A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92) mobilizou governos e as organizações da sociedade civil de uma forma extraordinária: mais de cem chefes de Estado participaram e cerca de 100 mil pessoas compareceram aos eventos que se desenvolveram na ocasião em torno dela. Essa conferência - também chamada Cúpula da Terra - foi preparada por personalidades carismáticas, como Maurice Strong, e contou com o apoio entusiástico do governo federal. Havia na época um senso de urgência quanto à necessidade de agir diante dos problemas ambientais que ameaçam o bem-estar da humanidade, como o aquecimento da Terra e as consequentes mudanças climáticas.
Como resultado, a Rio-92 adotou documentos importantes, como a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21, um roteiro bastante detalhado para um desenvolvimento sustentável. A palavra-chave que entrou no vocabulário de todos desde então foi sustentabilidade, que significa crescimento econômico de um tipo que não comprometa o futuro.
Sucede que "futuro" pode ter significados diferentes: para um político eleito, futuro significa quatro ou talvez oito anos, que dificilmente podem ser prorrogados, e preocupações imediatistas têm prioridade nas suas ações. Não são comuns os dirigentes que apresentam nos seus quatro ou oito anos de exercício no cargo visões de longo prazo. No caso brasileiro, talvez o presidente Juscelino Kubitschek seja o exemplo mais favorável que tivemos, com a criação de Brasília e a implantação da indústria automobilística no País, por mais controvertidas que fossem.
Em 1992, os chefes de Estado presentes no Rio concordaram que o aquecimento global e a perda da biodiversidade - que tem origem na ação do homem - representavam uma séria ameaça à humanidade e providências urgentes tinham de ser tomadas para enfrentá-las. Esse senso de urgência, porém, se perdeu ao longo dos últimos anos por causa das guerras no Oriente Médio, das crises econômicas e da falta de liderança.
Por essas razões a Rio+20, convocada pela Organização das Nações Unidas, corre o risco de ser um evento sem maior significado histórico, diferentemente do que foi a Rio-92, e não atrair um número significativo de chefes de Estado. Para ser realista, é o caso de perguntar: por que razão chefes de Estado, enfrentando as turbulências da crise econômica nos seus países, se deslocariam para o Rio de Janeiro? Para tirar belas fotografias do Pão de Açúcar e não adotar resoluções que sejam relevantes para a população dos seus países?
Os problemas imediatos que esses governantes enfrentam ocupam suas agendas e prioridades. E preocupações com mudanças climáticas podem parecer menos urgentes. Essa visão, contudo, é completamente equivocada e se não for alterada a tempo vai transformar a Rio+20 num evento medíocre e possivelmente embaraçoso para o governo brasileiro.
A verdade é que as ameaças à sustentabilidade do desenvolvimento, que foram reconhecidas em 1992, não só não desapareceram, como se tornaram ainda maiores. É essa realidade que acaba de ser relembrada por um eminente grupo de laureados com o Prêmio Planeta Azul - considerado por muitos o Prêmio Nobel da área ambiental -, que se reuniu recentemente em Londres. Só para dar um exemplo, os cientistas dizem claramente em sua análise ser inevitável o aumento da temperatura do planeta em mais de 3 graus Celsius até 2050, superando o limite até agora aceito de 2 graus, com todas as suas graves consequências.
No caso do Brasil, esse aumento de temperatura vai implicar maior precipitação de chuvas na Região Sudeste e menor na Amazônia, que ficará mais seca. Mais ainda, a precipitação será mais intensa em períodos de tempo menores, o que já está acontecendo em São Paulo, com as chuvas torrenciais todas as tardes no verão. Vale a pena mencionar também o aumento dos eventos climáticos e hidrológicos extremos, como enchentes, secas, temperaturas extremas, cuja frequência anual era de 400 em 1980 e dobrou nos últimos 30 anos.
O grupo reunido em Londres identificou também uma série de medidas que precisam ser implementadas com urgência, mas não estão contempladas no documento preparado pelas Nações Unidas e que será a base das discussões na Rio+20. A ideia central constante nesse importante documento é a de que a linguagem prevalente nas empresas - para as quais o desenvolvimento sustentável tem três pilares: econômico, social e ambiental - não se aplica a governos, para os quais o pilar ambiental é o essencial. Isso porque, se esgotarmos os recursos naturais com a exploração predatória, não haverá desenvolvimento econômico e muito menos justiça social. Daí a ideia de uma transição para uma "economia verde", que foi proposta como caminho a seguir, no qual as causas do aumento de temperatura da Terra seriam removidas.
A posição do governo brasileiro nessa questão é ambígua, reformulando a ideia da economia verde para uma "economia verde abrangente", com o objetivo de incluir suas atividades na área social como "bolsa-família".
Finalmente, aqueles mesmos cientistas apontam para o fato de que promover o desenvolvimento sustentável não pode ser apenas tarefa dos ministérios do meio ambiente, mas dos governos como um todo, os quais precisam entender que não existe conflito fundamental entre crescimento econômico e preservação ambiental.
A proposta atual em discussão para a Rio+20 apenas reafirma as decisões do passado, principalmente as tomadas em 1992, mas não avança nem olha para o futuro. É preciso incluir nessa proposta uma agenda positiva, que o Brasil poderia liderar.
Professor emérito da Universidade de São Paulo. É um dos laureados com o prêmio Planeta Azul
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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