O valor do nosso cinema
Correio Braziliense
Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade
Com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, concorre ao Oscar de 2025 em três categorias: melhor filme internacional, melhor atriz e melhor filme. Não foram surpresas as indicações para as duas primeiras categorias. Porém, a disputa pela condição de melhor filme é um enorme salto para o nosso cinema, pois trata-se de uma equiparação às melhores produções cinematográficas entre milhares dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e do Canadá.
É um feito histórico que projeta o nosso cinema a um novo patamar, seja de qualidade, seja de audiência, o que nos fará muito bem do ponto de vista da autoestima dos brasileiros, da valorização de nossa identidade cultural e, sobretudo, da importância da democracia para o nosso país. No topo da premiação de maior prestígio nos Estados Unidos, o longa-metragem é uma contundente denúncia política, em forma de drama de família, numa conjuntura muito especial tanto para nós quanto para a sociedade norte-americana.
Ainda estou aqui retrata a vida da família do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, sequestrado e assassinado no quartel da Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de Janeiro, em 1971. Mais de 50 anos depois, a história resgata um passado sombrio, o regime militar instalado após o golpe que destituiu o presidente João Goulart, em 1964. Entretanto, faz isso com enorme sensibilidade e de forma nem um pouco panfletária. É pura dramaturgia.
Sucesso de bilheteria e faturamento, ao contrário de outras obras do gênero que também retratam os anos de chumbo, o filme dirigido por Walter Salles é emocionalmente denso e contido, embora muito forte do ponto de vista político. Ainda estou aqui é inspirado no livro, lançado em 2015, de Marcelo Rubens Paiva, escritor, dramaturgo e jornalista paulista, filho do ex-deputado federal do PTB cassado durante a ditadura militar.
Na categoria de melhor filme, a indicação já é uma enorme conquista. Concorrem ao prêmio as maiores indústrias do cinema de Hollywood, como A24, Netflix, Amazon, Mubi, Universal e outras. O fato de Ainda estou aqui ter sido indicado nessa categoria, porém, aumenta a chance de levar a estatueta de melhor filme internacional, uma disputa dura com o francês Emilia Pérez, de Jacques Audiard, que também concorre na categoria principal.
As maiores oponentes de Fernanda Torres na disputa pela estatueta de melhor atriz serão Demi Moore, que também levou o Globo de Ouro de Melhor Atriz, na categoria Musical/Comédia, por Substância, e Karla Sofia Gascón, primeira atriz trans a ser indicada ao prêmio.
Por mais que se diga que uma premiação não é o mais importante e que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas norte-americana — The Academy — esteja subordinada aos interesses comerciais, o Oscar é o maior reconhecimento que a indústria cinematográfica oferece à Sétima Arte.
Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade. Os crimes cometidos pelo Estado ditatorial precisam ser relembrados para que nunca mais atentem contra a democracia. A festa verde e amarela tem dia e hora marcados: 2 de março, às 20h (hora Brasília), em pleno domingo de Carnaval.
O Globo
Lula diz não querer reviver tempos dos
‘fiscais do Sarney’, mas não espantaria se seu governo criasse algo parecido
Causa preocupação a tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva de reduzir o preço dos alimentos. Embora até o momento ninguém saiba exatamente o que ela significa — nem mesmo o próprio governo, a julgar pelas declarações desencontradas —, parece evidente que traduz impulsos profundamente equivocados sobre o funcionamento da economia. Não seria a primeira vez que o Brasil cairia na esparrela de acreditar que o governo tem poderes mágicos de conter a inflação intervindo nos mercados. Ao menos se esperava que, depois de anos de hiperinflação e planos econômicos mirabolantes fracassados, tivesse aprendido. Pelo visto, não aprendeu.
Uma das principais cobranças feitas por Lula
na reunião ministerial da última segunda-feira foi por iniciativas para
controlar o preço dos gêneros alimentícios. Foi o mote para surgir todo tipo de
desvario. Na quarta-feira, o ministro da Casa Civil, Rui Costa,
disse que conversaria com ministros “para buscar um conjunto de intervenções
que sinalizem para o barateamento dos alimentos”. Afirmou ainda que o governo
acataria sugestões dos varejistas. Como era de esperar, a declaração assustou.
Até porque, tratando-se de um governo do PT, a tentativa de intervenção soa
verossímil. Costa se apressou a dizer que o termo “intervenções” não
significava intervenção. Em entrevista, sugeriu substituí-lo por “medidas”,
como se a troca de palavras tivesse o condão de dissipar os temores.
Integrantes do Planalto dizem que as
iniciativas ainda não estão decididas. Rechaçam “intervenções” como controle de
preços, subsídios ou taxação de exportações. Costa falou em reduzir impostos
sobre importados, uma ideia razoável. O governo também analisa aumento de
crédito agrícola e assistência a agricultores, além de cogitar mudanças na
regulamentação de cartões de refeição e alimentação, para reduzir taxas
cobradas dos lojistas. Não é questão simples. Há dois anos, Fazenda e Banco
Central se digladiam sobre o tema. Não há mágica: reduzir o custo para alguns
significa que outros pagarão a conta.
A preocupação com o preço dos alimentos não é
descabida. Qualquer brasileiro que vá ao supermercado sabe que os preços têm
subido. O IPCA-15, prévia da inflação oficial, foi de 0,11% em janeiro, acima
da expectativa de queda. Para infortúnio do governo, a inflação dos alimentos
pressionou o resultado. A de serviços está há meses muito acima do patamar
razoável.
Há um consenso entre cientistas políticos:
quando o preço nas gôndolas sobe, a popularidade do governo cai. Isso já é
sentido. De acordo com pesquisa Quaest, 78% dos brasileiros consideraram ter
havido aumento no preço dos alimentos e 65% nas contas de água e luz, patamares
mais altos desde o início do mandato. Quaest e Datafolha já apontam alta na
reprovação de Lula.
O governo acerta no diagnóstico, mas erra no
remédio. É demagógica a tentativa de conter a inflação com intervenções
estatais. O preço dos alimentos tem dinâmica própria, influenciado por oferta e
demanda, clima, safra, cotações internacionais. Derrubá-lo à base da canetada
sempre dá errado. O próprio Lula atrapalha com sua resistência a promover um
ajuste fiscal confiável. E há sempre o risco de o governo repetir erros do
passado, que resultaram nos folclóricos “fiscais do Sarney” do Plano Cruzado.
Lula tem dito que não quer revivê-los, mas não espantaria se criasse algo
parecido.
Venda de carne estragada é um caso que não
pode se repetir
O Globo
Desvio de 800 toneladas afetadas por enchente
e impróprias para consumo expõe falha na vigilância sanitária
É inadmissível que 800 toneladas de carne
estragadas por terem ficado submersas nas enchentes do Rio Grande do
Sul tenham sido vendidas para açougues de todo o país. É uma falha
gravíssima do sistema de vigilância sanitária. Quando o crime foi descoberto, a
polícia só conseguira rastrear o destino de 17 toneladas. Nos últimos dias,
parte dos lotes foi encontrada até no Uruguai. É crucial encontrar o resto da
carga e alertar a população. Entre os riscos para o consumidor está a
possibilidade de contrair leptospirose, doença comumente diagnosticada em quem
tem contato com água contaminada.
O destino do produto, vendido a preço baixo
por seguradoras, era a produção de ração animal ou de graxas. Quem comprou foi
a empresa Tem Di Tudo, de Três Rios (RJ), que revendeu 15 toneladas a uma
distribuidora de Betim (MG) como se fosse carne de boa qualidade. Esta repassou
a mercadoria a um frigorífico de Cachoeirinha (RS). Verificados os lotes,
descobriu-se que faziam parte da carga vendida como imprópria para consumo
humano. De acordo com os policiais, a intenção criminosa ficou evidente, pois a
mercadoria fora maquiada. Os pacotes foram limpos e postos à venda. Os sócios e
o diretor de logística da Tem Di Tudo foram presos, acusados de associação
criminosa, adulteração de produtos e alimentos. Podem também ser denunciados
por lavagem de dinheiro. Calcula-se que, comprando por apenas R$ 0,90 o quilo,
tenham gastado R$ 720 mil e faturado cerca de R$ 5 milhões.
