Editoriais / Opiniões
Voto útil e abstenção são as chaves do
primeiro turno
O Globo
Lula tenta atrair eleitores de Ciro e
Tebet, mas seu desafio será convencer os menos escolarizados a votar
Faltando nove dias, duas forças sobressaem
na reta final da campanha eleitoral. Primeiro, a propaganda em favor do voto
útil do líder nas pesquisas, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo, o
efeito que a abstenção — não medida pelos institutos — terá no resultado das
urnas. A primeira força é favorável a Lula, a segunda desfavorável. A resultante
entre as duas determinará se a disputa pelo Planalto com o presidente Jair
Bolsonaro acabará no primeiro turno ou se será necessária uma nova rodada no
final do mês.
A pesquisa
Datafolha divulgada ontem mostra Lula com 47% das intenções de
voto, 14 pontos percentuais à frente de Bolsonaro. O resultado é consistente
com outros levantamentos. A medição do Ipec no início da semana também mostrou
larga vantagem para o petista: 47% ante 31% de Bolsonaro. Acreditando que o
“instantâneo” se manterá inalterado até o dia da eleição, os estrategistas da
campanha lulista têm feito o possível para liquidar a disputa na primeira
rodada.
O risco de Bolsonaro para a democracia tem sido brandido como argumento pelos petistas para tentar convencer eleitores de outros candidatos a votar em Lula. O PT, penalizado pelo voto útil repetidas vezes ao longo de sua história, adaptou às circunstâncias atuais o argumento que sempre usou.
Embora essa estratégia faça parte do jogo
democrático, ela não deveria significar um cheque em branco. Para atrair o voto
útil no primeiro turno, Lula deveria ter adequado seu programa de modo a
torná-lo mais representativo. É verdade que ele tem feito acenos ao centro do
eleitorado (chamou o ex-tucano Geraldo Alckmin para vice, apareceu nesta semana
ao lado do ex-ministro Henrique Meirelles e tem distribuído afagos a banqueiros
e empresários). Mas só assumiu compromisso concreto com os eleitores da Rede,
cujas propostas ambientais incorporou a seu programa para ganhar o apoio de
Marina Silva. No tocante à economia, continua a dever.
O principal indicador para determinar a
adesão ao voto útil é a rejeição. Nesse quesito, Bolsonaro tem sido imbatível.
Na última pesquisa do Ipec, seu nome foi repelido por 50%, enquanto Lula por
33%. No levantamento do Datafolha, Bolsonaro é rejeitado por 52%, Lula por 39%.
Um segundo indicador que tem entusiasmado os petistas mede a convicção do voto.
Dos eleitores de Lula e Bolsonaro, respectivamente 87% e 88% dizem que não
mudarão de ideia. Entre os que preferem Ciro Gomes e Simone Tebet, os números giram
em torno de 50%. As oscilações dos dois nas últimas sondagens revelam um veio
potencialmente rico em votos úteis para Lula.
O principal problema dele está na
abstenção, que tem ficado em torno de 20% nas últimas eleições. Eleitores com
menos anos de estudo, segmento em que Lula tem larga vantagem, votam menos que
os mais escolarizados, revela uma análise do cientista político Jairo Nicolau.
Há quatro anos, o comparecimento dos que tinham ensino fundamental incompleto
foi de 77,5%. Entre quem tinha o ensino médio completo ou superior incompleto,
chegou a 86%. De acordo com Nicolau, a convocação para eleitores de baixa
escolaridade saírem de casa e irem votar será decisiva para Lula.
Crítica de Guedes é pertinente, mas ele não
deveria desprezar a fome no Brasil
O Globo
Estimativa de que 33 milhões sofrem de
‘insegurança alimentar grave’ não significa o que a maioria imagina
O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou ser
“impossível” haver 33 milhões passando fome no Brasil. “Estamos
transferindo aos mais pobres, com o Auxílio Brasil, 1,5% do PIB, três vezes mais do
que recebiam”, afirmou. “Por mais que tenha havido inflação, não foi três vezes
mais. O poder de compra está mais que preservado.” Guedes fez uma crítica
pertinente ao que se alardeia a respeito do agravamento da fome no país.
