Posse ilegítima de Maduro exige mais pressão do Brasil
O Globo
Em conjunto com a comunidade internacional,
país precisa reforçar a defesa da democracia no continente
A posse de Nicolás
Maduro como presidente da Venezuela nesta
sexta-feira confirma seu desprezo pela vontade popular. Diante de derrota
humilhante no pleito presidencial de julho do ano passado, escondeu os boletins
de urnas, se declarou vencedor e assumiu, sem disfarces, ser um ditador. Não
satisfeito em roubar as eleições, mandou a Justiça prender Edmundo González, o
oposicionista consagrado pelo voto que acabou saindo do país. De lá para cá, a
repressão sistemática se manteve intacta. Apoiado pelas Forças Armadas, Maduro
desistiu de parecer legítimo.
Como lidar com um vizinho desse tipo é um dos maiores problemas da política externa. A embaixadora brasileira em Caracas, Glivânia Oliveira, esteve na cerimônia de posse na presença de diplomatas de México, Colômbia e representantes de ditaduras como Cuba, Rússia e Nicarágua. Estados Unidos e União Europeia não compareceram. Se a participação da embaixadora representar a volta da fracassada política de apaziguamento, o Itamaraty estará cometendo um erro enorme. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recusou o convite, mas comitivas do PT viajaram para a Venezuela. Dois dias depois da defesa da democracia nos eventos do 8 de Janeiro, integrantes do partido festejaram a posse de um tirano.
O caminho a ser seguido pelo Itamaraty deve
estar de acordo com os valores da sociedade brasileira. O governo precisa
manter a posição de não reconhecer o resultado da farsa eleitoral e apoiar
todas as medidas futuras para forçar Maduro a promover uma transição pacífica
de poder. É possível que Donald Trump decida abrir mão dos contratos dados a
petroleiras americanas na Venezuela para adotar postura mais dura. Caso seja
essa a política adotada, a defesa da democracia pode ser uma das áreas de
cooperação entre o novo governo americano e o brasileiro.
Apesar da necessidade de aumentar a pressão
sobre o regime ditatorial, o rompimento das relações não é desejável. Brasil e
Venezuela dividem uma fronteira longa e porosa numa região com ação do crime e
do garimpo. A preservação da floresta, a proteção de indígenas e o fluxo de
refugiados dependem de canais de comunicação e cooperação mínima. Será
desafiador equilibrar todos esses objetivos com um pária sem escrúpulo algum.
Nas relações com Maduro, o presidente Lula
passou por uma tortuosa curva de aprendizado. As tentativas de manter um bom
relacionamento contaram com episódios constrangedores. Em 2023, o venezuelano
foi recebido com honras em Brasília. Meses depois, Lula afirmou em entrevista
que a Venezuela tinha mais eleições que o Brasil e chegou ao absurdo de tentar
relativizar o conceito de democracia.
A mudança de tratamento foi tardia, mas
aconteceu. Nas vésperas das eleições na Venezuela, o presidente se disse
assustado com as declarações de Maduro de que, se perdesse o pleito, haveria
“um banho de sangue”. Apesar de o PT ter descrito o roubo eleitoral escancarado
como uma “jornada democrática e soberana”, Lula não chancelou a fraude. Junto
com os governos da Colômbia e do México, tentou, sem sucesso, uma saída
negociada. Maduro nem fingiu que daria ouvidos. É hora de redobrar a coação.
Maduro parece temer a reimposição de sanções. No ano passado, a Venezuela
aprovou uma lei que prevê 25 anos de prisão para quem defender tais medidas.
Lentidão para apontar causa de surto no
litoral paulista deve servir de alerta
O Globo
Sem a identificação da fonte de contaminação
do norovírus, mais pessoas correm riscos de infecção
Milhares de pessoas que aproveitaram o
período das festas de fim de ano e das férias de verão para desfrutar o litoral
de São Paulo tiveram de trocar as cadeiras de praia pelas dos prontos-socorros
da região em busca de atendimento médico para sintomas como vômitos e diarreia.
