Discutir os desafios da
nossa democracia, destacando que a falta de política programática pode
aprofundar o declínio gradual de partidos e governos. Isso é demonstrado aqui e
alhures pela falta de programas e projetos, estratégias econômicas inadequadas e
a ausência de uma coordenação política que contemple a frente democrática
vitoriosa.
Esse fator advém da ausência
de leitura correta do último processo eleitoral. Resultados eleitorais não
devem ser lidos como válvulas de escape, aos quais não se deve gerar
concorrência, mas quiçá sejam capazes de prevenir a boa governança. Nos
períodos eleitorais, vemos nascer ciclos de esperança e desilusão, que dão voz
a um nós coletivo. Esse processo deixa claro o caráter fluido da democracia,
sempre mutável.
A ausência de política, muitas vezes confundida com falha de comunicação, atrai os spins doctors – profissionais que moldam narrativas (campo da ficção) para influenciar a opinião pública. Confrontar esses profissionais e os especialistas em Big Data requer um forte compromisso com a democracia e a república na ação política.
Diante dessas realidades, um
partido progressista nunca deve desistir da educação política de seu povo,
assim como, não deveria ser um exemplo do bovarismo. Algo que poderia ser
mitigado e evitado, se seus intelectuais fundadores como, por exemplo, Sérgio
Buarque de Holanda e Florestan Fernandes fossem lidos à luz do que tem sido a
nossa história.
A necessidade que temos hoje
de uma ação política orientada pelos preceitos democráticos e republicanos, vão
de encontro a crise de representatividade política e da política, ocasionada
pela ineficácia partidária em lidar com três grandes mudanças, a saber: a
globalização e sua conexão nacional; a transição no modo de produção; e, o
fato, da modernidade ter também se modificado, a ponto de ter se tornado
hipermoderna.
Tais transformações podem
causar um mal-estar coletivo, emocional, intelectual e moral, frutos da
fragmentação e individualização, resultantes de um mundo acelerado. Vemos
gerações inteiras sem uma bússola histórica, estes acabam “suspensos”, em meio
ao processo histórico.
Nossa saída possível é
apostarmos na política democrática. Somente essa, é capaz de regulamentar as
diferentes esferas que entrecortam a vida. Dentre as ações necessárias é
preciso integrarmo-nos planetariamente. O que só será possível se dialogarmos
com o mundo que nos trouxe até aqui, buscando esvaziar a brutalidade em seu
seio.
A ausência de liderança para
mediar a busca por consenso paralisa o progresso democrático. Quanto mais
complexa a sociedade, maior a pressão sobre a democracia.
Soma-se a isso a ausência de
programas e projetos que inviabilizam a previsibilidade e avaliação permanente
por parte da gestão da vida pública. O que acarreta o aumento da distância
entre governantes e governados, em tudo estranha ao espírito democrático. Em
contrapartida, o populismo se difunde por conta de suas rarefeitas soluções
mágicas, gerando uma visão torpe plebiscitária da democracia que favorece os
torcedores de partido, em detrimento da qualidade política dos eleitores.
A ascensão dos populistas no
século XXI é alimentada pelas dificuldades em atender às expectativas sociais
infladas e ausentes de fundamento material. Efeitos das 3 revoluções indicadas,
que desestabilizam a ordem social e que servem para a simplificação errática
dos populistas, contribuem para isso. Além disso, o aumento das desigualdades,
que alimenta uma percepção de injustiça, também impulsiona esse fenômeno.
Esteja onde estiver na
geografia política, uma das principais características dos populistas é o
abandono da política. Estes não se preocupam em formular um projeto, tendendo a
minimizar a democracia. Além disso, há um desprezo pelo pluralismo e pela competição
política.
Para superar esse déficit
democrático precisamos que o sistema partidário invista em educação política e
na participação republicana. Algo que nunca ocorreu de modo ético e
disciplinado nos partidos pós-1988. Muito pelo contrário, nossos partidos
seguiram à americanização eleitoral da vida política, pautada em
personalização, influência das mídias e ingerência dos poderes econômicos e
financeiros.
Uma saída para a crise seria
a apresentação civilizada do liberalismo e conservadorismo às tendências
históricas. Para esse fim, é necessário voltarmos a fazer a grande política. A
grande política é a direção intelectual e moral da sociedade, responsável. Ela
é a trajetória para a superação do distanciamento entre governantes e
governados.
Sem a devida compreensão da
forma democrática, ficaremos à mercê da má palavra, sem virtù e
sem condições de compreender a fortuna. A forma democrática
compreende as disputas e o dissenso que podem e devem caminhar para as soluções
construídas coletivamente. Entre esses antagonismos podem nascer novas
qualidades, sem alimentar um sistema que indique a polarização que em nada
contribui para que os adversários se respeitem e mantenham o padrão de
civilidade.
Os desafios perpassam pela
criação de um novo contrato social como apontou a UNESCO, passível de
sedimentar em um mundo globalizado a igualdade, a solidariedade e a liberdade.
Somente o tempo trará essa
caminhada de forma concreta, mas fica claro que o problema não é apenas de
comunicação e sim de ausência de política. O que pode não impedir uma outra
vitória eleitoral da frente democrática em 2026.
O que podemos aventar é que
nós, integrantes do grande número democrático e defensores da república,
seguiremos a expor caminhos que possibilitem avançarmos com esperança e como a
fênix sempre estaremos aqui.
¹ – NOGUEIRA, Marco Aurélio.
A democracia desafiada: recompor a política para um futuro incerto. Rio de
Janeiro: Ateliê de Humanidades Editorial, 2024.
*Pacelli Henrique Silva Lopes
é professor e gestor da Teia de Saberes.
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