Infelizmente, embora esteja certo no detalhe, está errado no principal: a fome
piorou no atual governo.
O número de 33 milhões deriva do segundo
inquérito da Rede Penssan, coalizão entre institutos de pesquisa e organizações
da sociedade civil. Os pesquisadores fizeram entrevistas em 12.745 domicílios
entre novembro de 2021 e abril de 2022. Constataram haver restrição à
alimentação em 30,1% e fome — ou “insegurança alimentar grave” — em 15,5%,
correspondendo aos 33 milhões. É preciso, contudo, entender como eles definem
fome.
Estão nessa situação famílias que
responderam “sim” a pelo menos seis questões numa lista de oito a respeito da
presença de comida no domicílio nos três meses anteriores. Dois pontos precisam
ser levados em conta na hora de interpretar os resultados. Primeiro: respostas
afirmativas a algumas perguntas podem implicar respostas também afirmativas a
outras. Como as questões não são independentes, há um viés que favorece os
extremos da escala, portanto as situações mais graves.
O segundo ponto é mais relevante. O fato de
alguém ter sofrido dificuldade alimentar — mesmo que grave — alguma vez nos
três meses anteriores não significa que passe fome crônica (assim como quem
pegou ônibus alguma vez nos últimos três meses não necessariamente anda de
ônibus regularmente). A escala pode ser fundamental como critério acadêmico
para avaliar a evolução e a gravidade da fome, mas não significa o que a
maioria acha que significa. Nisso, Guedes tem razão.
Não quer dizer que o agravamento da fome no
Brasil possa ser desprezado. Com base noutros critérios — usados em comparações
globais —, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) estimou que
os brasileiros sofrendo de “insegurança alimentar grave” passaram de 1,9% para
7,3% da população entre o triênio 2014-2016 e o triênio 2019-2021.
Em termos absolutos, o total de brasileiros
nessa situação praticamente quadruplicou, segundo a FAO: foi de 3,9 milhões
para 15,4 milhões. E isso apesar do Auxílio Emergencial distribuído a 68
milhões durante a pandemia. Os subnutridos — que passam fome crônica — são
estimados pela FAO em 4,1%, ou 8,8 milhões. Foi esse número que levou as Nações
Unidas a recolocar o Brasil no mapa global da fome, de onde o país tinha saído
em 2014.
Ainda faltam estudos capazes de avaliar o efeito de um programa mal desenhado como o Auxílio Brasil e de outras políticas do governo Jair Bolsonaro nesse quadro aterrador. Mas Guedes não deveria fazer pouco de uma situação que piorou dramaticamente durante sua gestão.
A cartada de Putin
Folha de S. Paulo
Mobilização de reservistas e intimidação
nuclear explicitam erros e elevam risco
Logo que chegou ao poder, na virada do ano
2000, um jovem e desconhecido Vladimir Putin publicou uma autobiografia. Em
"Primeira Pessoa", ele conta episódios da sua infância na arruinada
Leningrado (hoje São Petersburgo), nos anos 1950, e destaca como gostava de
atacar os ratos que infestavam os dilapidados prédios locais.
"Eu tive uma lição rápida sobre o
sentido da palavra encurralado", escreve, sobre quando cercou um enorme
roedor em uma escadaria. "Ele não tinha para onde ir e, de repente, se
jogou contra mim. Eu fiquei surpreso e assustado, e agora o rato estava me
perseguindo."
Se o menino é o pai do homem, como se diz,
é possível ver sombras da anedota na invasão da vizinha Ucrânia promovida pelo
russo.
Parte do que explica a agressão é a reação
ao que se encara na Rússia como um cerco feito pelo Ocidente ao país após a
implosão da União Soviética, em 1991.
Não justifica a guerra, claro, mas ajuda a
entendê-la. O mesmo se dá com a cartada de
quarta-feira (21).
O russo anunciou uma mobilização parcial de
até 300 mil reservistas, para assegurar as fronteiras que pretende redesenhar
ao anexar áreas que ocupa no vizinho. Elas serão objeto de fantasiosos
referendos a serem completados neste fim de semana, em flagrante violação das
leis internacionais.
