O Estado de S. Paulo
Foco parcial da recém aprovada Emenda Constitucional 132 pode agravar problemas que o atual sistema tributário brasileiro já apresentava
Em que pese todo o júbilo em torno da
aprovação da Emenda Constitucional 132, que promove diversas modificações em
tributos brasileiros, há sólidos motivos para preocupações em relação aos
próximos anos. Primeiro, porque a reforma atinge apenas parte do sistema
tributário nacional. Segundo, porque o texto que lhe deu origem apenas fixou
elementos gerais, cuja operacionalização, por meio de legislação complementar e
ordinária, gerará imensas discussões.
Não se trata de uma reforma tributária, e sim de uma reforma de uma parte do sistema de tributos brasileiro, enfocando os impostos indiretos. Esse foco parcial pode, inclusive, agravar problemas que o atual sistema já apresentava. O maior exemplo é a tributação da folha salarial e as contribuições que a têm como base de incidência. Como o valor adicionado, base do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), é principalmente salário, o novo tributo aumenta o estresse sobre essa linha de incidência, o que é contraproducente tanto para a arrecadação quanto para a geração de empregos.
Adicionalmente, há que admitir que, embora
esteja sendo alardeado como um imposto inovador, o IBS/CBS (IVA brasileiro) é
um tributo que nasce velho, dado que a ampla expansão da automação em todos os
segmentos da atividade econômica implica redução da oferta de empregos. É
necessário atentar para o fato de que a nova economia digital gera negócios de
muito mais complexidade do que a tributação pelo valor agregado. Teremos um
velho IVA, que dificultará a geração de postos de trabalho, sem garantias de uma
dinâmica arrecadatória favorável.
Estes, no entanto, não são os maiores
problemas da implantação de um novo sistema. Há elementos expressivos para
antever turbulências de magnitude. O primeiro aspecto é o rompimento do pacto
federativo que a emenda constitucional nos trouxe. Desde sempre o Brasil mantém
um equilíbrio instável entre o governo federal, dotado de ampla capacidade de
gestão da tributação, e Estados, cujos governadores detêm o comando sobre a
administração de importantes tributos, notadamente o ICMS.
O desenho atual da implementação da CBS, num
primeiro momento, e do IBS (apenas na sequência e lentamente) abre uma imensa
possibilidade de que os governadores tenham de ir a reboque das decisões
federais em torno da CBS. Mesmo com Comitê Gestor e legislação unificada, é
forçoso apontar que a reforma prevê o esvaziamento da capacidade estadual de
comandar suas receitas. Quando isso ficar claro, a tensão em torno da
regulamentação da reforma subirá dramaticamente.
O novo tributo promoverá uma imensa
reorganização dos preços relativos, dado que a arrecadação atual está
condicionada pela administração tributária que, por anos de ajuste das
condições de realização de bens e serviços em mercado, definiu um perfil viável
de incidência e base de cálculo. Agora, as bases de incidência serão
redefinidas e uma alíquota padrão será incidente sobre elas. Os ajustes dos
preços irão gerar grande tensão nas estruturas de mercado.
O problema da alíquota é essencial. Talvez
seja a primeira vez na história que um tributo vira lei sem que se saiba qual
sua alíquota. E não é assim porque isenções e alíquotas preferenciais se
puseram – os 25% antes propalados já tinham virado 27%, mas muitos analistas
sustentam que deva se situar acima de 33%. Ao mesmo tempo, dificilmente os
combustíveis serão mantidos neste patamar, por sua capacidade de geração de
recursos.
O novo sistema insere um imenso risco para o
cálculo das condições de funcionamento da atividade econômica. O empresário não
saberá nem o preço do seu produto nem os preços de insumos até o
estabelecimento das alíquotas de referência. Isso para uma série de anos.
Análises de crédito para empresas encontrarão a dificuldade de precificar
compras e vendas da empresa no período em que a alíquota do tributo será
definida anualmente. O mesmo para a avaliação de operações vinculadas a
recebíveis ou debêntures.
Todo o processo de construção da emenda foi
caracterizado por jogar para a União os grandes encargos da mudança tributária.
Os incentivos concedidos pelos Estados viraram um fundo alimentado pelo
Executivo federal, sem limite financeiro, por exemplo. Tendo em conta que a
legislação complementar enfrentará situações de elevado conflito, a manutenção
do mesmo perfil de solução (jogar para a União) poderá produzir uma situação
fiscal insustentável para o governo federal.
Por fim, não há como deixar de apontar que a
tramitação da reforma, ao contrário do que muitos dizem, não foi uma vitória da
democracia. O processo legislativo foi atropelado e isso só pode resultar em
novos lances da disputa tributária. Um ponto exprime muito bem a insólita
condução do projeto. O saneamento foi retirado do rol de setores com tributação
específica, ao que parece, por uma questão de natureza regional. Ou seja, o
atropelo deu lugar a uma decisão que prejudica todo o País, notadamente os mais
pobres.
*Economista
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