Editoriais
Desespero, improviso
Folha de S. Paulo
Bolsonaro tenta compensar em 90 dias o que
sua inépcia produziu em 3 anos e meio
O presidente da República corre para tentar
compensar em menos de 90 dias o que a sua incompetência produziu em três anos e
meio de mandato. A energia com que agora cobra empenho
de ministros pela reeleição contrasta com a indolência de suas
longas folgas no litoral e o desleixo na escolha de prioridades e quadros para
a gestão.
Os berros e os palavrões típicos de suas
conversas entre quatro paredes não terão o condão milagroso de transformar a
realidade de dezenas de milhões de cidadãos que irão às urnas em outubro
preocupados sobretudo com a economia.
Ações, como a de despejar bilhões de reais
em cortes de
impostos e aumentos de gastos no curtíssimo prazo, poderão melhorar
a competitividade do candidato Jair Bolsonaro (PL). Mas, como toda atitude
desesperada, essa que leva a maioria do Congresso a alterar a Constituição como
quem troca de roupa também implica custos.
Parte da conta será assumida pelos próximos mandatários e paga após as eleições pelo contribuinte e pelos que mais dependem de serviços públicos, pois as prestidigitações populistas são fugazes. Mas uma outra parcela do fardo já pesa nas costas de seus patrocinadores.
O terremoto produzido nas últimas semanas
sob as regras elementares da condução fiscal e do regime de preços alimenta uma
violenta deterioração dos indicadores financeiros. Disparam a cotação do dólar
e a percepção de risco de calote do Brasil. Os juros em todas as modalidades se
elevam, e o patrimônio em reais se deprecia.
Decerto há uma variável internacional —o
temor de uma reviravolta recessiva na economia global— a impulsionar a
degringolada. A Argentina em nova agonia
política e inflacionária também ajuda a piorar a reputação
regional.
Não seria o momento recomendado, portanto,
para o Brasil atirar-se a aventuras de irresponsabilidade fiscal. Tivesse
Bolsonaro se portado condignamente ao longo do mandato, reforçando a
credibilidade das instituições políticas e econômicas ao invés de erodi-la, as
defesas do país contra a ressaca global estariam mais sólidas.
O presidente dificilmente teria atingido
seus atuais níveis de impopularidade, inauditos para um postulante à reeleição.
A boa governança do Congresso teria evitado os saques oligárquicos ao
Orçamento, e o Bolsa Família teria sido desde a eclosão da pandemia ampliado e
melhorado para amparar a metade mais pobre da população.
Como Jair Bolsonaro preocupou-se mais com
passear de motocicleta, imprecar contra instituições da democracia e patrocinar
agendas exóticas ditas conservadoras, deixou de governar para a maioria e tem sido
punido por isso. Só lhe restaram desespero e improviso.
Pela divergência
Folha de S. Paulo
Hostilizada pelo bolsonarismo, academia só
tem a perder com atos de intolerância
Na noite de 29 de junho, quarta-feira,
protestos de um grupo de estudantes de esquerda da Unicamp impediram que
se realizasse no auditório da instituição paulista uma palestra sobre
cotas e financiamento de universidades públicas.
A exposição caberia a três futuros
candidatos do Partido Novo, Fernando Holiday, que pretende disputar vaga na
Câmara dos Deputados, e Leo Siqueira e Lucas Pavanato, que deverão concorrer à
Assembleia Legislativa.
Conflitos ideológicos no ambiente
universitário não são nenhuma novidade. Os movimentos estudantis organizados
refletem visões variadas do espectro político, e embates agressivos se dão até
entre grupos que disputam preeminência num mesmo campo.
O que chama a atenção neste e em outros
casos recentes são as tentativas, tanto à direita quanto à
esquerda, de simplesmente silenciar adversários, impedindo-os de
expressar suas opiniões.
Situações análogas de intolerância já
ocorreram e continuam ocorrendo em universidades de diversos países, caso
notório dos EUA, onde esse tipo de intervenção tem um histórico estridente.
