Ao final do século XX, com a dissolução da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, parecia que as ideias vitoriosas eram a da liberdade e da democracia, como valores universais e permanentes. Alguns chegaram a decretar o “fim da História” (Fukuyama), com o domínio absoluto da sociedade liberal. A fatura política e ideológica estaria liquidada. Estaria instalada a “Pax Democrática”.
Mas o mundo dá voltas e a vida apronta as suas. O
capitalismo perdeu boa parte de sua capacidade de distribuir bem-estar. As
desigualdades sociais se agravaram. Os efeitos da globalização e da revolução
tecnológica geraram um espiral nacionalista e xenófoba. As frustrações com o
sistema se avolumaram. Como descreveu Fernando Henrique Cardoso (Um intelectual
na política, 2021):
“A democracia representativa é cada vez mais percebida como um sistema elitista, disfuncional, minado pela corrupção, insensível às necessidades e demandas das pessoas comuns. Quanto mais distante a pessoa está dos centros do poder, mais desconfia deles”.
E concluí:
“O processo de desfazimento democrático começa pela demonização dos adversários que passam a ser inimigos. O conhecimento, a ciência, a informação verídica, o debate viram alvo do obscurantismo”.
Para o futuro da democracia, o mês está carregado
de fatos relevantes. Duas datas dizem muito ao Brasil. Comemoraremos, no
próximo dia 15 de janeiro, quarenta anos da vitória de Tancredo Neves sobre
Paulo Maluf, colocando fim a 21 anos de ditadura após o golpe de 1964. Já no
dia 8, relembramos a tentativa de golpe perpetrada por segmentos que queriam
interromper a democracia brasileira e reviver o autoritarismo. No domingo, boas
energias foram lançadas sobre o país e a liberdade conquistada com a vitória de
Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro por sua magistral atuação em
“Ainda Estou Aqui”, que relembra a saga de Eunice Paiva em busca de seu marido,
o ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado, torturado e morto pela ditadura.
No entanto, nem tudo são flores. Trump disparou novas
ameaças que assombram as expectativas globais insinuando tomar o controle da
Groelândia, do Canal do Panamá e do Golfo do México e anexar o Canadá, reafirmando
suas convicções antidemocráticas. E o CEO da Meta Platforms, Mark Zuckerberg,
responsável pelo Facebook, Instagram e Threads, anunciou a suspensão do sistema
de checagem dos fatos e mudanças nos protocolos de ação em assuntos polêmicos.
Com isso, se alinha ao seu concorrente e um dos maiores líderes da extrema
direita global, Elon Musk, proprietário do “X” (antigo Twitter). Ou seja, a
partir de agora, as Fake News e os discursos de ódio e preconceito terão vida
fácil nas grandes e poderosas redes sociais.
Sobre isto, ouçamos o grande filósofo liberal, eu disse
liberal, não de esquerda, Karl Popper, definindo seu “paradoxo da tolerância”, no
livro Sociedade Aberta e Seus Inimigos:
“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”. Recomendo a leitura.
Que as instituições brasileiras saibam manejar com sabedoria o “paradoxo da tolerância” de Popper.
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