Correio Braziliense
Quando Trump, num acesso de sinceridade,
manifesta seu objetivo de comprar a Groenlândia, anexar o Canadá e retomar o
Canal do Panamá, ele apenas dá sequência ao que os pioneiros pensaram
Donald Trump ainda não iniciou seu mandato, que promete ser movimentado, e já retrocedeu mais de 100 anos na história de seu país. Ele retomou o discurso que justifica o chamado destino manifesto (manifest destiny) como uma benção de Deus e entrega aos norte-americanos brancos a missão de expandir seu país para garantir território capaz de prover suas necessidades. Não é retórica. Os Estados Unidos, no seu início, resumiam-se às 13 colônias situadas na costa do Atlântico. Após sucessivas expansões, o país chegou ao Pacífico e ao golfo do México, que pode mudar de nome para Golfo da América.
A história dos Estados Unidos é de uma
expansão permanente. O primeiro grande lance foi a compra da Louisiana, em
1803. Os franceses, na época de Napoleão, estavam precisando de dinheiro e
decidiram vender por US$ 15 milhões aquela enorme faixa de terra que, no
sentido vertical, ia do Golfo do México até a atual fronteira do Canadá. E
controlava a navegação no rio Mississipi. A Louisiana dividia o território
norte-americano. A oeste dela se situava o território indígena. Ultrapassada a
terra dos franceses, o território indígena foi rapidamente engolido pela Marcha
para o Oeste. O presidente Abraham Lincoln baixou vários decretos facilitando a
aquisição de terras a oeste, desde que o pioneiro nela ficasse por, no mínimo,
cinco anos. Os filmes de faroeste demostram o que aconteceu. Os índios pagaram
a conta. Foram exterminados.
A Flórida, que pertencia à Espanha, foi
comprada pelo governo de Washington em 1819 por US$ 5 milhões (dinheiro da
época) e se transformou no 27º estado norte-americano. O México sofreu os
rigores da expansão quando o Texas se declarou independente. Posteriormente, os
texanos aderiram ao governo dos Estados Unidos e sobreveio a guerra
hispano-americana entre 1846 e 1848, quando as tropas dos Estados Unidos
chegaram à cidade do México. Vem daí a expressão gringo. Os soldados
norte-americanos usavam uniforme verde. E os mexicanos gritavam: "Green go
home". O México perdeu 50% de seu território. Ou a área somada do Texas,
Novo México, Arizona, Nevada, Utah, Califórnia e parte do Colorado.
O Alaska foi comprado dos russos em 1867 por
US$ 7,2 milhões — dinheiro da época — porque os vendedores achavam que o
território era muito longe de Moscou, difícil de colonizar e dava prejuízo. Os
norte-americanos não hesitaram em fazer o negócio e adquirir a enorme área (é o
maior estado norte-americano), que hoje constitui a fronteira mais vigiada do
mundo. Ali os dois inimigos desde a Guerra Fria, Rússia e Estados Unidos,
enfrentam-se e se vigiam 24 horas por dia. O governo dos Estados Unidos concede
enormes vantagens financeiras — chega a subsidiar — a quem decidir viver lá.
Com o Panamá, ocorreu processo diferente. O
país corresponde ao pequeno istmo que liga a América do Sul à Central. É o
local onde os dois oceanos estão mais próximos. Foi o espanhol Vasco Nuñes
Balboa que enxergou em 1513, pela primeira vez, o Oceano Pacífico, justamente
quando ele visitou as terras hoje conhecidas como Panamá. A ideia do canal
unindo os dois oceanos é antiga e foi desenvolvida pelos franceses quando o
território ainda pertencia à Colômbia. Os colombianos não aceitaram construir o
canal depois que os franceses desistiram da obra.
Em 3 de novembro de 1903, um movimento
separatista proclamou a independência do Panamá em relação à
Colômbia. O governo dos Estados Unidos reconheceu de imediato o novo
estado e enviou forças navais que impediram a chegada de tropas colombianas
para sufocar a rebelião. Quinze dias depois, foi firmado o Tratado
Hay-Bunaus-Varilla, ratificado pelo governo provisório do Panamá, que concedeu
aos Estados Unidos o uso, o controle e a ocupação perpétua da Zona do Canal,
uma faixa de 16 km de largura através do istmo do Panamá. Em 1904,
reiniciaram-se as obras. O canal foi aberto oficialmente ao tráfego em 15 de
agosto de 1914. Hoje, é a principal fonte de renda do governo panamenho.
A área do canal foi durante muitos anos território dos Estados Unidos. Hoje, não é mais. Ali se localizaram bases do Exército norte-americano. Em um dos quartéis, funcionava o aparato de controle dos países sul-americanos. As aulas de tortura e controle das populações eram ministradas lá. Quando Trump, num acesso de sinceridade, manifesta seu objetivo de comprar a Groenlândia, que é território administrado pela Dinamarca, anexar o Canadá e retomar o Canal do Panamá, ele apenas dá sequência ao que os pioneiros pensaram. Eles julgavam deter o mandato de Deus para promover a expansão do próprio território em nome da defesa dos direitos do norte-americano branco. Aqui, em outros tempos, chamava-se esse fenômeno de imperialismo.
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