Folha de S. Paulo
O país tem criado políticas ineficientes e
muitas vezes contraproducentes, mas que têm mais apelo eleitoral
A negligência com a segurança
pública levou à morte de cerca de 1 milhão de pessoas nas últimas duas
décadas no Brasil. Essa é a face mais dramática de um fenômeno mais amplo, que
dilacera famílias, esgarça o tecido social, compromete nosso desenvolvimento,
além de brutalizar o cotidiano de milhões de pessoas, submetidas ao domínio
arbitrário e violento do tráfico, de milícias e mesmo de agentes do Estado que,
por definição, teriam a função de proteger os cidadãos.
A incapacidade do Estado brasileiro de
assegurar o direito à segurança aos seus cidadãos gera ainda um outro efeito
adverso que é ampliar a desconfiança da população nas suas instituições,
abrindo espaço para discursos de lideranças populistas e descomprometidas com o
Estado de direito.
Apesar de a criminalidade se encontrar entre as principais preocupações dos brasileiros, desde a década de 1990, as respostas oferecidas pelos sucessivos governos, sejam eles de direita, centro ou esquerda, tanto no âmbito dos estados, como no plano federal, não apenas se demonstraram insuficientes para conter o crescimento da criminalidade, em especial a criminalidade organizada, como em muitos aspectos têm contribuído para sua expansão.
Muito embora as últimas décadas tenham gerado
um conjunto consistente de experiências bem-sucedidas de controle da
criminalidade ao redor do mundo, o mercado político brasileiro tem premiado
políticas ineficientes e muitas vezes contraproducentes, mas que têm mais apelo
eleitoral.
Exemplo disso é a política prisional. O
Brasil tem hoje a terceira maior população prisional do mundo. São mais de 800
mil presos, distribuídos em cerca de 1.500 estabelecimentos. Estima-se que 70%
desses estabelecimentos estejam sob controle de facções criminosas. O resultado
é que, para atender à demanda do populismo penal, o Estado brasileiro
transformou-se no principal parceiro na arregimentação e no fortalecimento
do crime
organizado. Um desastre!
Múltiplas são as razões que têm dificultado
reformas ou mesmo a adoção e consolidação de políticas públicas mais efetivas
no campo da segurança pública. A primeira delas é que o debate sobre segurança
tem se tornado cada vez mais polarizado, reduzindo a possibilidade da formação
de consensos, com base em evidências e experiências bem-sucedidas. O caso
das câmeras
corporais é um bom exemplo.
Um segundo obstáculo são os interesses
corporativos. Além das disputas entre as Polícias Militares e Polícias Civis,
há também interesses do Ministério
Público e da Justiça, que têm bloqueado a construção de soluções mais
eficientes. Paralelamente, governadores com pretensões reformistas têm enormes
dificuldades de se contrapor aos interesses dessas corporações.
Por fim, não se deve negligenciar a
contaminação das instituições. O crime organizado é uma atividade altamente
rentável e que depende de um sistema de segurança ineficiente e com baixa
integridade para expandir suas atividades. Seus representantes, nas diversas
esferas, estão, portanto, permanentemente mobilizados para assegurar a
manutenção dessa baixa eficiência e falta de integridade.
Enfrentar essas resistências à modernização
de nosso sistema de segurança é o principal desafio a lideranças efetivamente
comprometidas com o bem-estar da população, assim como com a própria
sobrevivência da democracia.
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