O Globo
O produto que começa a ser fabricado hoje
chegará ao mercado dentro de algum tempo. Qual será a inflação?
Eis um assunto diário: as incertezas em
relação a juros altos, dólar caro e
inflação subindo. Pode parecer que se trata de um problema restrito ao mercado
financeiro. Mas como isso se manifesta na vida das empresas e das pessoas?
Eis alguns casos.
Imaginem uma empresa que vende produtos importados — carros, eletrônicos etc. — e precisa repor os estoques. Essa empresa tem de fechar os contratos de importação, em dólares. É melhor fechar o câmbio agora, temendo alta maior da moeda americana? Ou esperar um pouco, na expectativa de que a cotação se acomode num nível mais baixo?
Tem também a situação das empresas que
produzem para o mercado local, mas dependem de insumos e máquinas importadas.
Mesmo problema: fechar o câmbio em qual cotação? E outro: como repassar o
aumento do dólar para as mercadorias produzidas e vendidas aqui?
Se repassar todo o custo do dólar, pode ficar
com seus produtos a preços não competitivos. Se não repassar, reduz suas
margens de lucro.
Eis por que essa empresa, por corte de
custos, pode optar por uma redução na sua produção, entendendo ainda que haverá
mesmo uma queda do consumo e da atividade econômica. Isso aponta para uma
recessão.
Por outro lado, muitas empresas, como a Petrobras, têm
dívidas em dólar, que se tornam mais caras em reais. Logo, em algum momento,
precisam elevar seus preços locais, e assim juntar os reais necessários à
compra de dólares para pagar aos credores.
Aliás, com esse dólar, em algum momento terão
de subir os preços de gasolina e diesel — a menos que a Petrobras seja levada a
assumir prejuízos, como já aconteceu no passado. E isso elevará a dívida da
companhia — uma péssima escolha.
Fica evidente que o dólar caro eleva a
inflação por diversos caminhos. O Brasil importa muito, e as importações
cresceram no ano passado, com a economia aquecida.
Na sequência da inflação em alta, aparece de
novo o problema do repasse de preços. A empresa produtora paga mais caro pelos
seus insumos e precisa calcular quanto pode repassar para seus preços sem
perder competitividade.
Além disso, a formação de preço depende da
expectativa de inflação. O produto que começa a ser fabricado hoje chegará ao
mercado dentro de algum tempo. Qual será a inflação?
Por isso mesmo as expectativas são
importantes. Se é esperada uma inflação maior, marca-se preço maior.
Finalmente, os juros e o custo da dívida.
Números do Valor Data, publicados pelo
jornal Valor
Econômico no último dia 6, mostram que, das cem maiores empresas em
receita, nada menos que 23 estão com indicadores de dívida elevados, além dos
limites prudenciais.
Analistas observam que empresas muito
endividadas podem ter de reestruturar suas dívidas quando a taxa Selic passa
dos 12% — e isso acaba de acontecer. Já está anunciado que a taxa vai a 14,25%
em março, podendo alcançar 15% ao longo do ano.
O peso do endividamento aparece também nas
médias e pequenas empresas. Todas sofrerão os impactos da alta de juros — já em
curso —, o que necessariamente leva à redução do nível de atividade.
Quando as empresas gastam mais dinheiro com
os juros, sobra menos para novos negócios, novos empregos e mesmo para a
manutenção do atual quadro de pessoal.
Juros elevados também trazem incertezas para
investimentos de longo prazo. Considerem uma empresa que disputará a concessão
de uma rodovia — há muitos leilões previstos para este ano. São investimentos
pesados, que exigem modelos complexos de financiamento, negócios de 20, 30
anos.
Nesses cálculos entram todos os fatores
atuais de incerteza. Qual a taxa de juros? E o dólar, considerando que haverá
importações de insumos e equipamentos para as obras? E, finalmente, como
calcular o valor dos pedágios e sua correção ao longo do contrato? A inflação
vai para a meta de 3% ao ano, objetivo do BC, ou a autoridade monetária
tolerará taxas maiores por um certo tempo?
Tudo isso vale para qualquer investimento, de
obras de infraestrutura a uma fábrica de chocolates, por exemplo.
Qual a mãe de todas as incertezas? O
crescimento da dívida do governo. Logo, não há outra saída sem um novo corte de
gastos maior e mais crível.
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