Na operação foram também encontrados
medicamentos e testes para Covid-19 vencidos. A polícia suspeita de um esquema
maior de venda de mercadorias impróprias. No mesmo endereço em Três Rios, há
outras empresas controladas pelos presos. Além da distribuidora de alimentos,
uma loja vende itens para casa e outra peças para iluminação. Uma das empresas
diz atuar no setor de “reciclagem e sustentabilidade”, outra trabalhar com
“gestão e administração de negócios”.
Depois das enchentes de abril do ano passado,
a polícia gaúcha registrou diversos flagrantes de carne imprópria vendida
normalmente. O caso da Tem Di Tudo é o primeiro descoberto noutro estado, em
investigação conjunta das delegacias de defesa do consumidor do Rio de Janeiro
e do Rio Grande do Sul. O crime não é apenas grave em si. Ele pode prejudicar a
imagem do Brasil como exportador de carnes, pois uma falha dessa dimensão põe
em xeque todo o sistema de vigilância sanitária.
Por isso a investigação precisa ser exemplar.
As punições devem fazer com que todo o comércio tome extremo cuidado na venda
de alimentos. Também será necessário que as autoridades sanitárias analisem em
detalhes o crime cometido, para fazer os devidos ajustes no sistema de
vigilância. Um caso tão escandaloso não pode se repetir.
Abuso do sigilo de informações públicas
precisa acabar
Folha de S. Paulo
Governo prepara mudanças na lei que permite
segredo de cem anos; Lula e Bolsonaro distorceram princípio da transparência
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) estuda
propor neste ano modificações
pontuais na Lei de Acesso à Informação, com foco sobretudo no trecho que
permite a autoridades decretar sigilo de até cem anos para informações
pessoais.
Trata-se de promessa de campanha. Em 2022, o
petista criticou, com razão, o abuso desse mecanismo por parte da gestão Jair
Bolsonaro (PL),
que o utilizou de maneira a livrar de escrutínio diversos atos questionáveis ou
suspeitos praticados pelo então presidente e por seus aliados.
Houve, de fato, retrocesso acintoso durante o
governo anterior, quando o manto do segredo revestiu
informações de evidente caráter público —como o processo disciplinar
instaurado contra o general Eduardo
Pazuello e a lista das vezes em que os filhos de Bolsonaro visitaram o
Planalto.
Esses e outros casos envolvendo o círculo do
agora ex-presidente configuraram clara distorção do dispositivo legal, cuja
função é garantir proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem dos
cidadãos em geral. A prerrogativa, no entanto, não deveria beneficiar figuras
públicas que têm contas a prestar à sociedade.
Lula, que empenhou sua palavra em acabar com
essa deturpação, agiu da mesma forma que seu antecessor. Sob direção do
petista, tornaram-se sigilosas, por exemplo, informações relativas à agenda da
primeira-dama e à declaração
de conflito de interesses do ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira.
Agora, na metade do mandato, o governo parece
se mobilizar para bloquear a brecha pela qual passaram esses variados episódios
de desfaçatez e desrespeito a princípios republicanos básicos.
A primeira iniciativa, de setembro de 2024,
foi uma portaria normativa da Controladoria-Geral da União, segundo a qual o
sigilo de uma informação permanecerá por até 15 anos, e não cem, sempre que for
decretada uma restrição de acesso sem indicação expressa quanto ao prazo.
