É uma velha tradição brasileira. Ao menor sinal de crise, os primeiros
cortes na economia vão para a cultura. Como se houvesse o que cortar. Com ou
sem crise, é de lei no Brasil que, na divisão do bolo orçamentário, a cultura
fique com o farelo e lamba os beiços. E tanto faz o governo. Está escrito há 40
mil anos, como diria Nelson Rodrigues, que a cultura viverá rastejando e sendo
pisada pelos governantes, podendo, no máximo, morder-lhes os calcanhares de vez
em quando.
Daí espanta saber que não é só aqui que essas coisas acontecem. Os governos
europeus, subitamente pobres, também estão impondo esse achatamento da cultura.
Verbas encolheram, subsídios foram reduzidos e os agentes culturais estão encolhendo
suas produções a elencos menores, menos cenários, menos mão de obra.
Mas, como comentou Larry Roh-ter no "New York Times", na Europa a
cultura não é uma mercadoria. "As pessoas devem ter o direito de ir à
ópera", disse a ele um funcionário do governo austríaco. Ou ao concerto,
diria um alemão. Ou aos museus, diria um holandês, um italiano, um francês. Ou
às cidades históricas e aos monumentos, diriam todos.
É possível avaliar o custo de tudo isso num orçamento nacional, mas não o
seu retorno. Quantos anos leva um garoto que foi hoje a um concerto para se
tornar um virtuose do piano -ou não? Quantos milhares de jovens visitantes aos
museus produzirão, um dia, um bom pintor -ou nenhum? Mas essa é uma conta que
não se deve fazer -a cultura é mesmo para dar prejuízo, e tudo bem.
Um dia, gostaria de ouvir de um membro do governo brasileiro que "As
pessoas devem ter o direito de conhecer o Aleijadinho". Ou o mestre
Valentim. Ou o padre José Maurício. Ou Debret. Ou Ernesto Nazareth. Ou Di
Cavalcanti. Ou Pixinguinha. Mas, se alguém já disse, nunca ouvi.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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