A decisão da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar 10 réus
do mensalão também por formação de quadrilha não foi apenas coerente com o
caminho percorrido pelos juízes, que ao longo de 39 sessões impuseram 70
sentenças condenatórias a 25 dos acusados de participar do escândalo, na linha
da denúncia do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, endossada pelo
relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Os 6 votos que prevaleceram em
plenário na segunda-feira, entre os 10 ministros da Corte, quebraram um tabu e
abriram a perspectiva de se transformar de forma substancial o combate à
corrupção no País. O crime compensará menos, muito menos, e a chance de seus
autores ficarem impunes, ou quase isso, finalmente começará a diminuir.
Variando de 1 a 3 anos de prisão, a pena por formação de quadrilha não se
destaca pela severidade. No caso do delito de corrupção ativa, para comparar, o
castigo começa com 2 anos e pode chegar a 12. Mas, somando-se à punição por
esse e outros ilícitos, poderá fazer a diferença entre o seu cumprimento em
regime semiaberto ou fechado. Além disso, e principalmente, o veredicto do STF
priva os culpados do velho estratagema de alegar mera coautoria dos crimes
cometidos, quando os seus protestos de inocência já tiverem sido desmontados
pela força dos fatos conhecidos. Os principais mensaleiros, julgou o Supremo
Tribunal, fizeram mais do que se acumpliciar para desviar recursos públicos -
R$ 153 milhões, nos cálculos do presidente Carlos Ayres Britto - para favorecer
o governo Lula na Câmara dos Deputados.
Assim como Britto, cinco de seus pares entenderam que os acusados formaram o
que em direito se chama societas sceleris, uma organização delinquente
estruturada e duradoura - no caso, sob inspiração, certamente, de Lula e
efetivo comando do ministro José Dirceu - concebida para cometer crimes que podem
ser sempre os mesmos, ou não. "Em mais de 44 anos de atuação na área
jurídica", avaliou o decano da Corte, Celso de Mello, "nunca
presenciei caso em que o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente
caracterizado." De seu lado, o ministro Luiz Fux ressaltou o "elo
associativo", durando mais de dois anos, para a prática de crimes
variados. "O conluio entre os réus não era transitório." Apenas se
poderia especular sobre a sua longevidade e seus novos atentados à ordem
republicana, se o esquema não tivesse sido denunciado em 2005.
Se a quadrilha continuasse apta a agir como vinha fazendo, por que à compra
de votos de políticos não se seguiriam outras operações que golpeariam o Estado
Democrático de Direito para o PT deitar raízes no poder? Não seria o presidente
Lula quem iria impedi-la. Foi contundente, nesse sentido, o pronunciamento do
ministro Marco Aurélio Mello. Ele lembrou apropriadamente o que dissera ao
assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2006, quando
criticou Lula por "enterrar a cabeça para deixar o vendaval (do mensalão)
passar". Sem rebuços, notou que "mostraram-se os integrantes
afinados, em número sintomático de 13", numa referência direta ao RG
eleitoral do PT. "O entendimento se mostrou perfeito. A sintonia estaria a
lembrar a máfia italiana."
Tentando tapar o sol com peneira, os petistas acusam o STF de
"criminalizar a política", como se os arranjos entre os seus
dirigentes e os de outras agremiações configurassem negociações legítimas para
o fechamento de acordos de mútua conveniência, rotineiros nas relações entre os
partidos e os governos de turno. Na realidade, mais de um ministro fez questão
de apartar a política do lamaçal. "Não se está a incriminar a atividade
política, mas a punir aqueles que não a exerceram com dignidade, preferindo
transgredir as leis penais do País com o objetivo espúrio de controlar o
próprio funcionamento do aparelho de Estado", ressalvou, por exemplo,
Celso de Mello. "Não estamos a condenar políticos, mas autores de crimes."
E o relator Joaquim Barbosa foi exemplar ao indicar o alcance da inculpação dos
quadrilheiros de terno e gravata, cujos atos abalam a ordem social. "Ou só
indivíduo que mora no morro e sai atirando loucamente é que abala?"
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