A novidade representa um avanço pequeno e, na
prática, possibilita um retrocesso ao prever a reavaliação ad infinitum da
restrição de acesso ao fim dos 15 anos —em outras palavras, um convite ao
sigilo eterno.
A outra iniciativa é mais importante, por se
tratar de projeto de lei. Segundo se noticia, pretende-se que, no caso dos
cidadãos comuns, o sigilo para informações pessoais esteja limitado a cinco
anos após a morte do indivíduo; no caso de agentes públicos, o acesso aos dados
ocorreria com mais facilidade do que hoje.
O prazo, a bem da verdade, é o de menos; mais
relevante é definir quais informações podem ser enquadradas como de caráter
pessoal e quais devem ser tratadas como públicas, ainda que digam respeito a
indivíduos sem cargo no aparato estatal —como a primeira-dama, por exemplo.
É necessário recuperar a ideia —perdida nos
últimos anos— de que, na administração pública, a transparência deve ser a
regra, e o segredo, a exceção.
O calcanhar de Aquiles do Pé-de-Meia
Folha de S. Paulo
Programa é inovação importante do governo
Lula, mas TCU vê irregularidades; correto seria acomodá-lo logo no Orçamento
Em um governo que priorizou o resgate de
marcas e bandeiras do passado, o programa Pé-de-Meia, que busca
conter a evasão escolar no ensino médio, é raro exemplo de política pública
inovadora e relevante em seus propósitos. A iniciativa, porém, acaba de ter
recursos bloqueados pelo Tribunal de Contas da União, por problemas que já eram
visíveis em seu nascedouro.
A decisão do TCU não diz
respeito ao mérito do Pé-de-Meia. O programa paga bolsas de R$ 200 mensais a
alunos de famílias beneficiárias do Bolsa Família que
frequentem a escola. Também institui para eles uma poupança, com depósitos
anuais de R$ 1.000, cujo valor poderá ser sacado ao final do ensino médio.
Tal modelo é defendido por especialistas do
setor a partir de experiências locais e internacionais. Foi incorporado ao
programa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em 2022,
como uma das condições para o apoio de Simone Tebet (MDB), hoje ministra
do Planejamento. Para viabilizá-lo, aprovou-se projeto apresentado em 2021 pela
deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
A boa recepção levou a administração petista
a fazer do programa sua principal vitrine na educação. Mais
recentemente, o Planalto adaptou a ideia para estimular com bolsas professores
dispostos a lecionar em áreas remotas e estudantes dispostos a cursar
licenciaturas.
O calcanhar de Aquiles do Pé-de-Meia, desde o
início, foi seu financiamento. Depois de ter promovido uma expansão exorbitante
do gasto público mesmo antes de tomar posse, o governo Lula criou um intricado
mecanismo para o pagamento das bolsas, valendo-se de fundos de natureza
jurídica privada —dessa forma, os desembolsos não transitam pelo Orçamento
federal.
Foi por esse motivo que o TCU, atendendo
recomendação da área técnica, bloqueou
nesta semana R$ 6 bilhões reservados ao programa, o que ameaça
prematuramente sua continuidade.
Se não conseguir reverter a medida do
tribunal, o Executivo terá de incluir desde já o Pé-de-Meia no Orçamento, o que
prometia fazer só em 2026, e submetê-lo aos limites da despesa pública
—provavelmente com cortes de verbas para outras ações de governo.
Isso é o correto a ser feito, tenha o TCU
extrapolado ou não suas atribuições. Trata-se de uma política de caráter
continuado, cuja execução deve se dar com transparência e estar sujeita ao
escrutínio da sociedade. Para ter sua sustentabilidade garantida, ademais,
precisa caber nas contas do Tesouro Nacional, sem
manobras de contabilidade.
