As iniciativas da presidente Dilma Rousseff no combate à corrupção e aumento da transparência governamental têm resultado, inegavelmente, em ganhos de popularidade importantes, revertendo um legado negativo do governo Lula. A Lei de Acesso à Informação representa, de fato, um avanço notável. Aprovada em novembro do ano passado, o decreto de regulamentação foi publicado no dia 16 de maio. A euforia em torno da lei obscurece o fato de que o Brasil foi um dos últimos países a aprovar uma lei desse tipo. Segundo a Freedominfo, que monitora a aprovação dessas iniciativas, nos últimos 20 anos 89 países instituíram leis de acesso à informação e nos últimos 10 anos mais de 50 países o fizeram. Na América Latina, tais leis foram aprovadas na Colômbia (1985), México (2002), Guatemala (2002), Panamá (2002), Peru (2002), Argentina (2003), Equador (2004), República Dominicana (2004), Bolívia (2005), Honduras (2006), Nicarágua (2007), Uruguai (2008), Chile (2008) e El Salvador (2011).
Apresentado o projeto de lei em 2003, o governo Lula não demonstrou interesse em sua aprovação e a tramitação legislativa levou oito anos. A escolha de um órgão de controle interno subordinado ao Executivo - a CGU - como órgão coordenador é insólita e revela esforço deliberado de preservar o controle governamental sobre o processo. Mas por que a demora na aprovação e por que a iniciativa atual?
Iniciativas de governos para facilitar acesso a informações representam um paradoxo: têm o potencial de vulnerabilizar quem está no poder. Por que atar as próprias mãos, facilitando o acesso a informações? Tipicamente, transparência é bandeira da oposição. Há poucos cenários nos quais essa conclusão não se aplica: governantes recém-chegados ao poder podem beneficiar-se com a divulgação de informações (em geral negativas) sobre seus antecessores e honrar antigas bandeiras políticas. O caso típico é aquele em que há mudança de regime, com a chegada ao poder de novas elites políticas. No entanto, uma vez que uma nova elite ou regime se consolida no poder, os incentivos mudam e ocorre o que a literatura especializada denomina de inconsistência temporal: surgem incentivos fortes para voltar à "intransparência". Isso parece ter acontecido no governo Lula devido ao mensalão, que levou a uma forte reação contra a mídia e contra a transparência em geral. O fato de que o governo manteve-se inerte durante a tramitação da Lei da Ficha Limpa é também revelador. Medidas de limitação à atuação do TCU e simultâneo fortalecimento da CGU vão na mesma direção.
A quem interessa a transparência e o que se espera dela?
Mas as medidas de transparência recentes também trazem outros benefícios para a presidente além de popularidade e embutem uma estratégia de "blame-shifting": ganhos gerenciais ao elevar os controles sociais sobre os desvios da burocracia em relação à agenda presidencial, ganhos fiscais ao expôr os desperdícios e altos gastos de pessoal etc. Esses custos atingem também parceiros indesejáveis (ex. ministros fora de controle) da coalizão governamental ou o governo anterior. Outros atingem atores externos ao Poder Executivo - Judiciário, Legislativo, governos subnacionais. Finalmente, há os expressivos ganhos reputacionais no plano internacional. Como se sabe, o governo Obama, cuja marca é transparência e governo aberto, escolheu o Brasil para a "open government partnership", lançada em julho de 2011, e que antecedeu em poucos meses a aprovação da nova lei.
Mas o que se espera da transparência? Maior controle social dos cidadãos sobre os governantes! E o que fazem os cidadãos com a informação que passam a dispor: punem os desmandos, a ineficiência e a corrupção?
Juntamente com dois cientistas políticos - Lúcio Rennó e Ivan Jucá - examinamos essa questão com dados da cobertura da imprensa escrita nacional e estadual sobre todos os casos de corrupção envolvendo o conjunto de deputados federais na 53ª legislatura (2007-2010). Como a informação sobre a corrupção afetou as chances de reeleição desses parlamentares nas eleições de 2010? Agregando informações sobre custo de campanha, percentagem de votos obtidos nas eleições de 2006, valor das emendas ao Orçamento executadas, alinhamento com o governo federal etc., estimamos que informações veiculadas sobre envolvimento em corrupção reduziram as chances de reeleição em 11,9%.
Será que a mera informação sobre ilícitos cometidos inibem candidaturas ou levam à opção pelo que chamamos "ambição regressiva" (quando o parlamentar opta por se candidatar a cargos menos importantes, como vereador ou deputado estadual). Levando em conta, entre outros fatores, idade do parlamentar, numero de mandatos, percentagem de votos na eleição anterior, estimamos que a exposição na imprensa leva a uma redução na probabilidade de recandidatar-se em 6,4%.
Esses dados sugerem que a divulgação de informações produz efeitos não triviais, mas ainda longe de ter impacto decisivo. O escândalo do mensalão não parece ter tido o efeito que outros eventos semelhantes tiveram como choque de informação que produz mudança estrutural no ambiente informacional. Golden e Chang identificaram esse efeito no caso da operação "mani pulite", na Itália. Examinando a série histórica desde 1947 descobriram que, antes desse caso, os pedidos judiciais de permissão para processar parlamentares não tinham nenhum efeito sobre a reeleição, mas depois eles passaram a ser decisivos. Já que não parece ter ocorrido um choque forte no caso brasileiro, cabe apenas esperar, pelo menos, que o julgamento do mensalão possa ter um efeito histórico. Aí sim a transparência das informações produziria o que se espera dela.
Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante de ciência política da Yale University e do MIT.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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