sábado, 25 de janeiro de 2025

Uma galinha fazendo-se passar por águia - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Nosso potencial é enorme, mas tudo faz crer que permaneceremos aprisionados na ‘armadilha do baixo crescimento’

Os resultados econômicos razoáveis de 20232024 trouxeram algum alívio aos corações brasileiros. Mas tais resultados não significam que 2025 será um mar de rosas, e muito menos que tenhamos cruzado o umbral do crescimento sustentável. Tampouco devemos nos encher de orgulho quando alguém nos lembra de que somos a “oitava economia do mundo”, visto que nossa oitava posição apenas reflete o fato de sermos 210 milhões de brasileiros.

Examinado pelo prisma da distribuição da riqueza e da renda, o quadro fica bastante pior. Dezenas de países (e não só a Escandinávia) têm uma distribuição menos desigual que a nossa. Mas um só exemplo basta para não confundirmos o desengonçado bater de asas de uma galinha com o majestoso voo de uma águia. A Argentina mantém-se superior a nós tanto no tocante ao volume da produção de bens e serviços, o Produto Interno Bruto (PIB), como em relação à renda per capita, não obstante o fato de nossos irmãos do sul serem o caso clássico de um país que conseguiu se alçar aos píncaros do desenvolvimento até as primeiras décadas do século 20 e depois despencou de volta ao reles chão do subdesenvolvimento.

Em tese, devemos convir que o Brasil não é um país difícil de governar. Nossas diferenças étnicas (basicamente entre brancos e pretos) não são virulentas como as dos Estados Unidos, embora seja certo que, entre nós, os pretos permaneçam sub-remunerados pelo exercício de uma mesma ocupação e sejam proporcionalmente mais vulneráveis à violência policial. Noutros aspectos, nosso potencial de desenvolvimento é enorme, mas, por ora, tudo faz crer que permaneceremos aprisionados na “armadilha do baixo crescimento” por muito mais tempo que nossos vizinhos latino-americanos. Se a eleição presidencial de 2026 repetir a estúpida polarização iniciada em 2018, o Brasil que veremos não será para almas frágeis.

Peço vênia para lembrar alguns exemplos do horror que são as nossas desigualdades. Um importante especialista, o professor José Pastore, estima que as empresas precisam contratar cerca de 500 mil trabalhadores, mas não conseguem fazê-lo porque o nível de capacitação da força de trabalho é lamentável. Sabemos também que milhões de cidadãos não têm como saber hoje como irão se alimentar amanhã. A questão que se impõe é, obviamente, por que isso acontece.

É claro que não existe uma causa única. Trata-se de um conjunto de fatores. O primeiro que vem à mente é a corrupção – seja a corrupção nua e crua, seja aquela acobertada por diplomas legais. Sobre essa última, este jornal informou no dia 16 do corrente mês que 97% dos magistrados que integram o Tribunal de Justiça de Minas Gerais auferem salários escandalosamente superiores ao limite máximo que a Constituição prescreve. E nem é preciso lembrar que nossa burocracia pública deixou-se corroer até a medula por grupos corporativos, que nela insculpiram toda uma variedade de privilégios. Por que isso acontece?

Ninguém ignora que as estruturas econômica e política são como irmãs siamesas. Na esfera econômica, mantemos até hoje a ilusão, originária da ditadura getulista, de uma industrialização acelerada e movida apenas por empresas estatais e recursos públicos. Mas que recursos são esses, se passamos vários meses presenciando o contorcionismo do (sério) ministro Fernando Haddad para fechar o Orçamento de 2025?

No que me toca, prefiro lembrar a máxima atribuída ao general Charles de Gaulle: “D’abord, la politique”. Ou seja, primeiro, a política. Dia sim e dia não ouvimos que nossa estrutura política é robusta e está funcionando. Funcionando os Três Poderes estão, sem dúvida, mas só a parcela semianalfabeta de nossa sociedade pode imaginar que eles estão funcionando de forma independente e harmônica, como a Constituição determina. Partidos políticos sérios e confiáveis, nunca tivemos, não temos e não é certo que venhamos um dia a ter, daí decorrendo grande parte da balbúrdia que de tempos em tempos se manifesta no Legislativo. Nossas camadas médias, além de exíguas, são apáticas; não se interessam sequer por conhecer seus próprios interesses. O que as norteia, obviamente com numerosas exceções, é bater o ponto de saída e correr para casa para não perder a novela.

Dizendo-o concisamente, o problema ou um dos problemas fundamentais é o grau espantoso de nossa ignorância política. A esse respeito, parece-me essencial recorrer a uma estatística divulgada poucas semanas atrás pelo renomado jornalista e escritor Ruy Castro. Baseando-se em mais de 5 mil entrevistas feitas em todas as regiões do País, ele informa que 73% dos brasileiros adultos não concluíram a leitura de um livro sequer durante o ano passado. Sem leitura, como poderão os cidadãos aprimorar sua compreensão da política?

Àqueles 73%, permito-me, pois, sugerir a leitura de uma das mais belas reflexões sobre a política. Escrita mais de 400 anos antes de Cristo, a Antígona, de Sófocles, na maravilhosa tradução de Guilherme de Almeida. É um cristalino elogio do comedimento. E são apenas 48 páginas.

 

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