Quando celebramos no feriado nacional de hoje o martírio de Tiradentes, não temos
em vista a simples memorização do conteúdo histórico, mas sim a revivescência
dos sentimentos que levaram nosso antepassado a dar a vida pela liberdade. A
Conjuração Mineira de 1789 reuniu no mesmo ideal de autonomia política e
governo republicano, face à opressão portuguesa, intelectuais, militares,
religiosos, advogados, magistrados, mineradores, agricultores, comerciantes,
não esquecendo a colaboração escrava. Tiradentes era um conjurado de condição
socioeconômica simples. Apenas um alferes (antigo posto militar equivalente ao
atual de 2º tenente) de cavalaria, mais conhecido pelo apelido de profissão que
por seu nome de batismo: Joaquim José da Silva Xavier.
Descoberto e abortado o movimento libertário em fase preparatória, os
implicados foram identificados e presos. Acusados de crime de lesa-majestade:
rebelião e alta traição, instaurou-se a devassa (processo destinado a
investigar colhendo provas para apontar o culpado de um crime) a cargo de uma
junta especial de justiça, com plenos poderes dados pela rainha, denominada
Alçada em Relação, composta inicialmente por três desembargadores.
A devassa como autos do terror demorou três anos. Tiradentes, submetido a
longos, exaustivos e penosos interrogatórios e acareações, acabou confessando e
avocando a responsabilidade maior da conjuração. Dada a oportunidade de defesa
aos réus e encerrado o complexo e violento procedimento penal, adveio a
sentença (acórdão), que levou 18 horas para ser prolatada e consumiu 2 horas
para ser lida aos conjurados, causando pavor a todos, já fragilizados pelo
sofrimento e angústia de longos anos de isolamento e cárcere.
Foram 8 conjurados absolvidos e 26 condenados, sendo 10 deles à pena de
morte. Mas, como já acertado por graça antecipada da rainha, adveio a comutação
das penas por outras mais brandas, com grande alivio para os alquebrados
conjurados.
Somente Tiradentes não recebeu a graça da rainha piedosa. Foi condenado à
pena de morte na modalidade simples (morte natural por enforcamento), destinada
às classes inferiores. Havia mais duas modalidades: morte cruel (vida tirada
lentamente por suplícios) e morte atroz (vida tirada com detalhes brutais, como
incineração, esquartejamento etc). À pena principal de morte agregaram-se as
penas acessórias de: 1 – baraço (atar as mãos do condenado para evitar gestos
instintivos de defesa); 2 – pregão (dar grande publicidade ao ato); 3 –
decapitação e esquartejamento com exposição pública até o consumo pelo tempo; 4
– destruição e desinfecção da moradia e fixação de marco; 5 – confisco de bens
para a Coroa; 6 – declaração de infâmia extensiva a filhos e netos.
A crueldade das penas acessórias caracterizavam a face brutal do regime
punitivo. Vigorava o direito penal do terror estabelecido pelas ordenações
filipinas. Ao condenado negou-se o sagrado direito à sepultura. Nem a Jesus
Cristo, condenado por crime de sedição, em outra era menos civilizada, foi
negado esse direito natural.
Tiradentes não desesperou com as penas recebidas. Visitado na cela pelo
carrasco, quis, por humildade, beijar-lhe as mãos. Na manhã ensolarada de
sábado dia 21 de abril, vestindo uma alva, segurando firmemente um crucifixo e
sob os olhares assustados do povo, percorreu apressadamente em procissão o
longo caminho até o patíbulo. Não exteriorizou medo e sofrimento diante da
morte iminente. Subiu rapidamente os 20 degraus do patíbulo. Foi firme.
Controlou o pavor e manteve-se em posição altiva. Chegou a pedir ao carrasco
que fizesse logo seu serviço. Mas teve que aguardar sob sol ardente toda a
encenação militar e religiosa montada para a sua execução, pois, afinal, era
necessário que a Coroa portuguesa mostrasse e afirmasse seu poder sobre os
súditos num memorável exemplo.
Pouco depois das 11 horas, viu-se cair suspenso a balançar o corpo inanimado
de Tiradentes, cena que causou profunda impressão na multidão, que se comprimia
para assistir ao abominável espetáculo.
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, aos 45 anos de idade, entrou
para a história do Brasil como promártir da independência e da República.
Condição que foi oficialmente reconhecida com o decurso de 98 anos, logo no
início da República, em 1890. É considerado o maior herói nacional. Patrono
cívico da nação brasileira. Figura, com outros heróis nacionais, no Panteão da
Pátria e da Liberdade, na Praça dos Três Poderes em Brasília, onde,
solenemente, resta perpetuada e venerada sua memória como expressão do mais
alto sentimento de brasilidade.
Juiz de Direito - Membro do Instituto Histórico e Geográfico de MG
FONTE: ESTADO DE MINAS
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