Nas últimas semanas, unidades de saúde do Guarujá e de cidades vizinhas ficaram
sobrecarregadas com o aumento no fluxo de doentes. Em meio a tudo isso,
desinformação e incertezas.
Na quarta-feira, a Secretaria estadual da
Saúde de São Paulo confirmou a presença de norovírus em amostras de fezes
coletadas no Guarujá e em Praia Grande, na Baixada Santista. A pasta
classificou a situação como um surto. O norovírus costuma causar doenças
gastrointestinais de curta duração (em torno de três dias). Com alta capacidade
infecciosa, provoca sintomas como diarreia, vômitos, náuseas, febre, dor
abdominal, muscular e de cabeça, além de cansaço.
A transmissão costuma se dar por meio da
água, de alimentos contaminados ou do contato com pessoas infectadas. Não é
incomum em cidades do litoral brasileiro. Nos últimos anos, foram registrados
surtos de norovírus em Salvador (BA) e Florianópolis (SC). Por enquanto, ainda
não se sabe a fonte de transmissão. A Secretaria da Saúde disse estar
investigando a origem do problema com a Companhia Ambiental do Estado de São
Paulo (Cetesb), a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) e
municípios da Baixada Santista.
Ao menos já se sabe alguma coisa. Até o
anúncio feito pela Secretaria da Saúde, imperava a falta de informações. Era
nítido que algum problema havia. No Guarujá, onde a situação ganhou dimensões
maiores, foram registrados pelo menos 2.064 atendimentos em dezembro, ante
1.457 em novembro. Mas não se sabia se os casos de gastroenterite estavam
ligados a um vírus, a uma bactéria ou a um parasita. Autoridades sanitárias da
região chegaram a duvidar da existência de um surto, atribuindo o aumento de
casos ao calor e ao grande número de visitantes. A questão se torna mais
intrigante porque os sintomas são observados tanto em quem foi à praia quanto
em quem não foi.
A prefeitura do Guarujá chegou a suspeitar de
vazamento clandestino de esgoto para as praias, cena nada incomum nas cidades
litorâneas, mas a Sabesp informou que os sistemas de água e esgoto da Baixada
Santista são controlados 24 horas por dia e estavam operando normalmente.
Um surto que afeta milhares de pessoas,
obrigando-as a procurar os serviços de emergência em pleno lazer, não pode
permanecer um mistério. Estado e municípios da região precisam descobrir a
fonte de contaminação para que o problema possa ser sanado ou, caso já esteja
resolvido, se tomem medidas para não se repetir. Que milhares de pessoas
aportem nos balneários nesta época do ano não deveria surpreender ninguém. O
mínimo que se espera dos gestores públicos é as cidades à beira-mar estarem
preparadas para o verão.
3ª posse de Maduro exibe ditadura mais
explícita e isolada
Folha de S. Paulo
Fraude eleitoral descarada e repressão
sangrenta a opositores na Venezuela resultaram no afastamento até do governo
Lula
Quando Nicolás
Maduro foi empossado como presidente pela primeira vez, em 2013, a
democracia venezuelana já se encontrava profundamente degradada. Seu antecessor
e mentor, Hugo
Chávez, aproveitara a popularidade resultante de preços recordes do
petróleo para aparelhar as instituições e se perpetuar no poder, de 1999 até a
morte naquele ano.
Apesar de todo o poderio do governo, a
vitória eleitoral de Maduro se deu por margem minúscula, de 50,6% dos votos.
Na segunda posse, em 2019, a bonança
econômica havia dado lugar a uma catástrofe econômica e humanitária —e a Venezuela já
era governada de modo ditatorial. O regime não aceitara a vitória da oposição
no pleito para o Legislativo e criara uma farsesca Assembleia Constituinte;
adversários na disputa pelo Executivo foram cerceados pelo Judiciário.
Para viabilizar a terceira
posse, ocorrida nesta sexta-feira (10), o chavismo abandonou os parcos
escrúpulos democráticos que ainda encenava. Fraudou descaradamente as eleições
do ano passado, depois de haver prometido uma disputa limpa em acordo endossado
por Estados
Unidos, Brasil e outros países; o real vencedor, Edmundo
González, está exilado na Espanha.