Lula, Tarcísio e o palavrório climático
O Estado de S. Paulo
Governador paulista cria um centro de gestão
de risco de desastres e um conselho para monitorar a estratégia climática. Lula
deveria seguir o exemplo e tirar do papel a Autoridade Climática
O governador Tarcísio de Freitas anunciou uma
bem-vinda novidade para quem acredita que enfrentar a mudança do clima requer
mais do que palavrório e promessas: a criação de um novo centro de gestão de
risco de desastres, o Centro Paulista de Radares e Alertas Meteorológicos
(CePRAM), e do Conselho Estadual de Mudanças Climáticas. O Centro receberá
informações dos sete radares meteorológicos do Estado, permitindo a integração
dos equipamentos e a centralização dos dados, que serão analisados por uma equipe
de meteorologistas, hidrólogos e geólogos. O CePRAM ficará subordinado ao
Centro de Gerenciamento de Emergências da Defesa Civil. Já o Conselho Estadual
de Mudanças Climáticas vai monitorar, de maneira consultiva, a implementação de
políticas na área, atuando junto ao Comitê Gestor de Política Estadual de
Mudanças Climáticas. Seus integrantes terão mandato de dois anos.
Se bem implementadas, as iniciativas
significam uma adequada resposta dupla ao que cientistas chamam de “novo
clima”, isto é, ondas de calor que se combinam a chuvas muito intensas,
produzindo extremos climáticos cada vez mais frequentes. Foi o que se viu nos
últimos anos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Santa Catarina, Minas e
Rio de Janeiro. Os paulistas conviveram em 2024 com seca extrema e uma onda de
incêndios que atingiram dezenas de municípios do interior. Os melhores esforços
internacionais apostam na conjugação de ciência e tecnologia, e entre alertas e
mitigação de riscos com implementação de medidas de prevenção e adaptação às
mudanças climáticas. É no que, acertadamente, o governo de São Paulo parece
apostar.
Por sua experiência, o governador sabe a
importância dessas duas frentes. Sabe também que não basta mais dinheiro para
reagir a um desastre, é preciso que gestores públicos tenham capacidade de
estruturar e apresentar projetos aptos a receberem os recursos. Recorde-se que,
em 2019, o Ministério da Infraestrutura, à época comandado por Tarcísio,
trabalhou num acordo de cooperação com uma agência de fomento alemã para
credenciar obras a um protocolo de adaptação a mudanças climáticas. Também não
basta fazer planos, é preciso implementar as ações previstas nos planos e ter
capacidade de atualizá-las em tempo hábil e com eficácia. É o tipo da obviedade
que infelizmente precisa ser reafirmada no Brasil.
As iniciativas do governo paulista deveriam
servir de exemplo para o governo do presidente Lula da Silva. O Brasil fechou
2024 podendo comemorar dois anos de quedas no desmatamento e o anúncio de um
novo compromisso de redução de emissões de gases de efeito estufa. Lula pôde
reafirmar seu desejo delirante de ser o líder global no G-20, mas internamente
2024 chegou ao fim com a marca de 30,9 milhões de hectares consumidos pelas
queimadas, com 278 mil incêndios na mata, um aumento de 46% em relação a 2023 e
o pior resultado desde 2007, além de uma incômoda hibernação da promessa de
criação de uma Autoridade Climática. Ideia apresentada na campanha
presidencial, a Autoridade deveria monitorar e supervisionar as ações relativas
às políticas e metas na área, além de gerenciar o combate e a prevenção aos
desastres climáticos.
“Se Deus quiser, em breve”, disse, em abril
de 2023, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao ser
questionada quando o governo retiraria a ideia do papel. Pelo visto Deus não
quis, premido pela disposição da Casa Civil do ministro Rui Costa de deixar o
projeto guardado em suas gavetas. Fala-se abertamente em divergência de modelo
e disputa de quem abrigará o novo órgão, se o Ministério do Meio Ambiente ou a
Presidência – ou nenhum deles. É um bom debate, que exige decisão, e não postergação,
do presidente Lula. Enquanto isso, quando está diante de plateias
internacionais, o demiurgo petista demonstra ter plena convicção de que é um
herói da floresta e o salvador do planeta. No plano doméstico, contudo, sua
hesitação deixa revelar a pouca intimidade com que sempre tratou as questões
ambientais.
