sábado, 11 de janeiro de 2025

Um réquiem à luz de uma democracia desafiada - Pacelli Lopes

Voto Positivo

À luz de uma democracia desafiada¹ vimos uma frente democrática vencer as últimas eleições presidenciais, por conta disso, há dois anos vimos regressistas e extremistas se sublevarem contra o sistema democrático, para subverter a dinâmica da democracia. Por meio de instituições fortes e de uma cultura cívica que se tem aprendido dia após dia, demonstramos a força do nosso ordenamento democrático.

Discutir os desafios da nossa democracia, destacando que a falta de política programática pode aprofundar o declínio gradual de partidos e governos. Isso é demonstrado aqui e alhures pela falta de programas e projetos, estratégias econômicas inadequadas e a ausência de uma coordenação política que contemple a frente democrática vitoriosa.

Esse fator advém da ausência de leitura correta do último processo eleitoral. Resultados eleitorais não devem ser lidos como válvulas de escape, aos quais não se deve gerar concorrência, mas quiçá sejam capazes de prevenir a boa governança. Nos períodos eleitorais, vemos nascer ciclos de esperança e desilusão, que dão voz a um nós coletivo. Esse processo deixa claro o caráter fluido da democracia, sempre mutável.

A ausência de política, muitas vezes confundida com falha de comunicação, atrai os spins doctors – profissionais que moldam narrativas (campo da ficção) para influenciar a opinião pública. Confrontar esses profissionais e os especialistas em Big Data requer um forte compromisso com a democracia e a república na ação política.

Diante dessas realidades, um partido progressista nunca deve desistir da educação política de seu povo, assim como, não deveria ser um exemplo do bovarismo. Algo que poderia ser mitigado e evitado, se seus intelectuais fundadores como, por exemplo, Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes fossem lidos à luz do que tem sido a nossa história.

A necessidade que temos hoje de uma ação política orientada pelos preceitos democráticos e republicanos, vão de encontro a crise de representatividade política e da política, ocasionada pela ineficácia partidária em lidar com três grandes mudanças, a saber: a globalização e sua conexão nacional; a transição no modo de produção; e, o fato, da modernidade ter também se modificado, a ponto de ter se tornado hipermoderna.

Tais transformações podem causar um mal-estar coletivo, emocional, intelectual e moral, frutos da fragmentação e individualização, resultantes de um mundo acelerado. Vemos gerações inteiras sem uma bússola histórica, estes acabam “suspensos”, em meio ao processo histórico.

Nossa saída possível é apostarmos na política democrática. Somente essa, é capaz de regulamentar as diferentes esferas que entrecortam a vida. Dentre as ações necessárias é preciso integrarmo-nos planetariamente. O que só será possível se dialogarmos com o mundo que nos trouxe até aqui, buscando esvaziar a brutalidade em seu seio.

A ausência de liderança para mediar a busca por consenso paralisa o progresso democrático. Quanto mais complexa a sociedade, maior a pressão sobre a democracia.

Soma-se a isso a ausência de programas e projetos que inviabilizam a previsibilidade e avaliação permanente por parte da gestão da vida pública. O que acarreta o aumento da distância entre governantes e governados, em tudo estranha ao espírito democrático. Em contrapartida, o populismo se difunde por conta de suas rarefeitas soluções mágicas, gerando uma visão torpe plebiscitária da democracia que favorece os torcedores de partido, em detrimento da qualidade política dos eleitores.

A ascensão dos populistas no século XXI é alimentada pelas dificuldades em atender às expectativas sociais infladas e ausentes de fundamento material. Efeitos das 3 revoluções indicadas, que desestabilizam a ordem social e que servem para a simplificação errática dos populistas, contribuem para isso. Além disso, o aumento das desigualdades, que alimenta uma percepção de injustiça, também impulsiona esse fenômeno.

Esteja onde estiver na geografia política, uma das principais características dos populistas é o abandono da política. Estes não se preocupam em formular um projeto, tendendo a minimizar a democracia. Além disso, há um desprezo pelo pluralismo e pela competição política.

Para superar esse déficit democrático precisamos que o sistema partidário invista em educação política e na participação republicana. Algo que nunca ocorreu de modo ético e disciplinado nos partidos pós-1988. Muito pelo contrário, nossos partidos seguiram à americanização eleitoral da vida política, pautada em personalização, influência das mídias e ingerência dos poderes econômicos e financeiros.

Uma saída para a crise seria a apresentação civilizada do liberalismo e conservadorismo às tendências históricas. Para esse fim, é necessário voltarmos a fazer a grande política. A grande política é a direção intelectual e moral da sociedade, responsável. Ela é a trajetória para a superação do distanciamento entre governantes e governados.

Sem a devida compreensão da forma democrática, ficaremos à mercê da má palavra, sem virtù e sem condições de compreender a fortuna. A forma democrática compreende as disputas e o dissenso que podem e devem caminhar para as soluções construídas coletivamente. Entre esses antagonismos podem nascer novas qualidades, sem alimentar um sistema que indique a polarização que em nada contribui para que os adversários se respeitem e mantenham o padrão de civilidade.

Os desafios perpassam pela criação de um novo contrato social como apontou a UNESCO, passível de sedimentar em um mundo globalizado a igualdade, a solidariedade e a liberdade.

Somente o tempo trará essa caminhada de forma concreta, mas fica claro que o problema não é apenas de comunicação e sim de ausência de política. O que pode não impedir uma outra vitória eleitoral da frente democrática em 2026.

O que podemos aventar é que nós, integrantes do grande número democrático e defensores da república, seguiremos a expor caminhos que possibilitem avançarmos com esperança e como a fênix sempre estaremos aqui.

¹ – NOGUEIRA, Marco Aurélio. A democracia desafiada: recompor a política para um futuro incerto. Rio de Janeiro: Ateliê de Humanidades Editorial, 2024.

*Pacelli Henrique Silva Lopes é professor e gestor da Teia de Saberes.

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