Folha de S. Paulo
Zuckerberg e Musk buscam hegemonia da Casa
Branca na arena do debate público
Zuckerberg decidiu imitar o X e, como Musk,
eliminou as ferramentas de checagem factual externa do Facebook e do Instagram,
plataformas da Meta. Antes do anúncio oficial, ajoelhou-se diante do rei,
oferecendo a informação a Trump. Fora dos círculos extremistas, a notícia
provocou algum escândalo, pelas razões menores. A novidade relevante quase
passou desapercebida: os dois veículos de mídia global baseados nos EUA
pretendem ser agências semi-oficiais.
Ideologia dissolve-se no ar. A conexão de Musk com Trump é sólida como aço: os negócios multibilionários da SpaceX com a Nasa e a proteção estatal da Tesla diante da concorrência chinesa. A elevação do magnata a assessor do presidente eleito e a chefe de um poderoso departamento governamental desenha os contornos de um capitalismo de Estado pós-moderno.
A Meta leu as palavras no muro. Junto com a
extinção da checagem, adicionou a seu conselho a figura de Dana White, CEO do
UFC, amigo e estrategista de Trump. Os gestos paralelos, uma peregrinação a
Canossa de Zuckerberg, destinam-se a cancelar uma trajetória de atritos na qual
o líder do Maga (Make America Great Again) chegou a prometer que faria o dono
da Meta "passar o resto de sua vida na prisão".
Foram "muitos erros" e
"censura em demasia", justificou Zuckerberg. Não faltam clamores pela
censura nas redes. Há, particularmente na militância identitária, os que querem
atribuir às plataformas o dever de vetar discursos que contestam sua cartilha
ideológica. No Brasil, Alexandre de Moraes pratica censura prévia por meio de
ordens judiciais envoltas no manto do segredo –e ganha aplausos daqueles que
condenariam indignados o juiz bolsonarista engajado na remoção de suas próprias
postagens. Mas, ao invocar a liberdade de expressão, o X e a Meta torcem o
conceito até esvaziá-lo de significado.
Liberdade de expressão é, sempre,
exclusivamente, o direito de quem diverge do governo –e isso pela simples e
óbvia razão de que o livre discurso dos detentores do poder estatal jamais
corre perigo. A derrubada da checagem não tem o intuito de preservar esse
direito. De fato, o que buscam os dois magnatas é a hegemonia da Casa Branca na
arena do debate público. Liberdade, para eles, é a liberdade absoluta dos
algoritmos para selecionar, customizar e impulsionar postagens.
"Nossos algoritmos do Meta exploram a
atração do cérebro humano pela divisão", segundo um slide utilizado numa
apresentação estratégica interna da empresa. O negócio das redes é o
extremismo, nos seus discursos legais ou criminosos. As postagens que ganham
ampla circulação originam-se de uma diminuta minoria de usuários, mas têm a
preferência dos algoritmos. A aliança das plataformas com Trump tende
a refinar ideologicamente ainda mais a seleção de conteúdos. É por isso que a
checagem precisa ser abolida.
Checagem factual, uma prática cotidiana dos
veículos da imprensa profissional, não se confunde com censura. Na regulação
democrática de redes adotada pela União Europeia, a checagem obrigatória não
derruba discursos errôneos legais, mas alerta para a verdade factual.
Pravda, "verdade", em russo: eis o
nome do principal jornal oficial nos tempos soviéticos. Na URSS, dizia-se que o
jornal nunca tinha publicado uma única verdade. Trump ganha, antes ainda da
posse, dois Pravdas.
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