaria Nacional do Consumidor mostrou que 93%
dos entrevistados já tinham recebido ligações de telemarketing. A maioria (65%)
disse atender até dez chamadas por semana.
As tentativas de resolver o problema nunca
deram certo. São Paulo, Rio e Distrito Federal ensaiaram restrições de dias e
horários para as chamadas indesejadas. Não funcionou. O serviço NãoMePerturbe,
que permite bloquear ligações de telemarketing para fixo ou celular, reúne mais
de 9,5 milhões de cadastrados, mas é restrito às chamadas de operadoras de telecomunicações
e exige que o reclamante preencha um longo cadastro. Cria-se uma situação
esdrúxula. O cidadão perde tempo e paciência para dizer que não quer receber
aquilo que não pediu.
A nova tentativa de solucionar os abusos
representa um avanço. Mas uma coisa é estabelecer regras, outra é as empresas
cumprirem. Quem já tentou se livrar do bombardeio de ligações indevidas sabe
que as empresas lançam mão de inúmeros artifícios. Por mais promissora que seja
a ideia do prefixo que permite o bloqueio, só uma fiscalização rigorosa e a
aplicação de multas para quem desrespeitar as normas poderão frear o ímpeto
desmedido. A Anatel precisa ficar ligada.
O poder da maioria silenciosa
O Estado de S. Paulo.
A sociedade está dividida politicamente,
como esperado em um país democrático. Mas não como supõe o senso comum
A sociedade está divida politicamente, mas
não como supõe o senso comum.
As discussões políticas nas redes sociais,
muito agressivas, transmitem a impressão de que a sociedade brasileira estaria
cindida ao meio e o debate público, interditado pela intolerância. Na
realidade, não é bem assim, como revelou uma pesquisa realizada pelo Instituto
Locomotiva, publicada há poucos dias pelo jornal Valor.
Em que pese o fato de um em cada três
brasileiros (31%) dizer que cerra fileiras com os extremos do espectro político
(13% à extrema-esquerda e 18% à extrema-direita), 36% dos eleitores não se
identificam com qualquer campo político e outros 22% se declaram de centro.
Segundo a pesquisa, esse grupo mais radical, embora minoritário, é o que mais
se engaja nas redes sociais e o que mais se “informa” por meio delas, ávidos
que são por conteúdos que confirmam suas crenças, ainda que não encontrem
respaldo na verdade dos fatos. Em outras palavras: a maioria da população (58%)
não dá a mínima para as virulentas discussões online e está mais ocupada em
tocar o dia a dia e sonhar com um governo que trabalhe, apenas isso, provendo
emprego, saúde, segurança e educação – ou ao menos um governo que não atrapalhe
a vida dos cidadãos.
Essa é a principal conclusão que se pode
tirar da pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva a pedido da organização
não governamental Despolarize. Entre os dias 26 e 30 de novembro do ano
passado, o instituto ouviu 1.315 pessoas – homens e mulheres com mais de 16
anos – em 142 municípios de todos os Estados e do Distrito Federal.
Não se sabe ainda quem serão os candidatos
à Presidência da República em 2022. Os nomes que ora circulam ainda precisam
ser confirmados pelos partidos políticos no prazo definido pela lei eleitoral.
Contudo, é seguro afirmar que quem quiser governar o Brasil a partir de 1.º de
janeiro de 2023 terá de dialogar, necessariamente, com aqueles 58% da população
que esperam propostas muito concretas para solucionar problemas que afligem
milhões de brasileiros, principalmente os de natureza econômica. Para esse
enorme contingente de eleitores, que não parecem ser prisioneiros da ideologia
dos extremos, a escolha eleitoral deverá ser mais pragmática do que ideológica.
Ou seja, a maioria dos brasileiros está menos aflita com “guerra cultural”,
“ascensão do fascismo”, “ameaça comunista” ou outra bobagem do gênero do que
com a ameaça de desemprego e o preço dos alimentos nas gôndolas do
supermercado.
