quinta-feira, 7 de julho de 2022

Mercedes Bustamante*: Ciência ajuda a entender mundo em transformação

O Globo

Próximas décadas revelarão o desconhecido

A partir do século XVI, o termo “terra incógnita” (terra desconhecida) passa a indicar nos mapas as regiões ainda não mapeadas ou documentadas. No século XIX, com os continentes explorados, o termo desaparece da cartografia. Hoje, reaparece quando cientistas querem abordar assuntos ou campos de pesquisa ainda inexplorados. Inúmeras pesquisas indicam que as próximas décadas serão marcadas pela entrada em novas terras desconhecidas, dada a convergência de profundas transformações sociais, econômicas, políticas e ambientais.

Conduzir o Brasil por tais transformações, reduzindo impactos e aproveitando oportunidades, só será viável com a retomada de planejamento e investimentos consequentes em ciência e educação. A ciência nos auxilia a compreender o mundo e suas dinâmicas; nos fornece esclarecimentos sobre a natureza, a humanidade, a sociedade, nossas construções físicas e de pensamento.

Os avanços científicos, no entanto, emergem de bases de conhecimento fundamental que resultam da contribuição de muitos ao longo de anos. Tais bases só podem ser construídas a partir de esforços continuados na preparação de profissionais capazes de se apoiar no conhecimento acumulado para ver mais longe. Sobre os ombros de gigantes, como na frase atribuída a Isaac Newton.

Aqui, ciência e educação, dois setores tão fragilizados nos últimos anos, se mostram intrinsecamente ligados. Crianças e jovens costumam ver a ciência como inspiradora e interessante; ela fomenta fascinação e curiosidade, que devem ser estimuladas nas escolas. Compartilhar com os jovens conhecimentos, habilidades e ferramentas para pensar e avaliar criticamente o mundo é parte do desenvolvimento de competências para a vida, a cidadania responsável e o cuidado com nossos direitos.

No Brasil, a ciência está fortemente ancorada na atuação das universidades públicas, que concentram boa parte de nossa produção científica e formam novos professores. As universidades são motores de transformação da sociedade e ajudam a moldar novos caminhos ao educar cidadãos e ao entregar conhecimento e inovação à sociedade. Permitir e estimular que elas sigam exercendo seu relevante papel social deve ser parte integrante da construção da soberania do país e das estratégias para navegar as “terras desconhecidas” que nos esperam.

Ao construir esse futuro, devemos considerar o alerta do físico Carl Sagan:

— A história está repleta de pessoas que, como resultado do medo, ou por ignorância ou por cobiça de poder, destruíram conhecimentos de imensurável valor que, em verdade, pertenciam a todos nós. Não devemos deixar isso acontecer de novo.

Não há mais espaço ou tempo para entregar ao amadorismo e à negligência as agendas prioritárias para ciência e educação.

*Mercedes Bustamante é professora da UnB, membro da Coalizão Ciência e Sociedade e escreveu este texto como parte da iniciativa #ciêncianaseleições, do Instituto Serrapilheira

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