sábado, 25 de janeiro de 2025

Não basta defender a democracia - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O próprio conceito está sob forte disputa

O retorno de Trump à Casa Branca, por meio do voto, deixou claro que o discurso de defesa da democracia não foi suficiente para afastá-lo do poder. Ainda que mais de dois terços dos eleitores norte-americanos manifestem temor pelo destino da mais antiga democracia do mundo, isso não impediu a eleição de um candidato abertamente hostil às instituições democráticas. Mais do que isso, os eleitores sequer tiveram a precaução de eleger uma maioria parlamentar capaz de impor certos limites ao novo/velho presidente.

Como explicar esse aparente paradoxo ou, ao menos, essa falta de cautela por parte da maioria dos eleitores?

Uma explicação, que vem sendo sustentada por diversos analistas, é que o próprio conceito de democracia está sob forte disputa. Enquanto para o campo liberal a democracia é uma forma de governo em que o exercício do poder pela maioria só será legítimo quando balizado pela constituição e em conformidade com os direitos humanos, inclusive direitos de minorias, para populistas muitos desses direitos e balizas constitucionais são descritos como obstáculos espúrios à plena realização da vontade do povo, devendo, portanto, ser abandonados.

O ressentimento ou a frustração de muitos eleitores com os rumos tomados pelas democracias liberais, especialmente com o modo como as elites manipulam o sistema a seu favor, têm favorecido o surgimento de líderes populistas que prometem acabar com tudo isso. Nesse sentido, populistas se apresentam não apenas como os autênticos interpretes da vontade do povo, mas como os únicos dispostos a desatar as amarras que contêm o poder dos cidadãos.

Portanto, para aqueles que estão furiosos com o desempenho das democracias liberais, não há nenhuma contradição entre ter compromisso com a democracia e escolher candidatos hostis às instituições da democracia constitucional.

Neste contexto, dois são os desafios dos que se encontram no campo da democracia liberal ou constitucional. O primeiro é tornar essas democracias mais efetivas. Temas como prosperidade, integridade e segurança, capturados pelos populistas, têm que ser melhor resolvidos. Mais do que isso, a inclusão, tema tradicionalmente central aos progressistas, não pode ser uma ilusão. A luta pela afirmação das identidades, essencial para enfrentar a injustiça e discriminações históricas, não pode estar descolada para a questão de classe. A defesa mais efetiva da democracia passa pela capacidade das democracias existentes de promover bem-estar.

O segundo desafio é demonstrar que governos populistas, que desprezam os mecanismos de controle, os freios e contrapesos, o princípio da legalidade e os direitos dos mais fracos, são ruins para o desenvolvimento econômico e social. Além do que são o caminho mais curto para a corrupção, o fortalecimento das oligarquias, o desrespeito e o desdém com os infortúnios dos menos favorecidos. Mesmo em temas como a segurança, o chamado populismo penal tem se demonstrado um fracasso. O Brasil, onde esse discurso tem triunfado ao longo de décadas, é exemplo desse retumbante fracasso.

Para sair das cordas, a democracia liberal ou a combalida social democracia, precisam se reencontrar com os anseios das pessoas comuns e renovar sua caixa de ferramentas. Mais fácil dizer do que fazer. Mas o custo de não tentar será alto.

 

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