sábado, 30 de agosto de 2008

A chama acesa da esperança


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O GOVERNO, DESTA VEZ, não pode ser acusado de leviandade no pacote de reforma política encaminhado ao Congresso, depois de seis anos e quase nove meses de estudos profundos, longa meditação, infindáveis debates internos e sigilosas consultas aos diversos setores da sociedade. O que pingou na ansiedade dos parlamentares não vai além de algumas gotas que não chegaram a regar a expectativa de ardentes patriotas, com os olhos vidrados no futuro do país.

O inevitável azedume da malícia dá guarida a suspeita de que o presidente Lula nas suas meditações sobre o amanhã, com a objetividade e a argúcia do estadista que o mundo reconhece, imagina o país nos quatro anos da sua sucessora, a ministra Dilma Rousseff, não apenas escolhida pelo dono do PT, mas na pré-campanha sob a batuta do chefe.

E a reforma política entregue ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) tem as medidas exatas da ministra-candidata Dilma Rousseff, chefe do Gabinete Civil.

Mas, onde o carro enguiça é no atoleiro dos interesses imediatos e contraditórios. Da reforma para tapar a boca dos críticos e a lengalenga da anêmica oposição, à beira de um desastre eleitoral desqualificante nas eleições do próximo dia 5 de outubro, sobrou a polêmica do voto em lista para deputados federais e estaduais e vereadores.

Trata-se de uma trampa marota que só interessa aos donos dos partidos e que manipulam a elaboração das listas de candidatos, garantindo as vagas para os que têm prestígio. O quociente eleitoral definirá o número de vagas. O eleitor não votará no candidato, mas no partido e serão agraciados com os quatro anos de mandato segundo a lista partidária.

Trata-se de uma manobra sem a menor possibilidade de ser aprovada com as exigências de quorum de emenda constitucional. E se enche o olho da turma que manda nos partidos, morre na praia do baixo clero que sabe fazer as contas do seu interesse. O governo de perdulária gastança propõe abrir o cofre para o financiamento público de campanha. E que é uma medida moralizadora, mas inviável. Falando sério. Passou a hora da reforma política pois o governo jamais se interessou pela crise moral que corrói o Legislativo. Contribui para desmoralizar o Congresso, trancando a pauta com a enxurrada de medidas provisórias. Cerra os olhos, sussurra a desculpa de que não quer arranhar a independência dos poderes para justificar sua indolência e seu desdém pelas mazelas de um Congresso que não se dá ao respeito.

Por aí, o presidente Lula avança em campo minado. É claro que a doença do Legislativo é como uma lepra que se alastra e aumenta a cada ano no tecido gangrenado das mordomias, das vantagens, dos benefícios que transformaram o mandato conferido pelo voto do povo em um dos melhores empregos do mundo. A soma de múltiplas parcelas vai além dos R$ 100 mil mensais para uma semana estafante de três dias úteis.

E é por isso que soa em falso as justificativas do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), de que as prioridades das urgências do Congresso são a "alteração do trâmite das medidas provisórias, a reforma tributária". Mas, ressalva, "se houver espaço não há nenhum problema em retomarmos a votação da reforma política".

E não há mesmo. Entra ano, sai ano e a reforma política é debatida em seminários acadêmicos, discutida por especialistas na imprensa, tema de debate universitário e, lá uma vez ou outra, chega à tribuna parlamentar em acalorados debates e severas críticas pela indiferença do governo.

Os parlamentares têm coisas mais urgentes e tratar. À frente da fila o problema criado pela intromissão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou o nepotismo, uma das prendas mais estimadas do mandato parlamentar que garantia a distribuição em empregos e sinecuras pela parentela, de olho no prêmio melhor que bilhete premiado.

Foram duas pancadas na moleira: além do desemprego de filhos, noras, tios, primos do chefe da família e da esposa, a impopularidade em plena campanha eleitoral com a ultrapassagem pela toga.

Não é um caso perdido. Daqui até 2010, quando as urnas eletrônicas decidirão a sorte da ministra-candidata Dilma Rousseff e do candidato ou dos candidatos da oposição, dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais, muita coisa vai mudar.

É o que mantém acesa a chama da esperança.

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