Apenas para os grupos mais radicais, que se
dizem infensos ao diálogo e à mudança de opinião, pouco importa se os
candidatos de sua predileção apresentarão ou não propostas responsáveis para
tratar das renitentes mazelas do País. Dos eleitores ouvidos pelo Instituto
Locomotiva, 25% se disseram “altamente intolerantes”, o que significa que não
admitem nem por hipótese rever suas convicções e, menos ainda, considerar outro
candidato à Presidência da República que não o que representa a personificação
de suas estreitas visões de mundo.
A pesquisa confirmou a percepção geral de
que os brasileiros estão divididos politicamente, fato que não chega a
surpreender em um país democrático, de dimensões continentais e com mais de 212
milhões de habitantes. Do total de eleitores ouvidos pelo Instituto Locomotiva,
89% veem a sociedade “muito dividida”. Apenas 11% acreditam que o País não está
politicamente fragmentado. No entanto, só 23% acreditam que os brasileiros
estão divididos entre dois polos políticos; 39% veem a divisão em vários polos;
e 27% dos entrevistados acreditam que os brasileiros estão divididos em dois
polos maiores e outros grupos menores agregados.
A sete meses da eleição, as certezas de
hoje envolvendo o pleito valem tanto quanto uma nota de três reais. Sejam quais
forem os candidatos que disputarão o Palácio do Planalto, resta evidente que há
uma maioria silenciosa, longe das diatribes das redes sociais, com quem eles
deverão dialogar. E essa parcela dos eleitores, que detêm o poder de definir o
futuro próximo do País, provavelmente não se deixará convencer por gritaria
ideológica, e sim por propostas concretas para estimular o desenvolvimento
econômico e humano.
O efeito eleitoral do ‘bolsa farelo’
O Estado de S. Paulo
Avaliação sobre o presidente melhora entre quem recebe o Auxílio Brasil, o que mostra o potencial eleitoral daquilo que Bolsonaro denunciava como ‘bolsa farelo’
É um dado da realidade: medidas populistas
rendem votos. Jair Bolsonaro sabe disso. Como é notório, o presidente,
objetivamente, quase nada tem de positivo para apresentar aos eleitores como
justificativa para sua recondução ao cargo – ao contrário, terá de se desdobrar
ao longo da campanha para encobrir os desastres que provocou em diferentes
áreas. Por essa razão, não resta alternativa a Bolsonaro a não ser apelar para
a velha fórmula de conceder benefícios imediatos para uma parcela desesperada
da população em troca de votos, além de lançar mão de políticas públicas
focalizadas em nichos de supostos apoiadores.
Uma das iniciativas nesse sentido foi a
nova rodada do Auxílio Brasil, com valor mínimo de R$ 400, cujo pagamento começou
a ser feito em 14 de fevereiro passado. Depois das incertezas quanto à
manutenção do programa assistencialista, dada a dificuldade de encontrar a
fonte para sua sustentação, a liberação do dinheiro provavelmente foi um alento
para milhões de brasileiros. O resultado eleitoral desse alívio não tardou.
Uma recente pesquisa da consultoria Quaest
mostrou que a visão negativa do governo Bolsonaro caiu significativamente entre
os eleitores que hoje recebem o Auxílio Brasil e que declararam ter votado no atual
presidente em 2018. Em janeiro deste ano, 41% dos respondentes desse grupo
disseram que o governo era “pior do que o esperado”. Em fevereiro, o porcentual
subiu para 45%. Agora em março, já com os pagamentos do Auxílio Brasil
restabelecidos, os que consideram o governo “pior do que o esperado” somam 23%.
Não se pode condenar quem passou a ter um
olhar positivo em relação a Bolsonaro depois de receber dinheiro do governo em
meio aos efeitos econômicos devastadores da pandemia de covid-19. Deve-se levar
em conta que cresceu exponencialmente o número de brasileiros expostos à
insegurança alimentar, e qualquer forma de auxílio pode ser o último recurso
antes da fome.