A repressão se tornou mais sanguinária. Em
outubro, o Conselho de Direitos Humanos da ONU documentou 25 assassinatos e
mais de 1.500 prisões arbitrárias, das quais nem crianças escaparam. Nos
últimos dias se retomou com intensidade a perseguição a adversários. A oposição
afirma que a líder María
Corina Machado chegou a ser detida.
Foi necessária a desmoralização aos olhos do
mundo para que o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) se afastasse
da ditadura e não reconhecesse o resultado proclamado das eleições. Até então
Lula se desmanchava em mesuras a Maduro e chegou pontificar que "o
conceito de democracia é relativo" ao discorrer sobre o regime do
aliado ideológico.
Outros líderes da esquerda continental foram
mais assertivos, como o presidente do Chile, Gabriel
Boric, que acusou a fraude e, mais recentemente, retirou o embaixador em
Caracas. Seu congênere colombiano, Gustavo
Petro, divulgou vídeo denunciando as violações de direitos humanos no país
fronteiriço.
A aprofundar o isolamento de Maduro, em
poucos dias Donald Trump retomará
o governo dos EUA —desde seu primeiro mandato, o republicano não reconhecia o
ditador como presidente. A dúvida é se pode haver alguma negociação envolvendo
a deportação de venezuelanos.
Resta ao regime o apoio de Rússia, China,
Turquia, Irã e outros países do eixo antiocidental, incluindo as ditaduras
alinhadas em Cuba e Nicarágua. No Brasil, a despeito do atrito com Lula,
permanece o aplauso do PT e de entidades diversas de esquerda. Não deixa de ser
espantoso para quem solapou a democracia e fez da Venezuela o país mais pobre
da América
do Sul.
O verão e a virose
Folha de S. Paulo
Saneamento falho é suspeito por surto no
litoral paulista; faltam respostas do governo Tarcísio, da Sabesp e de
prefeitos
Com desemprego em baixa e dólar em alta,
aguardava-se uma maré montante de paulistas desencorajados a viajar para o
exterior assomando à bela orla do estado. Só não contavam que, ao descer a
serra, mergulhariam nas mazelas do Brasil.
Dezenas de milhares de turistas e
moradores lotam
prontos-socorros do litoral sul e da Baixada
Santista até o município de São Sebastião,
com epicentro em Guarujá.
Um surto
de virose se espalha por mais de 200 km de praias, disseminando
sintomas gastrointestinais como vômitos, dores abdominais e diarreias.
O mal-estar raramente se mostra muito
ameaçador, pode ser tratado com abundante hidratação e, em geral, se dissipa em
três dias. Mesmo assim, foi quanto bastou para estragar Natal e Ano-Novo de
legiões de banhistas.
O Instituto Adolfo Lutz identificou norovírus
em amostras de fezes colhidas na região, a indicar qual seria o patógeno
responsável pelo adoecimento de tanta gente em busca de sol e
descanso. Como vários outros vírus e bactérias causadores de gastroenterite,
ele também se transmite por água e alimentos contaminados.
As suspeitas se voltaram para a água
encanada, dada a notória deficiência do saneamento básico no litoral. Embora
algumas cidades costeiras contem 95% ou mais de habitantes com descarte
adequado de esgotos, outras exibem 20% sem acesso a ele, como Cubatão; até
o abastado Guarujá estacionou em 89% de cobertura.
Com o afluxo de turistas e as copiosas chuvas
de verão,
ao que parece turbinadas pelas mudanças climáticas em curso, o sistema fica
sobrecarregado. Posta na berlinda, a recém-privatizada Sabesp rebateu
críticas da Prefeitura de Guarujá e asseverou que a rede opera normalmente.
Fato é que, nesta sexta-feira (10), 51 das
175 praias paulistas monitoradas pela Cetesb se apresentavam impróprias
para banho. A própria secretaria estadual da Saúde recomenda
não entrar no mar nas 24 horas após as chuvas, orientação que beira a
desfaçatez numa estação com temporais quase todos os dias.
