quinta-feira, 7 de julho de 2022

Maria Hermínia Tavares*: Muito além do balcão

Folha de S. Paulo

Graves, as denúncias não são o pior se fez contra a educação pública sob Bolsonaro

Salvo reviravolta improvável, ficou para as calendas a CPI para apurar as acusações de malfeitos que nocautearam o então ministro da Educação Milton Ribeiro e seguem ameaçando respingar no amigo presidente. São denúncias pesadas de montagem de um balcão de negócios com recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) operado por dois pastores evangélicos, contumazes frequentadores do Palácio do Planalto.

O fundo é o braço financeiro-executivo do MEC, responsável pelas principais ações e programas federais para a educação básica e, secundariamente, para o ensino profissional e superior. Dali saem os reais que pagam alimentação e transporte, livros didáticos e bibliotecas, informatização do ensino e projetos especiais de melhoria da infraestrutura física ou pedagógica das escolas públicas do país.

Se comprovadas, as acusações serão mais um exemplo da canibalização da máquina pública pelos interesses de variada envergadura, instalados nas cercanias do presidente e de sua família, ou no regaço do centrão velho de guerra. Embora graves, como de fato são, elas não chegam a ser o que de pior se fez na educação pública sob a batuta do ex-capitão. Um bom resumo da devastação no setor pode ser lido em "Educação Já – 2022", produzido pela ONG "Todos pela Educação", para oferecer aos aspirantes a cargos públicos uma agenda de prioridades destinadas à melhoria do ensino básico.

O texto escancara que, desde 2019, a pasta e seus principais órgãos sofrem de descontinuidade de gestão, desvalorização da experiência acumulada e perseguição a servidores. Em menos de quatro anos, cinco excelências se sucederam e patrocinaram um jogo de cadeiras nos principais órgãos do ministério: foram cinco secretários de educação básica, outros tantos presidentes do Inep, quatro do FNDE e três da Capes. A bagunça afetou a capacidade de execução do orçamento, em especial o destinado à educação básica, que fechou 2020, com sua pior marca em uma década.

Prioridades ditadas pelo obscurantismo —ensino em casa, escolas militares— se distanciaram da urgente preocupação com os crônicos problemas das desigualdades regionais e raciais, sem falar na reduzida efetividade do ensino, medida pelo desempenho dos estudantes brasileiros em exames nacionais e internacionais. Finalmente, o ministério tira nota zero como coordenador do sistema, o que lhe cabe na estrutura federativa nacional. Sua omissão, por desleixo e incompetência, agravou o monumental desastre no setor, provocado pela pandemia. Um estrago à espera de outra CPI só para contá-lo.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O pior é que o Bozo é apoiado por setores da sociedade que se dizem ''sérios''.