O problema, portanto, não é – nunca foi – a
existência de um programa de transferência de renda. Ao contrário. Um país tão
brutalmente desigual como o Brasil precisa de uma política pública dessa
natureza, mas não meramente assistencialista. Deve ser concebida não para ser
apenas um alívio imediato, e sim para proporcionar condições para que seus
beneficiários, uma vez satisfeitas suas necessidades de sobrevivência, tenham
condições de deixar a dependência no futuro. Isso requer uma correlação com
políticas igualmente bem estruturadas nas áreas de educação e saúde. Ou seja,
requer um governo digno do nome, algo ausente em Brasília.
O Auxílio Brasil não é nada disso. Trata-se
de uma gambiarra com evidente viés eleitoreiro. É tão mal-ajambrado que,
durante bom tempo, a população mal sabia quem, como, quando, quanto e se iria
receber.
Bolsonaro não tem capacidade para formular
uma política consistente e eficaz de transferência de renda. Jamais se
interessou por isso. Seu objetivo é formar uma legião de cativos de um programa
assistencialista para chamar de seu, nos moldes do que sua nêmesis, Lula da Silva,
fez com segmentos populacionais, sobretudo na Região Nordeste, dependentes do
Bolsa Família. De tempos em tempos, esse programa, fortemente vinculado ao PT,
foi manipulado ao sabor dos interesses de Lula da Silva e do partido, não os da
população brasileira. Como bom ilusionista, o chefão petista sempre foi hábil
ao criar essa confusão entre seus interesses e os dos brasileiros mais pobres.
Bolsonaro se dedicará dia e noite neste ano
eleitoral a criar meios de aumentar as chances de sua reeleição. Aí está seu
“pacote de bondades”, que inclui, além do Auxílio Brasil, intervenções no preço
dos combustíveis, auxílio para moradia de policiais e toda a sorte de
caraminguás.
O Brasil é um país que demanda um governo que leve muito a sério as políticas educacionais e as políticas de transferência de renda, o que Bolsonaro, justo aquele que denunciava o Bolsa Família como “bolsa farelo”, só enxerga como meras esmolas eleitoreiras.
Perdendo da inflação
Folha de S. Paulo
Mesmo com melhora do emprego, renda cai, o
que indica cenário ainda dramático
A melhora da situação sanitária tem
favorecido a recuperação do mercado de trabalho brasileiro, mas ainda resta um
longo caminho até a plena normalização.
Se é verdade que o impulso recente já
permite o restabelecimento do emprego no patamar anterior à pandemia, isso
ocorre num contexto de grande perda de renda para os trabalhadores, pois os
salários não acompanham a inflação.
Os
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) referentes
ao trimestre encerrado em janeiro mostraram a criação de 1,47 milhão de novos
postos de trabalho, com alta de 1,6% ante o período de agosto a outubro de
2021.
É positivo que quase 79% dessas vagas (1,15
milhão) são formais, seja com carteira assinada, no setor público ou por conta
própria. Trata-se de um padrão diferente do observado até meados do ano
passado, quando a expansão se dava basicamente na informalidade.
Setores abalados pelo impacto da Covid-19
mostram crescimento mais forte. O pessoal ocupado no segmento de alojamento e
alimentação ampliou-se em 4,1%, e o comércio contabilizou alta de 2,4% nas
contratações. Em conjunto, essas atividades representam 24,8% do total de
empregos formais.
A taxa de desemprego recuou para 11,2%, o
menor percentual para o período desde 2016 e uma queda de 0,9 ponto percentual
em relação ao trimestre anterior. Embora ainda haja 12 milhões de pessoas
desocupadas, a cifra se reduziu em 858 mil no trimestre e em 2,7 milhões ao
longo de um ano.
O grande problema continua a ser o poder de
compra, que sofre os efeitos da escalada de preços. A renda real média na
última pesquisa atingiu R$ 2.489 mensais, 9,7% abaixo do mesmo período do ano
passado e o menor patamar da série histórica iniciada em 2012.