A federação
de hotéis, bares e restaurantes cobra do governo Tarcísio
de Freitas (Republicanos) ações para combater as pragas que assolam o
litoral. Não só as sanitárias, como o norovírus, mas também as de segurança
pública, como arrastões no Guarujá.
Se tudo estivesse funcionando, não haveria
surto de norovirose. Sabesp, Cetesb, o governador e prefeitos devem respostas
mais efetivas à crise. É inaceitável que turistas no estado mais rico da nação
continuem expostos a doenças de terceiro mundo.
Mais um ano de inflação fora da meta
O Estado de S. Paulo
Pior do que a inflação elevada no ano passado
é a perspectiva de que os preços continuarão a subir neste ano e a certeza de
que o governo não fará sua parte para evitar o aumento dos juros
Sem novidades, a inflação encerrou o ano
passado em 4,83%, rompendo a meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional, de
3%, bem como seu limite superior, de 1,5 ponto porcentual (p.p.). O fato de que
o índice não ultrapassou os 5% certamente trouxe alívio ao governo, que, como
esperado, minimizou o resultado e o atribuiu à seca. O problema, no entanto,
está na tendência, longe de trazer tranquilidade a quem quer que seja.
De fato, os alimentos foram os vilões do
IPCA, e muito disso se deve a fatores climáticos como o El Niño, as enchentes
no Rio Grande do Sul e a estiagem em diversas outras regiões. Grupo de maior
peso na inflação medida pelo IBGE, alimentação e bebidas subiu 7,69% no ano
passado e contribuiu com um terço do índice oficial. O café aumentou
impressionantes 39,6%; as carnes, 20,84%; o leite do tipo longa vida, 18,83%; e
as frutas, 12,12%.
Com a perspectiva de uma safra melhor neste
ano, o comportamento dos itens alimentícios deve arrefecer um pouco, mas tudo
indica que permanecerá acima da inflação geral. Se os alimentos fossem o único
problema, o governo realmente teria motivos para comemorar, mas há muitas
razões para colocar as barbas de molho. Todos os outros oito grupos que compõem
o IPCA também registraram aumento de preços no ano passado, em especial saúde e
cuidados pessoais, influenciado pelos planos de saúde e produtos farmacêuticos,
e transportes, puxado pelo preço da gasolina e do etanol.
Já no mês passado, o IPCA subiu 0,52%. Foi o
resultado mais baixo para o mês desde 2018, mas sua composição veio pior do que
se esperava. O índice de difusão mostrou que 69% dos itens monitorados pelo
IBGE tiveram alta em dezembro, maior nível desde maio de 2022. Oito dos nove
grupos que compõem o IPCA subiram. Os núcleos, que desconsideram distúrbios
decorrentes de choques temporários, também se elevaram – tanto no caso de
serviços, pressionados há meses em razão da demanda aquecida, quanto no de bens
industriais, consequência da desvalorização cambial registrada nas últimas
semanas do ano.
A percepção geral de que tudo subiu de preço
é real, e a sensação de que os aumentos vão continuar também é. Há razões para
se preocupar. O IGP-M, índice de inflação calculado pela Fundação Getulio
Vargas que é referência para o reajuste de aluguéis, fechou o ano em 6,54%.
Diferentemente do IPCA, mais estável e que acompanha o consumo das famílias, o
IGP-M é um índice mais volátil e reflete os preços do atacado e do dólar.
Apesar disso, no médio e longo prazos, as curvas dos índices tendem a
convergir.
Não por acaso, bancos e corretoras projetam
que o IPCA continuará pressionado no primeiro semestre deste ano, sobretudo em
razão dos serviços. No mais recente Boletim Focus, a mediana das projeções para
a inflação em 2025 foi de 4,99%, na 12.ª semana consecutiva de alta, e há quem
estime que o IPCA encerrará o ano em 6%.