Quem sabe os movimentos de Tarcísio –
frequentemente citado como possível candidato em 2026 – estimulem Lula a agir e
perceber que, em se tratando de desastres climáticos, ações são
incomparavelmente mais úteis do que palavras e simbolismos.
Prefeitura desafia a lei da oferta e da
procura
O Estado de S. Paulo
Cruzada contra os mototáxis em São Paulo será
inútil, pois se há oferta é porque há demanda por transporte não atendida por
outros modais. É com isso que o prefeito deveria se preocupar
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
está em uma cruzada contra as empresas de aplicativos de transporte 99 e Uber,
que recentemente passaram a oferecer mototáxis na capital paulista. As
empresas, por sua vez, também têm travado uma batalha judicial contra a
Prefeitura para manter a oferta do serviço. Elas alegam estar amparadas pela
legislação e até por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de
repercussão geral. Imbróglio jurídico à parte, uma coisa é certa: se há oferta
de mototáxis é porque há demanda por transporte não atendida por outros modais.
É com isso que o prefeito deveria estar preocupado.
Nunes aduz razões de segurança para tentar
impedir a circulação dos mototáxis, inclusive empregando termos duros para se
referir às empresas, as quais ele acusa de promoverem uma “carnificina” na
cidade de São Paulo. Ora, se a segurança no trânsito é realmente a principal
preocupação do prefeito, seu governo deveria estar muito mais empenhado em
conter as barbaridades que motociclistas praticam no dia a dia da maior cidade
do País desde muito antes de a 99 e a Uber começarem a oferecer o transporte de
passageiros sobre duas rodas.
Não há paulistano que saia às ruas hoje e não
testemunhe motociclistas dispostos a matar ou morrer em cada cruzamento da
cidade para economizar tempo ou até mesmo por diversão. É corriqueiro o
desrespeito aos semáforos, aos limites de velocidade e às ciclovias,
transformadas, na prática, em “vias expressas” para as motos, entre outras
infrações de trânsito. E essa bandalheira urbana se instalou em São Paulo,
obviamente, sem que uma sombra de fiscalização municipal ameace a audácia dos
motociclistas irresponsáveis, que dirá repreendê-los.
Mas concedamos o benefício da dúvida e
admitamos que o prefeito esteja realmente preocupado com a segurança no
trânsito e o bem-estar dos munícipes. De fato, andar de moto é sabidamente mais
perigoso do que de carro. Em uma metrópole como a capital paulista, esse perigo
é drasticamente aumentado. Se é este o caso, então, ao invés de reprimir as
empresas 99 e Uber, Nunes deveria entender por que tantos paulistanos procuram
o serviço de mototáxi, que, como é notório, sempre foi oferecido de forma
clandestina na cidade, particularmente nas periferias. Parece evidente para
qualquer pessoa de bom senso que isso ocorre em razão da falta de cobertura de
transporte por outros modais em áreas muito distantes do centro.
Em geral, as pessoas utilizam mototáxi para
percorrer pequenas distâncias, como, por exemplo, o trajeto entre o último
ponto de ônibus ou estação de trem ou metrô e suas casas. Esse serviço, como
foi dito, já é oferecido rotineiramente a milhares de paulistanos todos os
dias, à margem da lei. Afinal, os cidadãos precisam se locomover. Se a
Prefeitura e o governo do Estado não atendem a essa demanda com qualidade e
eficiência por meio de seus ônibus, trens e metrô, alguém haveria de fazê-lo.
Das duas, uma: ou o poder público melhora a oferta do serviço de transporte sob
sua gestão, fazendo chegá-lo a todos os que precisam – e, assim, reduzindo
sensivelmente a demanda por mototáxis –, ou essa modalidade de locomoção
continuará tendo procura, devendo apenas ser regulamentada e fiscalizada em
nome da segurança de todos.