A força da ocupação e a fraqueza da renda
são elementos que ainda indicam ociosidade no mercado e baixo poder de barganha
dos trabalhadores. As novas contratações tendem a ocorrer com salários menores,
e os dissídios salariais têm tido dificuldade em acompanhar a inflação ora
elevada.
Outro fenômeno que dificulta a análise da
conjuntura e da tendência é o alto grau de rotatividade por vontade própria dos
empregados. O mesmo tem sido observado em outros países desde a pandemia, o que
sugere que estão em curso mudanças setoriais na oferta e na demanda.
Nessa hipótese, é possível que o desemprego
elevado não signifique excesso geral de oferta de mão de obra, o que pode ser indicativo
de melhoria salarial adiante.
É inegável, contudo, que o quadro permanece
dramático. Com a inflação em alta, não se espera significativa retomada na
renda neste ano, enquanto o aperto nos juros dificulta as contratações.
Primeiro o teto
Folha de S. Paulo
Oferta de moradia transitória se impõe ante
alta do número de famílias sem teto
Quase 40% das famílias sem teto que
deixaram abrigos na cidade de São Paulo entre 2020 e 2021 conseguiram voltar ao
mercado de trabalho e obter moradias fixas ou temporárias. Foram
945 saídas qualificadas —rumo a residência, convivência social ou
emprego— em um total de 2.400 na rede de acolhimento da prefeitura.
Os dados, compilados pelo Observatório da
Vigilância Socioassistencial, reforçam o entendimento favorável à política
conhecida como "moradia primeiro" ("housing first") para
promover a autonomia de pessoas em situação de rua.
Adotada em países como Canadá e Portugal, a
estratégia privilegia o restabelecimento de laços comunitários, ao lado da
busca de trabalho e enfrentamento de eventual vício em entorpecentes.
É bem-vinda, portanto, a adesão da
Prefeitura de São Paulo a essa abordagem. A administração municipal anunciou um
projeto-piloto com 330 unidades e previsão de atender até 1.600 sem-teto com
crianças, por meio da oferta de moradias transitórias por até 12 meses.
Se bem-sucedido, o que requer perseverança
e avaliação constante, o projeto pode inspirar iniciativas similares em outras
cidades.
Habitação é em especial importante para o
novo perfil de pessoas em situação de rua —com peso maior de famílias, cujo
número disparou nos últimos dois anos.
Eram 4.868 sem-teto vivendo com ao menos um
familiar (20% do total) em 2019. O contingente saltou para 8.927 (28%) no ano
passado, de acordo com o censo encomendado pela prefeitura.
São, ao todo, 31.884 moradores de rua na
capital paulista, segundo o levantamento, que para parte dos especialistas pode
estar prejudicado por alguma subnotificação.
Aponta-se que o censo não conta pessoas
internadas em serviços de saúde, em ocupações de sem-teto e instituições não
conveniadas com a prefeitura. Dificuldades de acesso a determinados locais e
ameaças em pontos de uso de drogas são empecilhos adicionais encontrados pelas
equipes.
A busca de autonomia para a população de
rua é alternativa mais eficaz do que medidas paliativas e até desumanas —como a
instalação de pedras sob viadutos, já promovida na zona leste paulistana.
Ademais, políticas de moradia servem como
atenuante dos impactos sociais da estagnação econômica e da alta da inflação.
Atividade econômica decepciona em janeiro
Valor Econômico
Brasil dá todos os sinais de sofrer de uma
mazela crônica do baixo crescimento
Os analistas não esperavam muito neste
começo do ano, quando a economia foi afetada pela onda ômicron do coronavírus.
Mas ainda assim os dados decepcionaram. O Índice de Atividade Econômica do
Banco Central (IBC-Br) teve uma queda de 0,99% no mês, ante dezembro.
