Valor Econômico
O Congresso não será um obstáculo
intransponível a novas medidas para aumentar as receitas
2023 está terminando e, com ele, o primeiro
ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na economia,
os resultados pegaram muitos analistas de surpresa: estimativas de crescimento
surpreenderam para cima, e a inflação ficou abaixo do esperado. Mas, em termos
políticos, o balanço traz algumas lições - e duas, principais, dão pistas sobre
2024.
A primeira diz respeito ao modus operandi do presidente Lula; a segunda, à atuação do Congresso. A combinação delas sugere que a equipe econômica estará mais na defensiva em 2024, mas, ao mesmo tempo, que o Congresso não será um empecilho intransponível para novas medidas de receita.
No início do ano, muito se especulava sobre
qual seria o Lula deste terceiro mandato: o presidente mais pragmático visto em
seu primeiro governo, ou um mais afeito às políticas adotadas pela
ex-presidente Dilma Rousseff, que geraram as bases para a catástrofe econômica
de 2015-2016. O que se viu em 2023 não foi nem um nem outro.
O presidente certamente mostrou uma dose de
pragmatismo. Ele defendeu a posição de seu ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, de manter a meta de inflação inalterada em 3% e endossou tanto a
reforma fiscal quanto a estratégia de focar na aprovação de uma reforma do IVA
com potencial de aumentar a produtividade da economia e adiar uma reforma da
tributação sobre a renda. Mas Lula também surpreendeu, no início do mandato,
pela sua fala belicosa contra o setor privado (os ‘ricos’), pelos ataques ao
Banco Central e sua política de juros, e por um aumento de gastos maior que
antecipado pela PEC da Transição.
Assim, a primeira lição de 2023 é que ficou
claro que o “novo” Lula nasce de um país muito mais polarizado, dividido, e de
um eleitorado fortemente desencantado com o “sistema”. Ele, e boa parte da
cúpula de seu partido, enxerga a oposição bolsonarista como uma ameaça não só
ao seu governo, como ao estado democrático de direito. Esse temor acaba
influenciando muitas de suas decisões.
Neste contexto, é mais fácil entender por que
o governo aumentou tanto os gastos em 2023 para depois aprovar uma regra fiscal
que limita as despesas no futuro. A lógica de fazer um ajuste fiscal no
primeiro ano e perder aprovação popular para depois crescer à frente não vale
se o custo for abrir as portas para uma oposição “antidemocrática”. O governo
evidentemente paga um preço com essa estratégia, ao prejudicar a capacidade do
Banco Central para reduzir juros. Mas o raciocínio político é guiado pelo temor
de criar condições para que oposição se mobilize.
Esse mesmo receio explica por que o
presidente Lula abriu as portas para um debate sobre a meta fiscal do próximo
ano: foi só uma queda modesta em seus índices de aprovação e dificuldades
econômicas dentro e fora do país que o levaram a criar um vendaval de
discussões sobre a meta fiscal para o próximo ano, gerando um desgaste para sua
equipe econômica.
Isso sugere que o ambiente será mais adverso
para o time de Fernando Haddad em 2024, já que é provável que o presidente
perca apoio popular nos próximos seis a oito meses. A grande surpresa política
do ano foi a aprovação do presidente Lula, que segue quase idêntica à de quando
foi eleito: ao redor de 50%-52%, em média, no aprova/desaprova. A taxa subiu
entre março e setembro com a queda no preço de alimentos, e recuou levemente
nos últimos dois meses.
Em um país dividido e polarizado, uma queda
para entre 41%-45% é completamente natural e esperada. Foi esse o patamar em
que o ex-presidente Jair Bolsonaro navegou boa parte de seu mandado, assim como
Trump e Biden nos Estados Unidos. Na América Latina, são raros os presidentes
com aprovação acima de 50%. O recuo nos preços dos alimentos evitou uma queda
da aprovação no primeiro ano. Mas a desaceleração da economia e a falta de um
“choque positivo” devem puxá-la para baixo em 2024.
Logo, a dúvida é como Lula reagirá a essa
queda. Com apoio popular em queda, ele deve pedir à sua equipe medidas para
manter apoio popular. É provável que ele pressione sua equipe econômica no
debate vindouro sobre as metas fiscais de 2025 e a redefinição da meta de 2024
caso a receita frustre as expectativas de seu governo. O tensionamento entre a
política monetária e o Palácio do Planalto também devem voltar à tona quando o
Banco Central parar de cortar juros.
A segunda lição política do ano veio do
Congresso, com um balanço misto. De um lado, o governo conseguiu aprovar quase
toda sua agenda econômica prioritária: a nova regra fiscal, a reforma
estruturante do IVA e, quase sem exceção, todas as medidas de aumento de
receita - mesmo que todas tenham sido diluídas. Incluem-se aí preço de
transferência, mudanças no Carf, fundos exclusivos e offshore, juros sobre
capital próprio e a redução do uso das subvenções sobre o ICMS. A previsão de
que o congresso seria uma barreira para medidas de aumento de carga tributária
não se cumpriu.
O Congresso, no entanto, se provou um
empecilho a matérias de interesse do governo fora da agenda econômica. O
Legislativo aprovou medidas como o marco temporal, transferiu competências do
Ministério do Meio Ambiente para outras pastas, rejeitou a tentativa do governo
de voltar atrás na reforma do saneamento e, por fim, aumentou ainda mais seu
controle sobre o Orçamento. O Congresso se mostrou mais conservador, mas
bastante cooperativo nos assuntos econômicos.
Em 2024, uma versão desse padrão deve se
manter, mas em termos mais difíceis. A equipe econômica estará ansiosa por
receitas, e o Congresso terá caminho aberto para aprová-las. A regulamentação
do IVA deve avançar. Mas, com Lula perdendo um pouco de apoio popular, a
oposição estará mais mobilizada, e o “custo” de aprovar essas medidas deve
crescer.
*Christopher Garman é diretor-executivo para as Américas do grupo Eurasia.
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