Não resta dúvida de que o estado de saúde de Hugo Chávez se agravou. Ele
próprio admitiu o fato ao implorar publicamente a Jesus que não o levasse
ainda. O apelo dramático deu-se no início deste mês de abril, em missa
televisionada para todo o país. A hipótese de que ele não tenha condições
físicas de disputar as eleições de outubro deixou de ser possível para se
tornar provável. Assim, desenhou-se no horizonte o espectro da alternância no
poder, o maior temor do chavismo. De fato, se as pesquisas servem de indicação
a esta altura, seis meses antes do pleito, quaisquer dos candidatos do governo,
exceto o próprio Chávez, seriam derrotados por Henrique Capriles, o candidato
único das oposições.
Para um movimento político que se apoderou do Estado, agigantou-o e o
transformou em instrumento para o exercício arbitrário do poder, ainda que sob
a fachada de um regime constitucional e democrático, essa é uma perspectiva
aterrorizante. Para alguns, inaceitável.
Ainda em novembro de 2010, o general Henry Rangel, chefe de órgão de cúpula
das Forças Armadas, disse com todas as letras, em entrevista à imprensa, que em
caso de vitória das oposições o povo e os militares se rebelariam. Chávez não
apenas não o condenou, senão que o promoveu a uma patente ainda mais alta no
generalato. Em janeiro de 2012 nomeou-o ministro da Defesa. Semanas atrás, o
general Henry Rangel voltou a declarar inaceitável a vitória das oposições.
Chávez afirmou que a aceitaria, sem, no entanto, repreender o subordinado. Ao
mesmo tempo, o presidente venezuelano propala a ideia de que as oposições, com
ajuda dos Estados Unidos, planejam promover a convulsão social para justificar
um golpe de Estado. Como parte dessa encenação política, formou um comitê
civil-militar com o suposto objetivo de evitar a subversão oposicionista. E
ordenou ao serviço de inteligência que vigiasse governadores e prefeitos da
oposição, assim como os comandantes de suas respectivas forças policiais, para
prevenir que levassem a cabo o tal plano de desestabilização política.
Todos esses são fatos, amplamente noticiados pela imprensa. A eles se juntam
indícios igualmente preocupantes. Em artigo recente, o jornalista venezuelano
Nelson Bocaranda afirma ter havido em Havana uma reunião entre oficiais da alta
cúpula das Forças Armadas da Venezuela e dirigentes do regime cubano, entre
eles o próprio Raúl Castro. Os participantes do encontro teriam discutido a
hipótese de empregar as Unidades de Proteção ao Presidente, forças especiais
diretamente ligadas a Chávez, treinadas e/ou formadas por cubanos, para
realizar atos de provocação que seriam atribuídos à oposição e justificariam
uma intervenção militar para a manutenção do regime chavista. Não custa lembrar
que Cuba depende vitalmente da ajuda econômica da Venezuela e que os cubanos
conhecem exatamente o real estado de saúde de Chávez. Ou seja, estão
interessados na manutenção do regime e sabem que ele está em perigo.
Se não podemos afirmar com certeza a veracidade do que escreveu Bocaranda,
por outro lado não pode haver dúvida de que algum tipo de intervenção militar
nos próximos meses é uma hipótese real na Venezuela. E se ela vier a ocorrer,
será pelas mãos do chavismo, com ou sem o seu líder no comando do processo, pela
simples razão de que hoje as oposições, mesmo os seus setores menos
democráticos, agora minoritários, não dispõem de apoio nas Forças Armadas nem
do auxílio de "milícias populares". As armas estão com Chávez e os
seus.
É difícil imaginar que uma intervenção armada viesse a produzir um governo,
para não dizer um regime, capaz de perdurar no tempo. Provavelmente o poder
emergente teria vida curta, mas decerto lançaria a Venezuela numa escalada de
instabilidade e violência que faria empalidecer, pela duração e intensidade, a
lembrança do caos provocado pelo "Caracazo", em 1989.
Naquela ocasião, a capital do país virou de pernas para o ar em meio à
revolta popular contra a política econômica do então presidente Carlos Andrés
Pérez, ao final duramente reprimida pela polícia e pelo Exército, deixando
mortos e feridos. Desta vez, haveria o enfrentamento entre dois blocos sociais
e políticos completamente antagonizados, fraturando a sociedade e as Forças
Armadas, num país onde a violência e a disseminação de armamentos já alcançaram
níveis alarmantes.
A Venezuela tem 30 milhões de habitantes, é um grande exportador de
petróleo, tem uma das maiores reservas provadas desse combustível fóssil no
mundo e é a quarta maior economia da América do Sul. O que vier a acontecer
nesse país terá repercussões na região. No governo Dilma Rousseff, o Brasil tem
mantido uma atitude de maior afastamento em relação a Chávez e ao que ele
representa, apesar da proximidade de seu assessor especial para Assuntos
Internacionais, Marco Aurélio Garcia, com o governo venezuelano (são próximas
também as relações de José Dirceu com personagens do regime chavista).
Chegou a hora de o Brasil enviar um recado claro a Hugo Chávez e aos seus: o
governo brasileiro não ficará quieto e passivo se houver, sob qualquer
justificativa que seja, um intento de golpe ou autogolpe para evitar o
transcurso normal do processo eleitoral, já de si muito comprometido pelas
arbitrariedades do regime chavista.
A presidente Dilma saberá avaliar o modo e os meios para enviar esse recado.
Poderá tomar iniciativa isolada ou se articular com outros chefes de Estado
sul-americanos, em especial com o hábil e capaz presidente Juan Manuel Santos,
da Colômbia, país vizinho e importante parceiro comercial da Venezuela. Poderá
até mesmo se valer dos bons ofícios de seus auxiliares e companheiros de
partido que privam da intimidade do atual governo venezuelano.
Só não poderá omitir-se na hora grave que vive a Venezuela.
Sergio Fausto, diretor executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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