"Essa pode ser a CPI mais sangrenta da História". (Senador Valdir
Raupp, RO, presidente do PMDB)
Um veterano senador procurou o colega José Sarney (PMDB-AP) tão logo se
convenceu da criação da CPI que investigará eventuais crimes cometidos pelo
bicheiro Carlinhos Cachoeira e sua gangue. "Aqui no Senado somos os mais
experientes em matéria de CPIs. Essa vai dar no quê?" – perguntou.
"Em merda. E nos caberá limpá-la", ouviu de Sarney.
CPI é instrumento de luta da oposição. Governo é exterminador de CPIs. O que
as CPIs apuram é remetido ao Ministério Público. A do Cachoeira será uma CPI
pelo avesso. A oposição jamais cogitou dela. O PT cogitou e conseguiu montá-la.Tudo
o que a polícia e Ministério Público apuraram desde 2009 servirá para dar
partida à CPI.
Não lembro de político conhecido, filiado a qualquer partido, que tenha
feito uma defesa entusiasmada da CPI do Cachoeira. Há um silêncio ensurdecedor
a respeito, principalmente dos governadores. É como se todo mundo pensasse
assim: "Com toda a certeza vai dar merda". É da natureza das CPIs.
Lula é o pai da CPI do Cachoeira. Dilma recusou-se a ser a mãe. A CPI foi
concebida para alcançar dois objetivos. O primeiro: enlamear a biografia do
maior número possível de políticos e de administradores públicos no ano em que
a Justiça poderá julgar o caso do mensalão. Assim, a conta do mensalão ficará
menos pesada para o PT.
Lembra daquele personagem de Chico Anísio dono do bordão "Sou, mas quem
não é?" No passado remotíssimo, o PT se dizia um partido imaculado — os
outros é que eram sujos. Uma vez que chegou ao poder acabou ficando tão sujo
quanto os outros. Hoje, o PT se esforça em demonstrar que os outros são
iguaizinhos a ele.
O segundo objetivo da CPI inventada por Lula em parceria com José Dirceu e o
PT: disputar com o julgamento do mensalão a atenção do distinto público. Desse
ponto de vista, reconheça-se, o objetivo foi alcançado antes mesmo de a CPI deslanchar
de vez. Por ora, fala-se mais dela do que do julgamento dos mensaleiros. Em
compensação...
Em compensação, o processo do mensalão se arrastava preguiçosamente no
Supremo Tribunal Federal (STF). O voto do relator, ministro Joaquim Barbosa,
está pronto. Mas para que o julgamento comece falta o voto do ministro-revisor
Ricardo Lewandowski. O barulho provocado pela CPI obrigou Lewandowski a
trabalhar mais rápido.
Ainda não é certo que o STF julgue neste ou no próximo semestre os 38 réus
do mensalão. Porém, já foi mais incerto. Um denso clima de pressa se impõe nos
gabinetes dos 11 ministros. E na maioria deles se aposta que o destino dos
mensaleiros será definido por um ou dois votos de diferença. Talvez três. A
depender.
A depender do ministro Antonio Dias Toffoli, que ainda não sabe se votará.
Toffoli foi assessor do líder do PT na Câmara dos Deputados entre 1995 e 2000.
Advogado do PT nas duas campanhas presidenciais de Lula, trabalhou com Dirceu
na Casa Civil de 2003 a 2005. Lula o nomeou Procurador Geral da República e
ministro do STF.
Embora ainda se mexa, a primeira vítima da CPI do Cachoeira jaz estendida no
chão — a empreiteira Delta de Fernando Cavendish, dona de obras de porte em
todos os estados brasileiros. Cautelosa, Dilma autorizou a Controladoria-Geral
da União a abrir processo para avaliar se a Delta deve ser declarada inidônea e
proibida de participar de licitações oficiais.
Dilma finge que não se mete com a CPI. Diz que ela é assunto afeito
unicamente ao Congresso. Fatura a imagem de boa moça que não teme a apuração de
malfeitos. Menos, menos! À sombra, Dilma influencia na indicação de nomes para
a bancada do governo na CPI. E exige ser ouvida sobre qualquer coisa que se
passe por lá.
Compreensível que se comporte assim. O que fascina numa CPI é que nem o
presidente da República, por mais forte que seja, pode dormir em paz enquanto
ela durar. Um boy, uma secretária ou um motorista são capazes de tirar o sono
do presidente e deixar o país com a respiração suspensa.
FONTE: O GLOBO
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