Nesse cenário, para o Banco Central (BC), ter
de escrever uma carta ao governo para explicar por que não conseguiu cumprir a
meta no ano passado é a parte fácil do trabalho, mesmo porque não afetará a
credibilidade da instituição. O desafio da autoridade monetária será conduzir o
índice rumo à meta neste ano. Todos já sabem que a taxa básica de juros
aumentará para 14,25% ao ano em março, mas como esse patamar, ainda que
elevadíssimo, não tem sido suficiente para domar as expectativas, não se sabe
até onde eles irão para o BC cumprir sua missão.
Até agora, o governo Lula da Silva não
colaborou e manteve uma política fiscal expansionista. Seria ingenuidade
acreditar que algo mudará até 2026, haja vista o esvaziado pacote de corte de
gastos anunciado e aprovado no fim do ano passado. Com o dólar acima de R$
6,00, a tarefa do Banco Central será ainda mais difícil, com a agravante de
que, pelo sistema de meta contínua, em vigor desde o início deste ano, terá de
elaborar uma nova carta ao governo toda vez que a inflação acumulada em 12
meses ficar acima de 4,5% por 6 meses consecutivos. Melhor começar a pensar no
texto da primeira delas, a ser enviada em julho.
A opacidade não pode ser a regra
O Estado de S. Paulo
CGU mostra que maioria das ONGs que recebem
emendas não dá transparência ao uso dos recursos, motivo suficiente para
justificar suspensão de repasses pelo ministro Dino
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal
Federal (STF), determinou a suspensão do repasse de recursos de emendas
parlamentares a 13 organizações não governamentais (ONGs) que não deram
transparência sobre o destino das verbas. A decisão do ministro se baseou em um
relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou 26 entidades do
terceiro setor beneficiadas por essas indicações ao longo de dezembro. Desse
total, metade divulgou os dados de maneira inadequada, nove apresentaram
informações incompletas e somente quatro cumpriram integralmente os requisitos.
Se o resultado da auditoria, por si só, já
causa espanto, os detalhes são estarrecedores. De um total de 676 ONGs que
devem receber dinheiro público a partir de indicações de emendas parlamentares
do mês passado, a CGU selecionou somente as 26 entidades que embolsariam mais
recursos. As 13 que tiveram os repasses suspensos receberam R$ 142 milhões em
emendas entre os dias 2 e 21 de dezembro. Quem apresentou informações
incompletas recebeu prazo de dez dias para complementá-las, sob pena de também
ter as próximas transferências bloqueadas.
As ONGs inspecionadas pela CGU não possuem
restrições que impeçam o recebimento de recursos públicos, e é possível que não
se apure nada que desabone sua atuação. Independentemente disso, não há como
justificar a ausência de transparência.
É obrigação de cada uma delas prestar contas
e divulgar na internet, de forma acessível, clara, detalhada e completa, o
recebimento e a execução das verbas. A publicidade é um dos princípios
constitucionais da administração pública. Somente com esses dados é possível
acompanhar as políticas públicas, avaliar seus resultados e, eventualmente,
aumentar a verba enviada ou direcioná-la para ações mais efetivas.
Em se tratando de emendas parlamentares, no
entanto, a opacidade parece ser a regra em ao menos uma das etapas da cadeia –
quando não em todas elas. Com o orçamento secreto, revelado pelo Estadão e
declarado inconstitucional pelo STF no fim de 2022, deputados e senadores se
esforçavam para escamotear a autoria das indicações, lógica que se repetiu com
as emendas de comissão.
Já por meio das emendas Pix, a autoria da
indicação e o destino da verba até eram identificados. No entanto, uma vez que
o recurso chegava ao caixa dos municípios e Estados, prefeitos e governadores
podiam gastá-lo livremente, sem a necessidade de definição prévia do programa,
projeto ou atividade que seriam financiados.
Talvez não haja exemplo melhor a ilustrar a
dimensão desse problema do que a queda da Ponte Juscelino Kubitschek de
Oliveira, entre Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), no fim de dezembro. Embora
o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) tenha apontado
a existência de danos estruturais e a necessidade de reparos já em 2020,
deputados e senadores da região optaram por alocar suas emendas em várias
outras finalidades nos últimos anos.
Parte dos R$ 5,3 milhões enviados por meio de
emendas Pix a um dos municípios, por exemplo, bancou ao menos 11 shows de
artistas sertanejos desde 2023. Questionados pelo Estadão, deputados e
senadores do Maranhão e de Tocantins alegaram desconhecer o mau estado de
conservação da ponte e culparam o Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes por sua ignorância. Negaram, também, ter enviado verba para custear
os eventos festivos. Em outras palavras, o dinheiro caiu do céu, o acidente foi
uma fatalidade e a responsabilidade pela tragédia – já são 14 mortes e 3
pessoas seguem desaparecidas – não é de ninguém.
O caso apenas corrobora a decisão do ministro
Flávio Dino de conferir caráter permanente à fiscalização da CGU sobre o uso de
emendas parlamentares. A falta de transparência na aplicação dos recursos, por
si só, é motivo mais que suficiente para suspender novos repasses e pode ao
menos estancar uma farra que, dividida em milhares de ações em todo o País,
chegou a R$ 49,2 bilhões no ano passado. Diante de tantos indícios de mau uso
do dinheiro público, a dúvida é se a CGU terá capacidade e pessoal suficientes
para dar conta da tarefa.
Fim da linha
O Estado de S. Paulo
Nunes acerta ao agir para rescindir contratos
de empresas de ônibus suspeitas de elo com PCC
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes,
assinou no fim de 2024 um despacho em que autorizou a abertura de um processo
para rescindir os contratos com as empresas de ônibus UPBus e Transwolff.
Segundo investigações do Ministério Público (MP), as duas operadoras do
transporte coletivo da capital têm ligações com o Primeiro Comando da Capital
(PCC), um perigoso sinal de contaminação da máquina pública pelo crime.
O processo será conduzido pela Secretaria
Municipal de Transportes. A UPBus e a Transwolff terão até 15 dias para
apresentar suas defesas, o que, no Estado Democrático de Direito, é uma
garantia, embora esses valores pouco importem para o mundo do crime.
De acordo com Nunes, a Procuradoria-Geral do
Município (PGM) trabalha com cautela para que não se cerceie o direito de
defesa e do contraditório, “visando a instruir bem o processo”. Segundo o
prefeito, “dependendo (dos argumentos) da defesa, se decreta a
caducidade”, ou não. A decisão final será de Nunes.
Sem dúvida, todo mundo é inocente até que se
prove o contrário, mas sobram indícios de que há algo de muito errado nessas
duas companhias. Há um bom tempo, a UPBus e a Transwolff estão na mira de
investigadores sob a suspeita de operar uma rede de laranjas do PCC e CNPJs
fantasmas.
O caso veio a público em 2022, com prisões e
apreensões de bens. Mesmo assim, as companhias receberam em fevereiro de 2024,
conforme revelado pelo Estadão, R$ 827 milhões em repasses da Secretaria
Municipal de Transportes e assinaram oito novos contratos para operar o
sistema.
Com o decurso do tempo, a situação só se
agravou. Em abril do ano passado, a Operação Fim da Linha foi deflagrada e
revelou fortes indícios da presença do PCC nas duas empresas. Hoje, o
presidente da UPBus, Ubiratan Antônio da Cunha, está preso.
As suspeitas de contágio do Estado pelo crime
organizado se avolumam. Nada menos do que sete empresas de ônibus foram ou
estão sob investigação pela polícia ou pelo MP por suposto elo com o crime
organizado. Juntas elas transportam 27,5% dos passageiros de ônibus da capital
e receberam R$ 2 bilhões da Prefeitura em 2023. É intolerável que dinheiro
público possa alimentar o crime organizado.
Somem-se a esses negócios obscuros as
inúmeras suspeitas recentes de tentativas do PCC de influenciar o processo
eleitoral, numa evidente ameaça à lisura do resultado das urnas e um risco
grave à democracia. E tudo com o objetivo de lavar dinheiro do tráfico por meio
de contratos públicos e também influenciar a política.
Por tudo isso, toda e qualquer suspeita de
envolvimento desse bando no poder público requer resposta enérgica. E a decisão
do prefeito de instaurar um processo para analisar a pertinência dos contratos
da UPBus e da Transwolff na área de transporte vai ao encontro dessa urgência.
Diante de tanta nebulosidade sobre a idoneidade dessas empresas, é sempre
conveniente lembrar que entre os princípios constitucionais da administração
pública está a moralidade. E a moral, por sua vez, não pertence ao vocabulário
do crime.
Crise com Venezuela deve se agravar
Correio Braziliense
Não faltam fatos que corroboram a fraude e o
caráter ditatorial do governo Maduro. Condição pode tensionar a atual
estratégia brasileira de mais relação técnica e menos engajamento político
A posse de Nicolás Maduro para mais um
mandato presidencial escancara o caráter ditatorial do regime bolivariano da
Venezuela. Sua posse ocorreu ontem, na Assembleia Nacional em Caracas, sob a
presidência do deputado chavista Jorge Rodríguez, após um processo eleitoral
sem transparência, autoritário e violento, marcado pela fraude mais grosseira:
sumiram com as atas originais das seções eleitorais. Maduro não dispõe de
provas de que venceu o pleito. Pelo contrário, quem tem essas provas é o
candidato de oposição, Edmundo González Urrutia.
A posição conseguiu reunir 80% das atas das
seções eleitorais, nas quais Urrutia obteve ampla maioria de votos. Não por
acaso, a posse de Maduro teve baixa adesão de chefes de Estado — entre os
quais, Daniel Ortega, que também se tornou um ditador na Nicarágua. Cada vez
mais distante de Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem foi
convidado para a posse, mas foi representado pela embaixadora brasileira no
país vizinho, Gilvânia Maria de Oliveira.
O contencioso entre Lula e Maduro agravou-se
após o veto brasileiro à entrada da Venezuela no Brics, grupo de países
emergentes liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que hoje
reúne também Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em outubro, no
encontro de Kazan, na Rússia, tornaram-se parceiros do bloco outras 13 nações.
A Venezuela ficou de fora.
Maduro ainda não se conforma com isso. Ontem,
ao tomar posse, disse que "a Venezuela já é do Brics desde que Bolívar
triunfou em Junín", referência à batalha vencida pelo herói da
independência da América espanhola. Mais tarde, fechou as fronteiras do país
com o Brasil.
Lula não reconhece a vitória de Maduro até
hoje, porque isso foi condicionado à apresentação das atas da eleição. Por
razões comerciais, humanitárias e diplomáticas, não pretende romper
relações diplomáticas com os vizinhos, ainda que sob fortes críticas. A
tradição da política externa brasileira é de não interferência em assuntos
internos de outros países. Entretanto, o reconhecimento pelo PT da eleição de
Maduro e o apoio oficial ao regime bolivariano criam um enorme constrangimento
para Lula, já que colocam em dúvida a centralidade do seu compromisso com a
democracia.
Não faltam fatos que corroboram a fraude e o
caráter ditatorial do governo Maduro. No início de 2024, as autoridades
eleitorais barraram a candidatura de María Corina Machado, principal líder da
oposição que, num gesto de grande coragem, deixou a clandestinidade depois de
cinco meses e foi às ruas, na última quinta, para participar de uma
manifestação contra Maduro. Ela relata que, ao deixar o protesto, foi
sequestrada por elementos encapuzados, agredida e, depois, libertada.
Ontem, Corina divulgou um vídeo relatando a
violência que sofreu, contestada pelo governo, e convocando a oposição a não
esmorecer. Disse ainda que Edmundo González, exilado desde setembro, voltará à
Venezuela para tomar posse como presidente constitucional "quando as
condições forem adequadas". Ainda segundo a opositora, o fato de ela ter
sido sequestrada e, depois, libertada revela profundas divisões no governo
Maduro. Por tudo isso, a crise venezuelana deve se agravar, podendo tensionar a
atual estratégia brasileira de mais relação técnica e menos engajamento
político.
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