Os confrontos se inscrevem num contexto de
crescente polarização ideológica fomentado pela ascensão internacional de um
ideário conservador não apenas na política institucional mas na chamada guerra
cultural, que também envolve temas como racismo, feminismo e ambientalismo.
No Brasil, a vitória de Jair Bolsonaro, em
2018, deu impulso a uma onda de ataques às universidades públicas, tratadas
pelo governo como "antros de esquerdistas".
A investida oficial para manietar
professores e controlar conteúdos, aliada à aversão bolsonarista à cultura e à
agenda liberal de costumes, colaborou —como ocorreu no período de Donald Trump
nos EUA— para aguçar as hostilidades e fomentar o radicalismo.
Recorde-se que em anos recentes
registraram-se tumultos e protestos em universidades contra a exibição do
documentário "O Jardim das Aflições", sobre o ideólogo de direita
Olavo de Carvalho (1947-2022). Agora, com a proximidade das eleições, os ânimos
tendem a se mostrar mais exaltados.
Tradicionalmente mais propenso a perspectivas
de esquerda, o meio estudantil tornou-se palco de disputas em que
lamentavelmente se busca interditar a divergência. A intolerância de um lado
alimenta naturalmente a do outro.
A incrível CPI que já começa em pizza
O Estado de S. Paulo
Além de desrespeitar o eleitor e descumprir a Constituição,adiara CPI do MEC para depois das eleições condena Senadoà irrelevância. A transparência e a democracia se ressentem
No Brasil, costuma-se dizer que Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) quase sempre “acabam em pizza” – uma
expressão popular que traduz o ceticismo sobre a punição dos responsáveis pelos
malfeitos investigados. Pois desta vez o Senado se superou: criou uma CPI que
já começa em pizza.
Na terça-feira passada, o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que a CPI para investigar as
denúncias de corrupção envolvendo o Ministério da Educação (MEC) só será
instalada após as eleições. O anúncio é um deboche. Rodrigo Pacheco reconhece
que os requisitos constitucionais para a abertura da investigação foram
preenchidos, mas considera que o País só deve ter acesso ao que de fato
acontece no governo de Jair Bolsonaro depois das eleições.
São tempos realmente estranhos. O
presidente do Senado, que deveria defender as prerrogativas da Casa
Legislativa, faz de tudo para tornar irrelevantes os trabalhos investigativos
da própria Casa que preside. A importância da CPI do MEC está precisamente em
expor ao País o que acontece na administração federal antes das eleições, para
que o eleitor possa dispor de mais elementos na hora de decidir o voto.
Pelo que se vê, há no Senado uma grande
incompreensão a respeito do funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
A função investigativa do Poder Legislativo não é uma tarefa burocrática que
pode ser adiada sem maiores consequências. O regime democrático demanda
transparência sobre os atos públicos. Caso contrário, a escolha do eleitor é
feita a partir de informações limitadas e parciais, o que contradiz
radicalmente a ideia de democracia.
Assim, transparência e controle são
fundamentais para o bom funcionamento do regime democrático. E é precisamente
por isso que as Constituições democráticas atribuem ao Poder Legislativo não
apenas a tarefa de fazer leis, mas também a de investigar. Trata-se do
reconhecimento de que, numa democracia, o trabalho de investigação tem uma
dimensão política essencial: desvelar ao público o que está oculto nas
entranhas do poder estatal. No entanto, Rodrigo Pacheco quer despir os
trabalhos do Senado dessa dimensão democrática, postergando-os para depois das
eleições. Deseja que esses trabalhos sejam rigorosamente um zero à esquerda
para o eleitor.
A decisão de postergar a CPI do MEC é, portanto,
afronta ao próprio Senado, envolvendo não apenas a omissão de suas atribuições
constitucionais, mas a deliberada escolha pela irrelevância da Casa Legislativa
num assunto de importância decisiva para o País. Não há como ignorar: o País já
tomou conhecimento, por meio do trabalho da imprensa, das graves suspeitas
envolvendo o mau uso de recursos públicos destinados à educação. O adiamento da
CPI não tira o tema de pauta. Apenas apequena a Casa Legislativa.