Mais reveladora foi a assertiva de que a
guerra é contra o Ocidente, que usaria a Ucrânia como um fantoche —e a anexação
significa que, no limite, armas nucleares poderão ser usadas para defender as
novas terras russas.
Trata-se do conceito do rato encurralado em
pleno uso. Putin não parece estar perto da derrota militar final ou de um
golpe, mas vive sob pressão devido a seus erros.
Sua escolha de empregar força insuficiente,
a fim de manter a popularidade, impediu a vitória em fevereiro e, agora,
resulta na perda de áreas conquistadas no nordeste ucraniano. Pior, ameaça seu
maior prêmio, o leste russófono.
A mobilização visa estancar esse movimento
e, talvez, criar condições objetivas para o fim do conflito. Para ficar nas
memórias infantis, o roedor só parou quando Putin fechou a porta de casa.
Tudo indica que, ao mencionar o maior
arsenal atômico do mundo, o autocrata russo está fazendo o que nega —blefando.
O problema que se coloca é se ele domina mesmo os limites de seu jogo.
Central no processo é o endosso, ainda que
algo dissimulado, da China. Recém-saído de uma reunião com Putin, Xi Jinping
sabe que boa parte do apoio dos EUA a Kiev diz respeito à contenda com Pequim.
O que se pode dizer por ora é que os riscos da guerra aumentaram.
Ondas de juros
Folha de S. Paulo
BC encerra ciclo de alta, que prossegue no mundo
rico e traz ameaças recessivas
O comportamento da inflação nos países
ricos, ainda desfavorável, reforça o movimento de aperto global da política
monetária. No caso do americano Federal Reserve, a intensidade da alta dos
juros supera os padrões das últimas décadas e reforça o risco recessivo, com
efeitos sobre o restante do mundo.
O Fed se defronta com o desafio de estancar
uma escalada de preços que chega a inauditos 8,3% nos 12 meses encerrados em
agosto.
Embora haja expectativa de normalização dos
problemas ocasionados pela pandemia em vários setores, como o de bens
industriais, e já se observe queda das cotações de matérias-primas, a ameaça
vem do aquecimento da economia e do mercado de trabalho.
A taxa de desemprego, de 3,7%, está próxima
das mínimas históricas e há grande poder de barganha dos trabalhadores, o que
pressiona os salários além da produtividade da economia. A remuneração do
trabalho cresceu 6,5% em 12 meses, o que sugere pressão duradoura nos preços de
ao menos 4%.
Daí a pressa do Fed, que elevou a taxa
básica em mais 0,75 ponto percentual, para o intervalo de 3% a 3,25%
ao ano. A expectativa é que haja movimentos adicionais, para no mínimo 4,5% nos
próximos meses.
Se confirmado o prognóstico, o custo do
dinheiro subiria ao maior patamar desde a década de 1990.
Parece menor a chance de domar a inflação sem uma recessão que eleve o
desemprego no próximo ano —e esse é o temor que derruba os mercados globais e
valoriza o dólar americano, sempre um prenúncio de dificuldades.
O quadro também é grave na zona do euro,
que também passa por um período inflacionário agravado pelo choque nos custos
de energia. Uma contração da atividade no continente parece inevitável.
No Brasil, de forma incomum, o quadro se
afigura melhor. Como a inflação aqui começou antes, já em 2020 durante o pior
período da crise sanitária, o Banco Central está mais adiantado que seus pares.
Nesta semana se anunciou o encerramento
do ciclo de alta da Selic, que subiu de 2% anuais em março do
ano passado para 13,75% agora.
A ameaça da inflação permanece. Não se
espera convergência para as metas antes de 2024, embora seja provável uma queda
continuada.
O risco altista maior está relacionado ao encarecimento dos serviços, que tende a se prolongar, reforçado pela rápida recuperação da atividade. A incerteza sobre o grau de responsabilidade na gestão do Orçamento no próximo governo é outro fator crítico.
O realismo do Copom
O Estado de S. Paulo
BC promete manter juros altos até a
inflação ceder e enquanto perdurar a incerteza fiscal, no momento em que os EUA
e as economias mais desenvolvidas também apertam o crédito
Com o maior juro real entre 40 economias
emergentes e ricas, o Brasil continuará sujeito ao arrocho monetário até haver
um claro recuo da inflação, avisou o Copom, o Comitê de Política Monetária do
Banco Central (BC). O juro real, diferença entre a taxa básica e a inflação
prevista, está em cerca de 8%. Crédito caro será um dos entraves enfrentados
pelo presidente eleito, no início de mandato, na tentativa de impulsionar o
crescimento econômico e a expansão do emprego. Depois de 12 altas consecutivas,
o BC interrompeu os aumentos e manteve em 13,75% a taxa básica de juros, a
Selic, na reunião concluída ao anoitecer de quarta-feira. Dois dos nove membros
do comitê defenderam mais um ajuste de 0,25 ponto porcentual. Embora vencidos
na deliberação final, também sua atuação pode valer como advertência: ninguém
deve esperar para breve um afrouxamento.
O Copom prometeu, ao anunciar a decisão
sobre os juros, manter sua política até atingir dois objetivos, o recuo da
inflação para perto da meta e a ancoragem das expectativas do mercado. O
compromisso foi acompanhado de uma advertência: o comitê “não hesitará em
retomar o ciclo de ajuste, caso o processo de desinflação não transcorra como
esperado”.
Entre os sinais de perigo foi incluída,
como em comunicados anteriores, a incerteza sobre o futuro do “arcabouço
fiscal”, isto é, das contas públicas. Também foi mencionada a insegurança
quanto a novos estímulos fiscais – como despesas e cortes de impostos –
destinados a estimular o mercado. As medidas eleitoreiras com impacto nas
contas do próximo ano já estão, obviamente, incluídas no cenário do BC. Falta
conferir como o presidente eleito cuidará das finanças do governo,
especialmente diante das perspectivas de uma forte desaceleração econômica no
próximo ano.
A advertência está feita: juros altos serão
mantidos enquanto a inflação for resistente, um novo aumento continua possível
e a equipe do próximo governo, se tiver juízo, levará a sério a mensagem do
Copom.
Também o quadro externo deverá dificultar
um afrouxamento monetário no Brasil. No mundo rico, a inflação atingiu os
níveis mais altos em décadas. O desarranjo dos preços tem contagiado a maior
parte do mundo, incluído o Brasil. Além disso, os bancos centrais das maiores
economias iniciaram a elevação de juros para frear a alta de preços. Isso afeta
as condições globais de financiamento, altera os fluxos de capitais e mexe no
câmbio, favorecendo, por exemplo, a valorização do dólar.
Na quarta-feira, antes de terminar a
reunião do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou a
elevação dos juros básicos para a faixa de 3% a 3,25%, com alta de 0,75 ponto
porcentual. No dia seguinte o Banco da Inglaterra adicionou 0,5 ponto aos
juros, aumentando-os para 2,25%. No dia 8 o Banco Central Europeu (BCE), depois
de vários anos de política expansionista, havia alterado sua taxa principal de
zero para 0,75%.
Diante desse quadro, os membros do Copom
terão de ser especialmente cuidadosos no manejo da taxa básica de juros,
principalmente se quiserem diminuir o arrocho. Poderão aumentar a taxa mais uma
vez, se os preços continuarem muito desarranjados, mas até isso será
complicado, se a atividade continuar insegura.
No mercado, os mais otimistas têm previsto
redução dos juros a partir do segundo trimestre. Talvez estejam certos, mas o
espaço de ação poderá ser muito limitado pelas condições financeiras
internacionais e pelo câmbio. Qualquer decisão será perigosa, se provocar
insegurança entre investidores e resultar em dólar sobrevalorizado. As
avaliações dos investidores, convém ressaltar, dependerão também da condução
das contas públicas. Os arroubos e improvisações do presidente Jair Bolsonaro
têm sido grandes fatores de insegurança e de instabilidade cambial.
A inflação continuará influenciada pelas
condições internacionais. O belicismo do presidente Vladimir Putin ainda
causará problemas para o Copom. Mas já haverá uma alteração positiva, no
Brasil, se o seu governo se mostrar menos tolerante e simpático aos surtos
agressivos do dirigente russo.
Guerra bolsonarista contra as pesquisas
O Estado de S. Paulo
Ataques contra alguns institutos de pesquisa são estimulados por quem quer cercear o acesso dos eleitores à informação confiável, ativo valioso para a tomada de decisões conscientes
Está em curso uma inédita campanha de
desqualificação dos institutos de pesquisa que têm apontado as dificuldades do
presidente Jair Bolsonaro na campanha pela reeleição. Se a esta altura a
vitória do incumbente não está garantida, a culpa, segundo a turma governista,
só pode ser dos mensageiros da derrota, não do descalabro moral, político e
administrativo em que se converteu o governo do atual mandatário.
Estimular o descrédito de empresas e
instituições que trabalham com fatos e dados da realidade é da essência do
bolsonarismo. Essa recente onda de ataques contra os institutos de pesquisa e
seus profissionais se insere nesse contexto. Cada uma a seu modo, essas
entidades apresentam à sociedade informações que desafiam a “verdade” que emana
do líder, incontestável por natureza.
Evidentemente, não há novidade em
desacreditar institutos de pesquisa durante campanhas eleitorais, sobretudo por
quem não lidera as intenções de voto, como é o caso de Bolsonaro. No Congresso,
dormitam até alguns projetos de lei que visam a limitar a atuação desses
institutos. O ineditismo desses tempos esquisitos reside no fato de que os
ataques têm extrapolado o questionamento retórico dos resultados das pesquisas
e atingido a integridade física dos próprios pesquisadores.
Recentes ataques contra pesquisadores do
Datafolha em oito Estados resultam desse clima de hostilidade. Há poucos dias,
vale lembrar, Bolsonaro afirmou que, caso receba “menos de 60% dos votos” no
próximo dia 2, é porque “algo de anormal aconteceu no TSE”. Para o presidente,
o que importa é o “datapovo”, isto é, a quantidade de pessoas que ele consegue
mobilizar em seus comícios, como se isso bastasse para atestar sua liderança na
disputa eleitoral.
A fala de Bolsonaro não foi um mero arroubo
de candidato. Tampouco deve ser entendida como um simples estímulo ao
engajamento de seus apoiadores na reta final da campanha. Tratou-se, na
verdade, do que se convencionou chamar de “apito de cachorro”: uma frase do
líder que é entendida como comando por seus seguidores mais radicalizados.
Bolsonaro já havia soprado esse “apito” quando atacou a jornalista Vera
Magalhães durante um debate entre candidatos à Presidência, autorizando seus
camisas pardas a fazerem o mesmo.
Para o presidente e seus acólitos, pouco
importa se institutos sérios realizam pesquisas com base em metodologia
conhecida e em total conformidade com a Lei Eleitoral. Se os dados não são
aqueles que eles gostariam de ler, só podem estar errados ou manipulados.
Mas é justamente o rigor da metodologia dos
institutos citados que faz de suas pesquisas de intenção de voto uma espécie de
termômetro bem aferido do humor dos eleitores em um dado momento. Portanto,
questionar a credibilidade dos institutos serve a um só propósito: desencorajar
os eleitores de acreditar em informação confiável, ativo valioso para a tomada
de decisões conscientes, e estimulá-los a crer no discurso bolsonarista sobre o
alegado favoritismo do presidente.
A truculência em relação aos institutos de
pesquisa não se limita a arruaceiros de rua. O ministro das Comunicações, Fábio
Faria, por exemplo, foi às redes sociais para dizer que “a população vai cobrar
o fechamento desse instituto”, numa referência ao Ipec, que havia acabado de
divulgar uma pesquisa amplamente desfavorável a seu chefe. E o presidente da
Câmara, Arthur Lira, também foi ao Twitter para dizer que “nada justifica
resultados tão divergentes dos institutos de pesquisa”, o que, em sua visão, só
poderia decorrer de “erro” ou “desserviço”. “Não podemos permitir que haja
manipulação de resultados em pesquisas eleitorais”, bravateou Lira, sugerindo,
sem um fiapo de prova, que haveria uma conspiração dos institutos contra os
bolsonaristas.
Mas os valentes aliados de Bolsonaro podem ficar tranquilos, porque pesquisas são apenas retratos do momento, e não antecipação de resultado. Ou seja, ainda dá para virar o jogo – mas, para isso, é preciso trabalhar, e não gastar energia inventando teorias fabulosas para justificar uma eventual derrota.
Desvario de Putin cobra seu preço
O Estado de S. Paulo
Putin escala ameaças à Ucrânia, a seu próprio povo e ao mundo. Assim, mostra fraqueza, não força. É hora de aproveitá-la
O autocrata russo, Vladimir Putin, escalou
suas ameaças. O Kremlin mobilizou 300 mil reservistas, declarou que realizará
referendos em Donbas para justificar uma anexação e renovou suas chantagens
nucleares. Mas o que deveria ser uma demonstração de força é uma indisfarçável
prova de fraqueza.
As bravatas de Putin são uma reação ao
contra-ataque ucraniano que acaba de recobrar extensos territórios. Foi a maior
derrota de Putin desde que foi obrigado, em abril, a abandonar seu plano
original de uma ocupação massiva que pusesse o regime ucraniano de joelhos,
concentrando esforços no sul e no leste. Nas fronteiras da Rússia, irromperam
conflitos armados entre a Armênia e o Azerbaijão e entre o Quirguistão e o
Tajiquistão. Na Rússia, as críticas dos ultranacionalistas se intensificam.
O escasso apoio internacional se desgasta.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse nesta semana que a Rússia
precisa abandonar o território ucraniano, incluindo a Crimeia. O premiê
indiano, Narendra Modi, disse a Putin, cara a cara, no Conselho de Cooperação
de Xangai, que “os tempos não são de guerra”. No mesmo encontro, Putin admitiu
publicamente ao ditador chinês, Xi Jinping, que responderia às suas “questões e
preocupações”.
Na última vez em que se encontraram, a três
semanas da invasão, Xi declarou uma amizade “sem limites” com a Rússia. Uma
vitória rápida teria servido à China, humilhando os EUA e preparando o palco
global para uma invasão a Taiwan. Sete meses depois, a guerra prolongada
desestabilizou a Eurásia e revigorou a aliança ocidental. Ainda que o
enfraquecimento da Rússia aumente sua dependência de Pequim, a “amizade” está
se mostrando um embaraço.
Os 300 mil reservistas impressionam. Mas
levará meses até que sejam treinados e façam diferença no campo. A narrativa de
que a guerra é só uma “operação militar especial” que os russos poderiam
celebrar sem sacrifícios está desmoronando. Mesmo sob a propaganda e a opressão
ostensivas do Kremlin, os protestos começam a pipocar.
Putin fabricará seus referendos fraudulentos
para legitimar uma anexação e o uso de armas nucleares contra uma “invasão” de
seus territórios. Também conta com o inverno para pressionar a Europa a forçar
a Ucrânia a fazer concessões. A guerra é da Ucrânia, e cabe a ela decidir se e
quando negociar. Mas este não é o momento.
Sem dúvida um autocrata megalomaníaco acuado e armado com arsenais nucleares é um risco para a Ucrânia, para o mundo e para seu próprio povo. Mas seu terrorismo não pode ser premiado. A estratégia da Ucrânia e seus apoiadores está funcionando. Seria decisivo concertar com Índia e China um cordão sanitário que dissuada Putin de extrapolar seu desvario com armas de destruição em massa. No campo, é hora de acelerar a entrega de armas e aproveitar a tração das tropas ucranianas e o moral baixo das russas para conquistar posições. Manter o sangue-frio, mas galvanizar a determinação é o melhor caminho para convencer o povo russo de que ele está perdendo a guerra e não pode vencê-la.
Indústria é hoje menos produtiva que em
2000
Valor Econômico
As respostas são plurais. Mas precisam ser
formuladas, o que requer um esforço nacional
A produtividade industrial foi em 2021 a
menor do século. A soma de todas as mazelas da falta de crescimento abateu-se
com toda a força sobre o polo irradiador mais dinâmico da produtividade, a
indústria de transformação, cuja participação no total das atividades
econômicas é hoje a menor desde 1947, aponta estudo de Claudio Considera e
Juliana Trece, da Fundação Getulio Vargas (Valor, ontem). A conclusão é pessimista. “A
indústria de transformação está à beira da extinção”, diz Considera.
A decadência da indústria manufatureira do
país, a maior e mais diversificada na América Latina nos anos 1980, é ilustrada
de diversas maneiras. Sua participação na formação do conjunto das riquezas, o
PIB, chegou ao auge em 1985 (35,9%), foi definhando a partir daí até chegar a
13,8% em 1998, ensaiou breve recuperação em 2004 (17,8%) para estacionar ao
redor dos 11%, o menor percentual em 75 anos, em 2020 e 2021. Estudiosos do
assunto, como Dani Rodrik, qualificaram a passagem de uma economia industrial
para outra de serviços um caminho natural, porém bastante prematuro em países
como o Brasil. De certa forma, é como se a indústria decaísse bem antes de
chegar ao apogeu.
Ainda que a fatia industrial no PIB
houvesse que declinar, a produtividade não necessariamente seguiria esse
caminho, mas foi o que aconteceu. Houve perda geral de competitividade, como
pode ser observado pela redução de seu papel nas exportações. Entre 1997 e
2021, a indústria de transformação teve uma perda de 27,5 pontos percentuais,
enquanto as importações do setor avançaram 7 pontos percentuais (os números são
do estudo da FGV, os comentários, não).
Como resultado, houve uma redução acentuada
tanto das exportações como proporção da demanda total da indústria de
transformação, como um aumento, ainda que em menor escala, da fatia das
importações na produção doméstica. A competitividade do parque industrial
nacional tornou-se anêmica, e sua participação na manufatura mundial regrediu.
Entre 2015 e 2020, a redução foi de 1,6% para 1,3%, mas em intervalos mais
longos a involução foi provavelmente maior.
As saídas para a crise da indústria, se
existirem, são complexas e não há clareza sobre para aonde ir, ao contrário dos
diagnósticos, quase todos conhecidos. A educação brasileira é de péssima
qualidade, a economia é uma das mais fechadas do mundo, e a presença do Brasil
nas cadeias globais de valor, pequena; a estrutura tributária nacional é um
manicômio, os juros em geral são altos, e o Brasil perdeu tempo e energia
preciosos para vencer uma inflação muito alta.
As soluções propostas são genéricas e incompletas.
Em geral, contemplam melhorias macroeconômicas e alocação de recursos, como
aumento da taxa de investimentos, mais recursos para ciência, tecnologia e
inovação, maior integração dos centros de pesquisa, mais e melhores acordos
comerciais, ampliação e melhoria do estudo técnico e profissionalizante e
outras mais. Mas parecem adequadas como meios para se chegar a um fim que se
desconhece.
A ascensão da China como parque industrial
do mundo acabou com as chances de países como o Brasil voltarem a concorrer em
uma ampla gama de produtos em que teve vantagens competitivas. Além disso, a
China subiu na escala tecnológica e domina a oferta desde manufaturas simples a
uma boa gama das sofisticadas. Os países desenvolvidos deram um salto para a
indústria 4.0, enquanto pesquisa recente mostrou que a indústria brasileira mal
está no estágio 2.0.
Definir rumos tendo como parâmetro a
centralidade da indústria é muito complicado, mas há quem julgue que a solução
não é mais essa e passa pela sofisticação dos serviços, que são dois terços do
PIB tanto no Brasil como nos países desenvolvidos. “Estamos entrando em uma
nova era em que a industrialização não será mais tão potente na disseminação
dos benefícios dos ganhos de produtividade em toda a economia”, afirma Rodrik (Valor, 14-10-2021). “O
crescimento agora só é possível com o aumento da produtividade em empresas
informais menores que empregam a maior parte das classes média-baixa e pobres”.
As respostas são plurais. Mas precisam ser formuladas, o que requer um esforço nacional, que inclua governo, sindicatos, academia, industriais e agricultores etc. Não serão dadas pelo mercado ou pela volta da escolha de “campeões nacionais”.
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