Valor Econômico
Retaliações americanas mostram como o nosso sistema financeiro está vulnerável à ordem monetária global centrada no dólar
A queda dos preços das ações dos bancos na
semana passada, devido aos riscos de uma escalada das retaliações do presidente
Trump ao Brasil, mostra como o nosso sistema financeiro está vulnerável à ordem
monetária global centrada no dólar.
Não é só o Brasil - outros parceiros
comerciais dos americanos no Ocidente, que dividem valores comuns como a
democracia, estão preocupados com o excesso de dependência dos Estados Unidos.
Isso inclui, por exemplo, a localização física das reservas internacionais em
ouro, que se concentram em Nova York, e dos data centers, onde estão
armazenadas e são processadas informações financeiras valiosas.
Na sexta-feira, o jornal “Financial Times” noticiou que as autoridades europeias querem acelerar a implantação da moeda digital do Banco Central Europeu (BCE). A preocupação: a lei aprovada em julho nos Estados Unidos que regulamenta as chamadas “stablecoins”, que são criptomoedas com valor fixo em relação ao dólar, deverá ampliar ainda mais a preponderância da moeda americana no sistema financeiro mundial.
E o Brasil, como fica nesta história?
Tornam-se mais importantes os projetos que já estão sendo tocados pelo Banco
Central para ampliar o uso de moedas digitais. Isso inclui a ampliação das
funcionalidades do Pix, que passou a ser alvo de ataque dos americanos; o
desenvolvimento do projeto que vai permitir que a tecnologia de “blockchain”
seja usada no sistema financeiro, usando o próprio Pix ou o Drex, a moeda
digital que o BC estuda lançar; e o desenvolvimento do Pix internacional, que
permitirá fazer pagamentos e transferências para outros países sem passar pelo
dólar.
São projetos tocados há anos pelo Banco
Central, não com objetivos de interesse nacional, e sim dentro de uma agenda
para ampliar a eficiência e o acesso da população ao sistema financeiro. Mas,
diante das investidas de Trump sobre o Brasil, tudo ficou embaralhado.
Há duas ameaças à soberania nacional. Na
semana passada, a bolsa caiu, o câmbio se desvalorizou e os juros dos contratos
DI subiram porque os mercados temem que Trump utilize o dólar como arma numa
disputa política contra o Brasil, dentro de um sistema de pesos e contrapesos
que tem falhado para conter decisões arbitrárias. O outro problema é o ataque
direto ao Pix dentro do Relatório 301 do governo dos Estados Unidos, que
monitora práticas comerciais supostamente desleais. E também as ameaças de
Trump aos arranjos de pagamentos internacionais que passam às margens do dólar,
como o que está sendo negociado pelos países integrantes do Brics.
O Brasil - e o resto do mundo - também fica
mais vulnerável ao novo sistema de “stablecoins” criado pelos Estados Unidos,
por meio do chamado Genius Act. Os relatos da imprensa americana são de que ele
nasceu fruto dos lobbies de empresas de criptoativos que financiaram a campanha
eleitoral de Trump.
O sistema vai permitir que sejam criadas
stablecoins privadas, desde que haja como lastro recursos investidos em títulos
do Tesouro americano ou fundos de curto prazo. É provável que cada moeda tenha
um valor diferente, dependendo do emissor e das garantias. Com isso, vai faltar
um atributo importante a essa moeda - a singularidade - que, em relatório
recente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) define
como um valor único da moeda, seja sob qualquer forma que assuma.
Também vai faltar o que o BIS chama de
elasticidade, que é a capacidade de expandir o volume de dinheiro nas crises de
liquidez. Hoje, essa tarefa é desempenhada pelos bancos centrais nas moedas que
eles emitem, fazendo empréstimos aos bancos com boas garantias.
Está se voltando um pouco ao sistema que
havia nos Estados Unidos no século XIX, em que os bancos privados eram
licenciados por governos estaduais e emitiam as suas próprias moedas. Causou
tanta crise que foi abandonado.
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) conseguiu conter os danos, emplacando no Genius Act um dispositivo
que impede que essas stablecoins paguem juros. Se pagassem, essas stablecoins
iriam sugar o dinheiro do sistema financeiro tradicional.
Qual é a ameaça para o Brasil? As chances de
o sistema de “stablecoins” - ou produtos financeiros dele derivados -
substituírem os meios de pagamento dentro do país são muito pequenas, porque o
Pix está amplamente disseminado e funciona como uma trincheira de proteção. Mas
vai depender da capacidade de o Brasil ampliar os usos do Pix - ou do Drex -
permitindo que ofereça outras funcionalidades de moedas digitais, como os
contratos inteligentes.
A entrada mais provável das stablecoins será
nos pagamentos transfronteiriços. Apesar de todas as reformas cambiais feitas
pelo Brasil nas últimas décadas, mandar e receber dinheiro do exterior é caro e
difícil. As criptomoedas e stablecoins já estão ocupando parte desse mercado.
O Pix internacional pode, em tese, competir
com as stablecoins, mas tem uma desvantagem competitiva porque não tem todos os
atributos de uma blockchain nos mercados internacionais. Muitos defendem que, a
exemplo da Europa, o Brasil priorize o Drex, mas ela não teria o alcance de uma
moeda de reserva.
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