Além disso, ao não instaurar uma CPI cujos
requisitos constitucionais foram preenchidos, Rodrigo Pacheco descumpre o art.
58, § 3.º da Constituição e a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre o assunto. No ano passado, o plenário da Corte, ante a
recalcitrância de Pacheco, mandou instalar a CPI da Covid. Agora, o presidente
do Senado tenta uma manobra. “Os requerimentos serão lidos em plenário por
dever constitucional e questões procedimentais serão decididas”, disse Pacheco
em sua conta no Twitter, mas alertou que nada além disso será feito. Parece até
que a Constituição se ocupa de passos burocráticos, e não da efetiva
instauração da investigação.
Tudo isso é sumamente constrangedor.
Dispondo de todas as condições para ser autônoma, a Casa Legislativa escolheu
ser servil ao Palácio do Planalto, sob a desculpa esfarrapada de que, nas
palavras de Pacheco, a investigação da CPI pode ser “contaminada” pela disputa
eleitoral. Ora, esse mesmo Senado não viu problema nenhum em aprovar, a menos
de cem dias das eleições, a “PEC do Desespero”, uma Proposta de Emenda
Constitucional escandalosamente inconstitucional e eleitoreira desenhada para
permitir que o presidente Bolsonaro compre votos para tentar reverter sua
situação difícil nas pesquisas. O Senado, definitivamente, já teve dias
melhores.
Mercado cobra caro pela irresponsabilidade
O Estado de S. Paulo
Bondades eleitoreiras criam insegurança, aumentam os custos financeiros do setor público, fazem o dólar disparar, comprometem a economia e pioram as condições de vida
Devastado pela baderna fiscal promovida
pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus aliados, o Tesouro Nacional ainda tem
de pagar ao mercado o custo da insegurança causada pela gastança eleitoreira e
por aberrações como o orçamento secreto. Financiar as contas públicas ficou tão
caro quanto no fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, quando
sinais de enorme desarranjo financeiro já eram visíveis. Para vender papéis de
40 anos atrelados ao IPCA, o Ministério da Economia teve de se comprometer, nesta
semana, com uma taxa real de 6,17% ao ano. O custo estava em 4,76% no início do
mandato, em janeiro de 2019, e chegou perto de 3% quando foi aprovada a reforma
da Previdência. Ruim para o Tesouro, a desconfiança do mercado é desastrosa
para a economia e para a maior parte dos brasileiros, principalmente para os
mais pobres.
Fora dos padrões internacionais, a dívida
pública brasileira, incluídos os três níveis de governo, é próxima de 80% do
Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados de Brasília, e tende a crescer, em
termos proporcionais, nos próximos anos. Na maior parte das economias de renda
média, o endividamento do governo geral é bem menor e raramente equivale a 60%
do PIB. Além de muito endividado, principalmente em nível federal, o setor
público do Brasil paga juros elevados e seus padrões de gestão têm sido, com
frequência, alarmantes para o mercado.
Sinais de alerta se repetem, agora, com a
manobra do presidente Jair Bolsonaro, apoiado pelo Centrão, para distribuir
bondades eleitorais e novamente pôr em risco o teto de gastos. O risco foi
percebido dentro e fora do País e o alarme já disparou em todo o mercado.
O Brasil afrouxa a política fiscal com a
aproximação das eleições de outubro, registrou na terça-feira o boletim do
Instituto de Finanças Internacionais editado em Washington e divulgado para
todo o mundo. Depois de cortar impostos sobre energia, como se fez em muitos
países, o governo brasileiro passou a pressionar por um pacote de gastos
emergenciais, assinalou o boletim, apontando o risco de mais uma violação do
teto de gastos. Os cortes de impostos e as novas despesas podem equivaler a
1,2% do PIB, “uma cifra nada desprezível para um país em posição fiscal
frágil”, segundo o informe.
O aumento da receita pública pode atenuar o
efeito dessas medidas em 2022, mas o próximo governo, acrescenta o boletim,
poderá ter dificuldade, em 2023, para corrigir o afrouxamento e retomar a
observância do teto de gastos. No cenário mais provável, continua a análise, o
presidente, seja Bolsonaro ou Lula, mudará de novo o teto como parte da
política orçamentária e isso mais uma vez incomodará o mercado.
O presidente Bolsonaro e seus aliados podem
pensar e agir como se os efeitos de seus atos ficassem circunscritos a um
joguinho político. Muitos podem até conceber esse joguinho como limitado a uma
dimensão paroquial, suficiente para garantir a reeleição e os dividendos da
participação no esquema brasiliense.
O chefe de governo deve pensar, por
necessidade, num eleitorado maior. Sua percepção do papel e das obrigações
presidenciais, no entanto, deve ser, como indica o balanço de seu mandato,
pouco mais ampla do que foi durante sua longa carreira como deputado
irrelevante. Mas o Brasil, apesar de tudo, ainda é uma grande economia, um
mercado respeitável e com enorme potencial. As ações de suas autoridades ainda
valem a atenção de quem acompanha as condições econômicas e políticas nos
mercados com alguma importância.
O presidente pode ter dificuldade para
perceber o alcance de suas palavras e manobras. Mas as consequências aparecem
nos custos do Tesouro, na redução do dinheiro disponível para funções de
governo, na degradação das condições sociais, na inflação acelerada, no dólar
supervalorizado e nos juros sufocantes para os negócios e para a gestão
pública. Talvez um pouco menos sufocantes, é preciso admitir, para uma gestão
ineficiente, sem plano e desvalorizada por quem negligencia ou simplesmente
ignora o sentido de governar.
Revés na guerra cultural bolsonarista
O Estado de S. Paulo
Ao derrubar veto de Bolsonaro a leis de apoio às artes, Congresso lembra que há limites ao revanchismo do presidente
Em campanha permanente à reeleição, o
presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir um cofre que não é dele para comprar
votos. Não há limites – nem legais nem morais – quando se trata de distribuir
benefícios para taxistas e caminhoneiros e caraminguás para pobres. Mas, quando
se trata de prejudicar aqueles que o bolsonarismo considera como “inimigos”,
eis que Bolsonaro subitamente invoca impedimentos constitucionais e fiscais.
Para justificar o veto a duas propostas que garantiam recursos para o setor
cultural – considerado pelos bolsonaristas um valhacouto de comunistas –, o
presidente usou o descarado argumento de que devia respeito a dispositivos que
o próprio governo desmoraliza quando lhe é conveniente, como o teto de gastos,
a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A Lei Aldir Blanc 2, uma homenagem ao
compositor que morreu em decorrência da covid-19, previa repasses de R$ 3
bilhões para Estados e municípios apoiarem atividades culturais nos próximos
cinco anos. Já a Lei Paulo Gustavo, tributo ao ator também vítima do novo
coronavírus, autorizava transferências de R$ 3,86 bilhões a Estados e
municípios para o fomento do setor audiovisual neste ano. Não satisfeito em
desmontar as bases da Lei Rouanet, único marco de incentivo à cultura no País,
Bolsonaro nem sequer se propôs a avaliar o conteúdo das duas propostas
legislativas recém-aprovadas. Imbuído do espírito de revanchismo que marca
todas as suas ações, preferiu impor o veto integral.
Se a pandemia afetou profundamente as cadeias
produtivas no mundo todo, não há dúvidas de que o setor cultural foi um dos
mais prejudicados. Shows, concertos, espetáculos, festivais, festas populares,
mostras e exposições foram suspensos por quase dois anos; salas de cinema
ficaram às moscas e a produção cinematográfica foi paralisada. O avanço da
ciência garantiu a redução no número de casos e óbitos associados à covid-19,
de modo que incentivar a reabertura das atividades culturais seria prioridade
para qualquer governo – menos, é claro, para a administração Bolsonaro.
Na disputa ideológica deflagrada pelo
presidente, cultura não passa de futilidade e irrelevância, quando não
instrumento de propagação do discurso da esquerda. A sanha bolsonarista não
poupa nem mesmo um legado de décadas, reconhecido no exterior e que representa
a verdadeira expressão da identidade nacional. Não importa se investimentos
estruturais no setor cultural são capazes de mudar o rumo de uma nação nem que
ele ofereça oportunidades a parcelas da população tradicionalmente excluídas.
Felizmente, ao derrubar os vetos presidenciais às duas leis, o Congresso Nacional, ultimamente indiferente aos interesses nacionais, atuou como barreira institucional e demonstrou um raro senso de prioridade, dignidade e respeito com o futuro do País. Afinal, o Executivo provou ter dinheiro para, literalmente, comprar votos com programas improvisados, sem qualquer preocupação com seu custo e resultados efetivos. Deve, portanto, dispor de recursos mais do que suficientes para resgatar um setor punido por se negar a bater palmas para o desastre.
Supremo precisa retomar julgamento sobre
armas
O Globo
STF tem dever de fazer valer o Estatuto do Desarmamento e deter riscos para a segurança pública
Logo no início do governo, em 2019, o
presidente Jair Bolsonaro começou a baixar decretos para desidratar o Estatuto
do Desarmamento, em vigor desde dezembro de 2003. O governo fez o que estava a
seu alcance para facilitar a venda e o porte de armas e munições. Quando
recuou, foi por temer as consequências jurídicas.
Não é acaso que tenham sido ajuizadas no
Supremo Tribunal Federal (STF) 14 ações de todo tipo em reação a essa política
armamentista. Em setembro passado, o julgamento do pacote de processos — sob
relatoria dos ministros Rosa Weber, Edson Fachin e Alexandre de Moraes — foi
interrompido por um pedido de vista do ministro Nunes Marques, indicado à Corte
por Bolsonaro. Já passou da hora de ele devolvê-los ao plenário.
Mesmo que os relatores tenham baixado
liminares contrárias ao espírito dos decretos, na prática a profusão de normas
baixadas pelo governo tem feito o volume de armas vendidas crescer como nunca.
Apenas os registros de caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs)
quase sextuplicou de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a 1° de junho
último, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (foi de 117,5
mil para 673,8 mil). Os registros de posse no Sistema Nacional de Armas
(Sinarm), da Polícia Federal, cresceram 135% entre 2017 e 2021, para 1,5
milhão.
O incentivo às armas no governo Bolsonaro
põe em risco as conquistas recentes nos indicadores de segurança pública. Basta
dizer que, entre os CACs, o atirador dito esportivo pode comprar até 60
armamentos, entre eles 30 fuzis, e até 180 mil balas por ano. É preocupante o
desvio por furto ou roubo da arma legalizada.
Pesquisadores calculam que em mãos da população
haja um total de 4,4 milhões de armas, das quais 1,5 milhão com licença
expirada. Significa dizer que uma em cada três está em situação irregular.
Supõe-se que parte esteja nas mãos de bandidos. Parte da enxurrada de armas que
a política de Bolsonaro libera será, portanto, usada contra a população, que
não terá a mínima chance de se defender contra um marginal acostumado a puxar o
gatilho.
É uma temeridade armar a população num país
que teve no ano passado 41 mil assassinatos. O Brasil continua na liderança
mundial em números absolutos e tem 30 cidades com taxas de homicídios acima de
100 por grupo de 100 mil habitantes, índice superior ao de qualquer país no
mundo e quase cinco vezes a média brasileira.
É verdade que houve queda em relação aos 44
mil homicídios verificados em 2020. Mas é um erro grave atribuí-la ao
armamentismo. Entre todos os motivos para a retração — como demografia ou
mudanças na operação do crime organizado —, não está a facilitação ao acesso a
armas. “A tentativa de atribuir a redução de homicídios à maior circulação de
armas não se sustenta”, afirma a gerente de Advocacy do Instituto Igarapé,
Michele dos Ramos. A queda verificada nos homicídios começou em 2018, antes da
posse de Bolsonaro. Entre 2019 e 2020, quando o armamentismo já vigorava, houve
aumento na proporção de mortes violentas cometidas com armas de fogo, de 70%
para 78%.
Por tudo isso, é um desatino a liberação de
armas. O STF tem o dever de fazer valer os termos do Estatuto do Desarmamento
aprovado no Congresso Nacional, dando um basta na absurda escalada armamentista
no Brasil.
Protesto que censurou vereador em
universidade causa repulsa
O Globo
É uma lástima que a ‘cultura do cancelamento’ que assombra outros países ganhe força no Brasil
Foi um absurdo — e antidemocrático — o
protesto de setores da esquerda que impediram o vereador paulistano Fernando
Holiday (Novo) e pré-candidatos do mesmo partido de falar em evento na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no final de junho. Aos gritos de
“recua, fascista, recua, a Unicamp nunca vai ser sua”, integrantes da União da
Juventude Comunista tumultuaram o evento até que fosse cancelado. As outrora
denominadas “patrulhas ideológicas” passaram pela transmutação que levou à
atual “cultura do cancelamento”. A essência continua a mesma do passado. São
manifestações de obscurantismo, intolerância e autoritarismo que precisam ser
rebatidas com veemência.
O liberalismo, a corrente política baseada
na liberdade, confere direitos aos indivíduos. O mais fundamental deles é a
autonomia, a possibilidade de fazer escolhas individuais nos campos da
religião, associação, opinião e vida política. Esses direitos foram arduamente
conquistados pelos brasileiros. Quem os ataca deve ser prontamente rechaçado,
independentemente do lugar que ocupe no espectro político.
Por isso causa repulsa o discurso que
espalha por universidades brasileiras tentando censurar vozes discordantes da
opinião majoritariamente de esquerda que predomina nelas. O histórico do
vereador paulistano no Movimento Brasil Livre, sua defesa do “neoliberalismo”, até
os abusos do presidente Jair Bolsonaro são usados como argumentos para
justificar o injustificável. É esperado que o pequeno grupo de jovens
comunistas acredite nas suas crenças fantasiosas. Muito pior é quem dissemina a
ideia de que haja razão defensável para censurar um debate em universidades e
outros lugares públicos. Não há.
Nos Estados Unidos, o terror imposto pela
“cultura do cancelamento” transformou reitores e chefes de departamento em
policiais do pensamento. Decisões sobre demissões e eventos são tomadas com
base no que tal acadêmico disse ou escreveu sobre temas muitas vezes alheios a
sua atuação.
Em 2021, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT) convidou um renomado geofísico da Universidade de Chicago para proferir
uma palestra. Quando vieram a público críticas dele às ações afirmativas, foi
desconvidado. O título da palestra? Clima e o Potencial da Vida em Outros
Planetas. Diferentes pesquisas de opinião demonstram que a censura se alastrou
pela sociedade americana. Num levantamento recente, 46% dos pesquisados
disseram se sentir menos livres para falar de política do que há uma década.
É uma lástima que as mesmas patrulhas estejam
ativas no Brasil. Para que o país supere suas mazelas históricas, é
imprescindível continuar contando com uma sociedade plural. É num ambiente
livre que as melhores ideias florescem, e as piores perdem força. Há, sim,
limites para a liberdade de expressão, mas quem os impõe são a lei e a Justiça
— não quem se considera no mais alto nível do pedestal da moralidade. Numa
conjuntura em que as ameaças vêm da extrema esquerda e da extrema direita, a
vigilância precisa ser maior.
Fed age para evitar que a inflação fique
resistente
Valor Econômico
Processo de aperto monetário será penoso
não só para os Estados Unidos, mas também para o resto do mundo
O Federal Reserve (Fed) está disposto a
promover um aperto monetário maior, caso se mostre necessário, para evitar que
a inflação se torne resistente e mais difícil de baixar - uma preocupação que,
corriqueiramente, costuma tirar o sono de banqueiros centrais de países
emergentes.