O que pesou na atividade em janeiro deverá
levar à estagnação no restante do ano: a inflação muito alta, o excessivo
endividamento das famílias e os baixos níveis de confiança de empresários e de
consumidores. Devem-se ainda somar os efeitos defasados do aperto monetário
patrocinado pelo Banco Central.
Poucos esperavam que o IBC-Br ficasse no
positivo em janeiro. A mediana de 30 previsões de consultorias e instituições
financeiras coletadas pelo Valor
Data apontava uma retração de 0,2%. A visão mais otimista
era uma expansão de 0,6%, e a mais pessimista, queda de 0,7%. O dado
efetivamente apurado, com a queda de 0,99%, saiu pior do que todo mundo previa.
Uma parte do mau resultado foi causada pela
nova onda do coronavírus. Esse fator tende a se reverter rapidamente. A
reabertura da economia, ao lado do desempenho agropecuário, são os pilares da
atividade neste ano. Sem eles, dificilmente os analistas econômicos estariam
prevendo uma expansão de 0,49% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, segundo
o boletim Focus. Medíocre, mas poderia ser ainda pior. O setor de serviços
deverá crescer estimados 0,75%, e o agropecuário, 2,8%.
No lado da produção, outro fator ligado à
pandemia que segura a expansão da economia são as rupturas nas cadeias de suprimento
global. Nesse caso, o setor mais afetado é a indústria. O cenário foi agravado
pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
Mas é a fraqueza da demanda que mais
preocupa. O consumo tende a continuar contido, depois de seguidas surpresas
inflacionárias. A renda nacional disponível das famílias, calculada pelo Banco
Central, que considera rendimentos e transferências do governo, encolheu quase
5% entre dezembro de 2020 e de 2021.
Os níveis de endividamento, por outro lado,
estão em alta. No ano passado, o comprometimento de renda com pagamento de
serviços da dívida bancária, excluindo financiamentos imobiliários, passou de
21,7% em janeiro a 25,6% em novembro, pelo dado mais recente.
O pagamento do Auxílio Brasil e a
reabertura da economia ajudaram a melhorar um pouco o índice de confiança dos
consumidores em fevereiro. Mas ele permanece em nível muito baixo, expressando
o pessimismo da população. A confiança do empresariado recuou pelo quarto mês
seguido, mostra o indicador do Ibre/FGV, o que contém investimentos.
As perspectivas, daqui para diante, não são
animadoras. A inflação voltou a surpreender em fevereiro, acumulando 10,54%. O
próprio Banco Central projeta uma inflação entre 6,3% e 7,1% neste ano,
dependendo de como evoluírem as cotações do petróleo. A guerra no Leste Europeu
tem pressionado, em especial, os preços dos alimentos, retirando poder de
compra da população de menor renda.
Para impedir que esse surto inflacionário
se perpetue nos próximos anos, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC
está subindo os juros a níveis cada vez mais altos. O forte aperto de fins do
ano passado vai começar a afetar a atividade, com maior força, a partir do
terceiro trimestre deste ano.
Preocupado com as eleições, o governo
Bolsonaro vem editando uma série de medidas que transferem renda à população e
incentivam a expansão de crédito. A lista inclui o corte de impostos, como o
IPI, a liberação de recursos do FGTS e a antecipação do pagamento do 13º
salário de aposentados e pensionistas. Nada disso muda o quadro mais geral de
estagnação econômica.
Se a economia estivesse apenas refletindo a
flutuação cíclica, após ser atingida por uma pandemia e efeitos de uma guerra,
ainda haveria esperança de, mais adiante, recuperar o tempo perdido. Mas o
Brasil dá todos os sinais de sofrer de uma mazela mais crônica do baixo
crescimento.
Os analistas econômicos projetam, para o
longo prazo, uma trajetória média de crescimento de 2% ao ano. Há uma certa
dose de otimismo nesse número, considerando o padrão de fraco crescimento das
últimas décadas. Mas a esperança vai diminuindo. Ao final do governo Temer, os
economistas do setor privado acreditavam numa velocidade de crescimento de 2,5%
no longo prazo.
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