A segurança no trânsito, sem dúvida, tem de
ser levada a sério pela Prefeitura. No entanto, ao demonizar as empresas que
oferecem mototáxis, Nunes olha exclusivamente para uma parte do problema, sem
considerar as causas estruturais que geram a demanda por esse tipo de
transporte. Não é esperado que o prefeito da maior cidade do Brasil cometa um
erro tão crasso de diagnóstico. A responsabilidade do poder público é garantir
que todos os cidadãos tenham acesso a um transporte digno e seguro, e não
apenas combater as alternativas que surgem de forma espontânea na iniciativa
privada para suprir lacunas de um sistema que, como está claro, não atende às
necessidades da população.
O sonegador agradece
O Estado de S. Paulo
Revogação de monitoramento do Pix só
beneficia um grupo: o crime organizado
Após forte ruído nas redes sociais, o governo
Lula se acovardou e optou por revogar instrução normativa da Receita Federal
que ampliava o monitoramento de transações via Pix superiores a R$ 5 mil
mensais (para pessoas físicas) e R$ 15 mil (para jurídicas) a fintechs e
plataformas de pagamento, como, aliás, já ocorre com os chamados bancos
tradicionais.
Com isso, perdeu-se uma oportunidade de
atualizar uma regra que já existia antes mesmo da adoção exitosa do Pix, quando
transações financeiras eram feitas por meio do hoje descontinuado DOC.
“Corre-se o risco de abrir uma fresta em todo o sistema, por exemplo, de
controle de lavagem de dinheiro, de fraude”, afirmou Gustavo Loyola,
ex-presidente do Banco Central, à revista Capital Aberto.
Loyola não é voz isolada. Em publicação
recente, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil (Unafisco) também alertou que, com o recuo do governo, se compromete o
combate ao crime organizado, uma vez que os dados de fintechs e plataformas de
pagamentos, algumas das quais empresas de fachada a serviço de bandidos de alta
periculosidade, ficarão de fora da base de dados da Receita.
É fundamental ressaltar que a maioria das
fintechs é séria, tem no Pix um importante aliado na inclusão bancária de
milhões de brasileiros, cumpre regras e coopera com os órgãos governamentais
para que o sistema financeiro seja cada vez mais transparente e seguro.
Contudo, também há fortes indícios de que
organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) utilizavam fintechs que
teriam movimentado bilhões de reais de origem suspeita. Esses dublês de “bancos
digitais” dariam aos seus clientes delinquentes uma blindagem contra, por
exemplo, bloqueios judiciais.
Investigadores e economistas ouvidos
pelo Estadão afirmaram, em novembro passado, que a profusão de casos
de fraudes envolvendo fintechs demonstra a necessidade de atualização do
ambiente regulatório no qual elas operam. A instrução da Receita, infelizmente
revogada, era um importante passo nessa direção.
Atente-se ainda para o fato de que o Brasil é
signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e Lavagem de
Dinheiro. Ao revogar uma medida que ampliava o escopo de combate à sonegação, o
País corre o risco de ter sua seriedade na luta contra o crime manchada
internacionalmente, algo extremamente contraproducente porque a
transnacionalização das organizações criminosas exige cooperação cada vez maior
com parceiros externos.
Incapaz de explicar à população que a
instrução era importante no combate à sonegação, e que exatamente por isso
apenas sonegadores precisariam se preocupar com seus atos ilícitos, o governo,
politicamente fraco, preferiu cancelar uma medida absolutamente correta.
Inovação brasileira que é motivo de orgulho
nacional, além de interesse internacional, o Pix bate sucessivos recordes no
País ano após ano. Apenas em 2024, o volume de transações foi de mais de R$ 26
trilhões, praticamente 2,5 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) de 2023. Quanto
mais abrangentes e transparentes forem as regras de monitoramento do Pix,
melhor para todos os brasileiros, com exceção dos criminosos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário