O Globo
Moradores do Guarujá relataram à imprensa
que pelo menos algumas mortes pareciam execuções extrajudiciais
A semana que passou foi marcada pelos desdobramentos da operação da polícia que, em reação à morte de um policial no Guarujá, matou 16 pessoas em apenas seis dias — a mais violenta operação da polícia de São Paulo desde o Massacre do Carandiru. O número elevado de mortes, na mesma região, num curto espaço de tempo, levantou a suspeita de que pode ter sido vingança contra o crime organizado que tinha tirado a vida de um dos seus. A suspeita foi corroborada por depoimentos de moradores das regiões onde a operação aconteceu. Eles relataram à imprensa que pelo menos algumas mortes pareciam execuções extrajudiciais, fora do contexto de resistência armada à ação da polícia. Há também relatos de torturas.
Policiais que atuam como influenciadores
nas mídias sociais celebraram o
número crescente de mortes, aludindo a uma espécie de placar de
bandidos eliminados. A conta de um ex-policial e ex-candidato a deputado
estadual ironizava que a estamparia era uma oportunidade para quem quisesse
empreender no Guarujá, em referência às camisetas com fotos de mortos
utilizadas por parentes das vítimas. Noutra postagem, dizia que a “Rota é igual
Tele Sena. Resultados de hora em hora”. Enquanto os apoiadores da polícia
celebravam a violência desmedida, moradores
relatavam viver em pânico, com casas arbitrariamente invadidas e
troca de tiros por todo o bairro. O comércio fechou mais cedo, e havia relatos de
policiais “quebrando tudo” para forçar comerciantes a entregar
os criminosos.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, reagiu mal à crise, respaldando integralmente a atuação da
tropa e minimizando as denúncias de moradores e os indícios de abuso. Antes de
qualquer apuração, disse taxativamente que “não houve excesso” e classificou a
atuação da polícia de “profissional”. Seu secretário de Segurança Pública, um
policial linha-dura e notório apologista da violência repressiva, disse que as
denúncias não passavam de “narrativas”. Nenhum dos dois se mostrou muito
empenhado numa investigação rigorosa de possíveis excessos e abusos. A
ouvidoria da polícia reclama que não tem acesso aos boletins de ocorrência, e o
Ministério Público relatou que, ao solicitar os vídeos das câmeras corporais
usadas pelos policiais, recebeu a resposta de que não havia imagens.
A resposta do governo Tarcísio faz parte de
uma triste tradição no Estado de São Paulo, segundo a qual, quando um policial
é morto pelo crime organizado, uma reação desmedida é justificada para resgatar
a autoridade da polícia. Quando esse ambiente de condescendência com o abuso se
forma, o resultado, quase sempre, são execuções extrajudiciais de suspeitos,
sem o devido processo legal e qualquer tipo de proporção, uma justiça típica
das piores ditaduras, em que sempre morrem inocentes.
Foi o que aconteceu em maio de 2006,
quando, depois de uma onda de atentados do PCC a delegacias e quartéis,
centenas de pessoas foram mortas em toda a cidade de São Paulo, no que ficou
conhecido como os “crimes de maio”. Esses crimes até hoje não foram
esclarecidos, e as estimativas do número de vítimas variam de pouco mais de cem
a mais de 500.
As forças oficiais de segurança não podem
se engajar em vendetas, como se fossem uma gangue armada do Estado. Se uma
demonstração de força é necessária para resgatar a autoridade do Estado diante
do cruel assassinato de um policial, deve ser dentro da lei, com prisões em
massa, e não com execuções extrajudiciais e o achaque à população dos bairros.
Um comentário:
Concordo.
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