Nas últimas semanas, o mercado financeiro
internacional teve quedas expressivas, diante de uma possível recessão na maior
economia mundial. Havia, em muitos dos operadores, uma certa esperança de que o
Fed poderia aliviar o aperto monetário. Toda uma geração está acostumada a ver
o BC dos Estados Unidos atribuir, nas suas decisões, um grande peso aos riscos
do lado da atividade.
Mas a ata do Fomc, divulgada ontem, coloca
em primeiro plano as preocupações com a inflação. Muitos membros do comitê
entendem que o risco diante do Fed, agora, é a inflação se tornar mais
persistente, caso os agentes econômicos comecem a questionar a sua disposição
em apertar a política monetária aos patamares necessários.
“Diante de pressões inflacionárias elevadas
e de sinais de deterioração em algumas medidas de expectativas de inflação,
todos os participantes reafirmaram o seu compromisso em retornar a inflação
para a meta de 2%”, diz a ata do Fomc.
Esse é um risco conhecido aqui no Brasil.
Quando o Banco Central sinalizou pouca disposição em fazer o que era preciso,
ou quando os mercados suspeitaram que não tinha autonomia para tal, a inércia
inflacionária aumentou. Foi o que ocorreu, por exemplo, no governo Dilma Rousseff.
No fim das contas, o esforço para desinflacionar ficou ainda maior, com um alto
preço pago com a perda de atividade econômica.
O consenso dos membros do Fomc é que será
preciso mover as taxas de juros para o campo restritivo até o fim do ano. Isso
significa que os “fed funds”, que na última reunião foram fixados na faixa de
1,5% a 1,75% ao ano, devem subir para perto ou acima do patamar nominal de
cerca de 2,5% ao ano. Essa é a mediana das estimativas dos integrantes do
comitê para a taxa neutra, ou seja, aquela que não acelera nem desacelera a
inflação e que é consistente com a economia estável em pleno emprego.
Aparentemente, a taxa de juros ao redor de
2,5% ao ano não é suficientemente alta. Os debates dentro do Fomc estão sendo
feitos em torno dos juros nominais, num momento que a inflação muito alta faz
com que a economia americana opere com juros reais negativos. A projeção
mediana dos membros do Fed para a variação de preços da economia é de 4,3% em
2022 e de 2,6% em 2023. Talvez por isso, o comitê admite discutir, mais
adiante, se será necessário seguir subindo. Chegará o momento, certamente, de
testar na prática a tese de que os juros neutros caíram para patamares reais
muito baixos, em virtude da chamada estagnação secular.
O cenário descrito pelo corpo técnico do
Fed é de desequilíbrio entre demanda e oferta, ocasionado não apenas pelas
restrições do lado da oferta, mas também pelo excesso de demanda. O aperto
monetário recente feito pelo Fed e as condições financeiras mais restritivas,
que antecipam novas altas de juros, reduziram a perspectivas de expansão da
economia, mas aparentemente não o suficiente.
De fato, a mediana das projeções dos
membros do Fomc para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 a
2024 está por volta de 1,7% a 1,8%, grosso modo dentro do PIB potencial
estimado. Ou seja, sem uma desaceleração mais forte do PIB, seria muito difícil
criar um nível de ociosidade na economia suficiente para baixar a inflação para
a meta.
O Fomc volta a falar, na ata, sobre a
“administração de riscos” da política monetária, usando um vocabulário muito
popular quando Alan Greenspan era o chairman do comitê. No entanto, naquele
período, a administração de riscos pesava, de um lado, a atividade e, de outro,
a inflação. Agora, o Fed diz que a boa administração de riscos recomenda
posicionar a política monetária no campo restritivo para, se necessário, seguir
apertando mais. A preocupação pesa mais o lado da inflação.
Esse processo de aperto monetário será penoso não só para os Estados Unidos, mas também para o resto do mundo. As condições de financiamento para economias emergentes já ficaram bem menos favoráveis, o que significa uma leniência menor dos mercados internacionais com os nossos riscos fiscais durante as eleições.
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