quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Vinicius Torres Freire - Dinheiro largado no chão do governo

Folha de S. Paulo

Revisão de gasto é necessária para que país seja mais justo e eficiente, não apenas o governo

O governo antecipou o pagamento de R$ 30,1 bilhões em precatórios deste ano. Rendeu economia de R$ 2 bilhões em juros etc. contou a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) a este jornalista. Não precisou bulir com ninguém, não cortou serviço ou benefício. Achou uma nota de R$ 100 no chão. Há outras por aí.

É muito dinheiro, R$ 2 bilhões. Faltam coisas tão elementares como ultrassom e remédio em hospital público, carteiras e material de limpeza em escolas etc.

É pouco dinheiro. Equivale a 0,1% do total da despesa federal em 2023, que foi de R$ 2,1 trilhões.

É dinheiro bem gasto? É pergunta necessária, claro, para qualquer item da despesa.

É preciso, possível ou recomendável cortar todos os ganhos obtidos com revisão de gastos e programas do governo? Não. Por exemplo, afora milagres, jamais será possível fazê-lo nas despesas com saúde pública, em que a necessidade é feia.

Essas perguntas simples sugerem o tamanho do problema a resolver. Começou, pelo menos, com a criação da Secretaria de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas, por Tebet.

O trabalho irá mais longe se transformado em prioridade obsessiva, se tema da conversa pública do presidente e do país, se houver metas (para revisar programas, não de dinheiro a poupar).

Tebet diz que o governo vai analisar o gasto de R$ 87 bilhões com precatórios neste ano. Por exemplo, vai tentar descobrir o que são causas (honestamente) perdidas para o governo. Em vez de não pagar e deixar o caso ir à Justiça, paga o que deve logo. Economiza recursos administrativos e para de infernizar o cidadão. Pode poupar mais dinheiro em juros e correção.

A ministra citou ganho de algo entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões com uma mera checagem da lista de beneficiários do Bolsa Família e com a mudança do método de concessão de auxílio-doença do INSS.

Os benefícios pagos pelo INSS equivalem a quase 47% da despesa do governo federal, mais de 9% do PIB. São aposentadorias (uns 63% da despesa do INSS), pensões (20%), benefícios assistenciais (quase 11%, basicamente, BPC, para idosos e pessoas com deficiência muito pobres) e auxílios.

Tebet diz que o governo vai estudar despesas com BPC e auxílios (doença, acidente, incapacidade permanente). Pode economizar algum. Mais gente de algum modo necessitada (de benefício social, saúde, escola etc.) poderia ter acesso a direitos.

Tebet diz que vai estudar o seguro-defeso. É uma espécie de seguro-desemprego para pescadores em época de proibição de pesca, que custou cerca de R$ 4,4 bilhões em 2023 e talvez necessite de apenas um quarto disso.

O abono salarial levou mais de R$ 25 bilhões em 2023. Tem quem precise mais desse dinheiro?

De passagem: o Bolsa Família leva 12,8% do gasto federal total, R$ 169 bilhões. O total do investimento federal em obras, equipamentos etc. não passou de R$ 60 bilhões em 2023.

Mais importante, verificar se programas são meritórios e se o dinheiro é bem gasto é um assunto de justiça social e de eficiência geral do país. Cobrar imposto, que sempre causa alguma distorção econômica, para jogar dinheiro pela janela, em especial na dos ricos, é um problema sistêmico.

Quanto se gasta em salários acima do teto dos servidores públicos e em penduricalhos de Judiciário e Ministério Público? No Congresso? Não há ainda um plano geral, com metas e prazos, para automatização do serviço público —a despesa com salários, aposentadorias, pensões e benefícios é de 18,7% do total federal. No longo prazo, quanto se poupa em vidas, sofrimento e dinheiro com um plano amplo de saúde preventiva?

Não se vai resolver o déficit com essas economias necessárias. Mas o país vai se tornar mais eficiente e justo.

 

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