Está em pleno vapor uma espécie de cruzada do governo para aumentar o
crédito na economia. Quer baixar a qualquer custo o spread bancário e induzir o
sistema bancário a elevar a oferta de crédito para estimular a economia. O
objetivo em si não está errado e deve ser perseguido, mas o caminho
aparentemente escolhido pode vir a ser desastroso e contraproducente.
Inicialmente, é necessário considerar que o crescimento da oferta de crédito
deve ocorrer sempre de maneira sustentada e sem aumento dos riscos sistêmicos.
A recente crise do subprime nos EUA e os problemas fiscais na zona do euro são
evidências claríssimas dos riscos do excesso de alavancagem e da imprudência na
concessão de crédito pelos bancos. Medidas do governo para forçar os bancos -
públicos ou privados - a emprestarem mais com taxas artificialmente baixas
podem levar à formação de bolhas no mercado de crédito com consequências imprevisíveis
para a estabilidade financeira sistêmica.
Assim, a cruzada do governo só faz sentido se baseada em agenda tecnicamente
sólida e com respaldo na atuação do Banco Central (BC) como responsável último
pela supervisão financeira no Brasil. Os motivos por que as margens financeiras
são elevadas no País são sobejamente conhecidos, principalmente a partir de
estudos conduzidos pelo próprio BC ao longo dos últimos anos. Tais estudos
permitem o estabelecimento de agenda de medidas com o intuito de reduzir os
spreads e aumentar a eficiência da intermediação financeira.
Mas a recente determinação do governo aos bancos públicos para baixarem as
taxas cobradas em suas operações de crédito indica a preferência por um caminho
alternativo para mais rapidamente alcançar o objetivo de diminuir os spreads,
através da provocação de uma "guerra de preços" no mercado bancário.
A estratégia, embora eventualmente benéfica para os clientes e a atividade
econômica no curto prazo, traz riscos evidentes sob o ponto de vista da
estabilidade financeira sistêmica e, no caso dos bancos públicos, também riscos
fiscais que não devem ser negligenciados.
Uma alternativa melhor seria, a partir dos insuspeitos trabalhos do BC sobre
a composição do spread bancário, retomar a agenda de ações para lidar com as
causas que estão na raiz do problema. Como se sabe, segundo estudo do BC
publicado em 2010 e disponível em seu site, em torno de 29% do spread se deve à
inadimplência dos tomadores de crédito; 22%, aos impostos; 12,5% correspondem aos
custos administrativos; cerca de 4%, à soma dos efeitos dos compulsórios, dos
subsídios cruzados e do recolhimento ao FGC. O restante, aproximadamente 32,5%
do spread, é atribuído à "margem líquida, erros e omissões".
Tal decomposição sugere a existência de múltiplos fatores a serem
enfrentados na busca por menores spreads. Uma mera observação a olho nu já
basta para constatar que parcela relevante do spread está ligada, direta ou
indiretamente, às políticas públicas, sejam tributárias, regulatórias ou de outra
natureza. Parece, pois, difícil avançar na questão dos spreads, sem que tais
políticas sejam, no mínimo, reavaliadas, obviamente não perdendo de vista os
legítimos objetivos de cada uma delas. Da mesma forma, baratear o crédito no
Brasil necessariamente passa pela redução da inadimplência, que hoje consome
quase 1/3 do spread. Não há como imaginar a queda sustentada da inadimplência
sem iniciativas que estão necessariamente no âmbito do governo, embora possa
haver contribuições importantes do setor privado para este objetivo.
Por outro lado, o aumento da eficiência do sistema bancário é igualmente
relevante para a queda dos spreads, aliás, como acertadamente salienta o BC no
estudo de 2010. Isso sugere que "parte da bola", pelo menos, está com
os bancos - públicos e privados, que devem se tornar cada vez mais eficientes
nas funções de intermediários financeiros.
Em suma, é necessário um permanente diálogo entre o setor bancário e o
governo, com vistas à implementação de medidas sustentáveis para redução de
spread, objetivo que deve ser atingido sem ameaças à estabilidade financeira.
Doutor em Economia pela EPGE/FGV, sócio-diretor da Tendências Consultoria
Integrada; foi presidente do Banco Central
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário