O Globo
Saldo do primeiro ano do governo Lula é
positivo, mas o Brasil busca velhas soluções para problemas novos
O saldo do primeiro ano de governo do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva é positivo. Está abaixo do que dizem seus entusiastas, mas bem acima do
que querem fazer supor seus detratores. O país vai se reajustando à normalidade
de problemas de modo menos lancinante do que viveu em anos recentes.
Se a economia não deslanchou, tampouco
degringolou. A inflação voltou a níveis civilizados, o desemprego diminuiu, e o
crescimento, mesmo não sendo um “espetáculo”, ficará acima do esperado. Com a
concordância do Legislativo, o país voltou a ter um regime fiscal, e a reforma
tributária foi, enfim, promulgada. O Brasil reassumiu lugar no concerto das
nações.
O meio ambiente recebeu cuidados sinceros e profissionais. A democracia não correu riscos nem foi vítima de bravatas. A racionalidade voltou a se basear na política, na ciência, no respeito aos direitos civis. Nada disso estaria garantido fosse outro o resultado da eleição. Elevou-se o nível civilizatório.
Méritos reconhecidos, cumpre, porém, apontar
problemas que rodeiam o país. Um aspecto preocupante vincula-se ao projeto de
futuro, sem o qual não se faz “política com P de História” — na expressão de
Joaquim Nabuco. Estacionado na segunda metade do século XX, o Brasil busca
velhas soluções para problemas novos. Isso raramente dá certo.
Não há visão estratégica capaz de articular
ideias num mundo em revolução, buscando estabelecer interfaces entre meio
ambiente, agronegócio, criando cadeias produtivas e uma nova indústria daí
derivada. Ainda faltam investimentos de monta em infraestrutura, educação
moderna, ciência e tecnologia, mobilidade urbana e segurança pública.
É verdade que questões emergenciais tomavam a
pauta antes mesmo da posse. Foi o caso da PEC da Transição. E, logo depois,
vieram os horrores do 8 de Janeiro, um cenário delicado de temor e destruição.
Mas, definitivamente, o amanhã não foi empunhado pelo governo.
Vazios assim conduzem, paradoxalmente, ao
passado. A “Retrotopia”, de Zygmunt Bauman, acompanhada da demagogia. Não é
exclusividade do Brasil. Sem agenda substantiva, resta a mediocridade da
política pequena, fisiológica, burocrática. Esta, a crônica dos últimos anos.
Em uma década, o velho patrimonialismo não só
permanece, como aumentou. O fisiologismo se robusteceu e perdeu a inibição. O
hiperfisiologismo, forte e vistoso, desfila sem pudor em chantagens e achaques
naturalizados no Parlamento e na opinião pública.
Em 2023, o Legislativo submeteu o governo a
uma espécie de stop and go: à euforia da aprovação de medidas importantes
sucederam-se períodos de paralisia. Sem constrangimentos, estabeleceu-se que
votação de interesse do Executivo (e do país) se dá apenas mediante a
liberação, prévia, de emendas e cargos. Banalizou-se o casuísmo e o toma lá dá
cá.
Grandes causas e acalorados debates
desapareceram dos plenários. Das tribunas, bizarrices fizeram a festa das redes
sociais. Ação parlamentar tangencia uma espécie de vereança nacional. A
“transparência opaca” e duvidosa na utilização dos recursos públicos compromete
a qualidade de políticas públicas. Os custos de gestão do presidencialismo de
coalizão explodiram.
Não há como omitir que a crise continuada da
última década fragilizou o Executivo ao mesmo tempo que fortaleceu os demais
Poderes, cada um por causa de dinâmicas específicas que podem ser discutidas
noutro momento. Do segundo mandato de Dilma Rousseff a Jair Bolsonaro, governos
fracos e sem agenda deram pernicioso protagonismo ao Legislativo, sobretudo à
Câmara.
Não se trata de retomar a tradicional e
inadequada hegemonia do Executivo. Mas de ousar uma agenda capaz de estabelecer
relação qualificada, mais equilibrada e menos rumorosa entre Poderes. O desafio
dos próximos anos: projetar o futuro e aperfeiçoar o relacionamento
institucional.
*Carlos Melo, cientista político, é professor senior fellow do Insper
Um comentário:
Muito bom! No DESgoverno Bolsonaro, muitos dos problemas novos eram causados pelo próprio miliciano mentiroso ou por seus cúmplices do ministério, como Weintraub, Ricardo Salles, Pazuello, Guedes e outros incompetentes ou criminosos.
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