quinta-feira, 7 de julho de 2022

Malu Gaspar: É a eleição, estúpido!

O Globo

Muitas coisas em Brasília são insondáveis para o cidadão comum, aquele que pega ônibus, paga boletos, compara preços no supermercado e nunca entrou num prédio projetado por Oscar Niemeyer. As decisões tomadas pelo Congresso recentemente, por exemplo. Em menos de 48 horas os aliados de Jair Bolsonaro aprovaram, com a ajuda da oposição, a autorização para o governo gastar quase R$ 41 bilhões em um pacote extra de benefícios sociais a menos de três meses da eleição. 

A medida cria uma exceção à Lei Eleitoral que impede o governante de turno de usar a máquina pública para distribuir dinheiro ou comprar votos, levando vantagem sobre os concorrentes. É o "estado de emergência" que permite a Bolsonaro aumentar sem empecilhos o valor do Auxílio Brasil e do auxílio gás, além de distribuir vales para caminhoneiros autônomos e taxistas.

A proposta foi bombardeada por técnicos do Senado, do Tribunal de Contas da União e de organizações sociais pelo temor de que destrua as contas públicas e gere mais inflação, aumentando o peso da crise sobre os bolsos dos brasileiros, em vez de aliviá-lo. 

Ninguém discute a necessidade de ampliar a rede de proteção social para a massa que está passando fome e é jogada na miséria pela carestia. Mas todo mundo sabe que o governo poderia cortar outras despesas para ampliar os benefícios sociais sem ter que quebrar as contas públicas. Poderia, também, ter implementado essas medidas de forma planejada, nos últimos meses, sem ferir a lei eleitoral. Afinal, a crise não começou na semana passada. Se o governo achou que seria tranquilo derrubar uma das leis mais importantes para nossa democracia, foi porque apostou que ninguém na oposição teria coragem de se opor a algo que "ajuda os mais pobres" às vésperas da eleição.

Apostou e levou. Num dos casos mais esquisitos já registrados em Brasília nos últimos tempos, oposição e governo aprovaram juntos a proposta em quase unanimidade. Só o senador José Serra (PSDB -SP) foi contra. Na hora da votação, os únicos membros da oposição que ficaram no plenário foram os que não concorrem à reeleição em outubro. Os outros votaram de forma virtual – a favor, para não ser acusados publicamente de ser contra os pobres, mas de forma virtual, para não ser fotografados no plenário aprovando algo que, ao fim e ao cabo, favorece os planos eleitorais de Jair Bolsonaro. 

Só agora que a PEC chegou à Câmara é que os deputados de oposição começam a se articular para adiar a votação – não para rejeitá-la, mas para que não dê tempo ao governo de obter dividendos eleitorais com o aumento dos benefícios.

Algo parecido ocorreu com a proposta de instalação de uma CPI para investigar o escândalo dos pastores que intermediaram a liberação de recursos no Ministério da Educação. O pedido, feito pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jean Paul Prates (PT-RN) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), teve o apoio de 31 senadores, mais que o mínimo de 27 exigido para a criação da CPI. Mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, conseguiu negociar um adiamento com a "maciça maioria" dos líderes partidários, admitindo que o fez para evitar que o período eleitoral "contamine o processo de investigação".  Mais uma vitória do governo com o apoio da oposição. Que, nos bastidores, admite que a CPI deve ficar para as calendas. Mas que, em público, continua prometendo recorrer ao Supremo para garantir a instalação da CPI.

Tanto num caso quanto no outro, o que desempatou a parada foi a avalanche de emendas do orçamento secreto. Só nas últimas duas semanas, foram R$ 6 bilhões em emendas indicadas pelos presidentes da Câmara e do Senado, numa ação coordenada pelo governo. Ao pé do ouvido, a conversa era simples: só recebe uma parte dessa bolada quem ajudar o governo. Mais uma vez, se ilude quem acreditar que só os governistas entram nesse bonde. Na oposição também tem parlamentar que consegue destinar dinheiro a suas emendas no Orçamento - em volume bem menor, mas consegue.

Da mesma forma que os marqueteiros costumam definir a economia como a principal razão para as decisões dos eleitores – "é a economia, estúpido!", diz o clássico bordão –, também dá para inverter a máxima para explicar o que está acontecendo em Brasília. Daqui até o final do ano, toda vez que vislumbrar algo esquisito na política, o cidadão comum pode encurtar o caminho para a explicação decretando que a culpa é da eleição. 

Até aí, chegamos facilmente. O que não vai ser fácil de explicar é o estado em que os eleitos, sejam eles da situação ou da oposição, encontrarão as contas públicas, as instituições e a própria economia em 2023.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Taí,a câmara podia adiar a votação impedindo a gastança eleitoreira de Bolsonaro.