sábado, 6 de agosto de 2022

Miguel Reale Júnior* - Razões para o 11 de agosto

O Estado de S. Paulo

Brasil da diversidade democrática irá à Escola do Largo de São Francisco dizer não aos ataques às instituições e afiançar que não se admitem retrocessos.

Desde 26 de maio de 2019 o País veio sendo sobressaltado por ameaças ao regime democrático em atos em favor do presidente da República, dando início à campanha contra os demais Poderes.

Depois, em 15 de março de 2020, o presidente desceu a rampa do Palácio do Planalto para se congraçar com manifestantes que gritavam frases contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Um mês depois, em 20 de abril, o presidente compareceu a ato em frente ao Quartel-General do Exército no qual despontavam faixas em favor da intervenção militar e de nova edição do Ato Institucional n.º 5.

Em meados de 2020, acusou mentirosamente o STF de coartar sua ação em face da covid-19, quando a Suprema Corte apenas decidira ser o enfrentamento do vírus tarefa comum das três instâncias de poder, a agirem em colaboração.

Surgem, então, manifestações da sociedade civil em defesa da normalidade democrática. Cabe lembrar o manifesto do Movimento Estamos Juntos, subscrito por mais de 150 mil pessoas. O manifesto intitulado Basta, subscrito por cerca de 600 profissionais do Direito, pontuava: “O presidente da República faz de sua rotina um recorrente ataque aos Poderes da República e afronta-os sistematicamente: Basta!”.

Outro documento, com 170 assinaturas de próceres da área jurídica, antepunha-se à interferência militar com base no artigo 142 da Constituição federal: “A Nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles”.

Associações de magistrados e procuradores foram incisivas em sua contrariedade a “todo ato que atente contra o livre exercício dos Poderes e do Ministério Público (...) o que será objeto de imediata reação”.

Nota do colégio de ex-presidentes da Associação dos Advogados de São Paulo explicava: “A Nação está exausta em razão do clima artificial de confronto criado toda semana pelo senhor presidente da República (...)”.

Em 2021, o presidente ocupou-se integralmente na defesa do voto impresso, auditável, pondo em dúvida as eleições de 2014 e de 2018, na qual fora eleito.

Na campanha para minar a confiança nas eleições, o presidente da República, em 29 de julho de 2021, fez transmissão ao vivo, pelo YouTube e pelo Facebook, tendo ao lado coronel da reserva para explicar ter ficado comprovada a fraude na eleição de Dilma contra Aécio. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) representou ao STF em face dessa fake news.

Não adiantou. Dias depois, em 4 de agosto, deu entrevista à Rádio Jovem Pan, no programa Os pingos nos is, ao lado do deputado federal Filipe Barros, relator da Emenda Constitucional n.º 135, que instituía o voto impresso, lançando novas acusações contra as urnas eletrônicas.

Tantos ataques ao processo eleitoral levaram a uma reação do mundo econômico, de vez que a Febraban, em combinação com a Fiesp, organizou, em setembro de 2021, manifesto intitulado A Praça é dos Três Poderes, em defesa da harmonia entre os Poderes.

Em 7 de setembro passado, Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas, afirmou não cumprir decisão judicial e incitou a população contra o Judiciário. Com medo, tentou voltar atrás por via de cartinha enganadora que fez Michel Temer escrever para apaziguar os espíritos.

Pouco valeram os manifestos lançados ao longo de seu mandato em defesa da democracia, nem teve efeito a cartinha de arrependimento. Assim, apesar de o voto impresso ter sido rejeitado pelo Congresso e considerado inconstitucional pelo STF, por violar o sigilo do voto, nas férias de Natal de 2021, em Santa Catarina, Bolsonaro disse: “Se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”.

Para culminar tantos desatinos antidemocráticos, com seu autoritarismo tosco, Bolsonaro teve a desfaçatez de humilhar a Nação em reunião à qual convidou os representantes de todos os países, na qual desmereceu o processo eleitoral, chegando a dizer que, sem se desvendar a fraude de 2018, realizou-se a eleição de 2020, que não deveria ter ocorrido. Pretendia uma justificação antecipada de golpe, a ser reconhecido legítimo pelas nações estrangeiras. Foi demais!

Surge reação imensa da Nação, com centenas de milhares assinando nova Carta aos Brasileiros: ex-alunos da São Francisco e muito, muito mais. Similar manifesto é subscrito por entidades de diversas tendências: o mundo empresarial, junto com o setor financeiro e ao lado das centrais sindicais, além de instituições profissionais e inúmeras organizações do terceiro setor, como os movimentos negro, feminista e estudantil.

O Brasil da diversidade democrática irá à velha Escola do Largo de São Francisco, no próximo dia 11, dizer não aos ataques às nossas instituições e afiançar que não se admitem retrocessos.

Com ar moleque, Bolsonaro, em live, pergunta: “O que eu fiz?”. Faltou dizer que foi sem querer! O que fez está presente na nossa mente e foi relembrado brevemente aqui. Diante das travessuras autoritárias, vem resposta altissonante: Estado de Direito sempre. A Nação está precavida e de olho no próximo 7 de setembro.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo,nunca é demais lembrar das ''travessuras'' perigosas de Bolsonaro.

Anônimo disse...

Várias destas "travessuras" são realmente crimes do miliciano genocida! Mas com a proteção do engavetador Augusto Aras no MP e do arquivador Arthur Lira na Câmara, dezenas de denúncias e mais de 100 pedidos de impeachment não são respectivamente julgadas ou votados. E o canalha poderá cumprir integralmente seu mandato, depois de crimes muito mais graves do que os que foram atribuídos à Dilma por este mesmo colunista e advogado!