A última sessão de votação sobre o mérito da denúncia do mensalão proporcionou
um desfecho de precisão magistral contida na constatação do ministro Celso de
Mello: "Estamos a condenar não atores ou agentes políticos, mas agentes de
crimes".
Não foi um mero resultado de 6 a 4 pela condenação dos réus nem só a
confirmação de que uma quadrilha tomou de assalto o aparelho de Estado atuando
por dois anos e meio sob as vistas do então presidente Luiz Inácio da Silva.
Foi bem mais que isso: deu-se a indispensável separação entre a atividade
política e o exercício da ilegalidade continuada. Por ora uma dissociação
teórica, mas que servirá à melhoria das práticas pelo que encerra de exemplar.
O decano da corte expressou-se mais uma vez didático. Deu às coisas os nomes
que elas realmente têm. O processo que agora se encerra tratou de delinquência
pura e simples, não julgou o exercício da política.
Se esta foi contaminada por aquela, mais que depressa é preciso sanear o
ambiente. Em primeiro lugar não confundindo as duas, muito menos se
justificando uma (a política) com a outra (a ilegalidade) como se houvesse aí
uma relação de indissociável dependência.
Em outras palavras, não precisa ser assim, não deve ser assim e, se houver
quem ainda insista que assim seja está consignado pelo Supremo Tribunal
Federal: seus autores não esperem ser tratados como políticos, pois serão
vistos como os meliantes que efetivamente são.
Criminosos comuns, passíveis de cumprir pena de prisão, comparados a
mafiosos e a bandidos de facções que infestam as grandes cidades.
Pessoas que, daqui em diante, não terão como recorrer ao discurso de que as
urnas os absolvem, pois, como disse o ministro Celso de Mello, "votações
expressivas, embora significativas, não constituem causas para a extinção da
punibilidade".
Na sessão do "fecho" do processo, destacaram-se também os
ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ayres Britto na
exposição detalhada do caráter social e legalmente pernicioso da atuação desse
tipo de quadrilha.
Celso de Mello, porém, foi ao ponto que ainda não havia sido esmiuçado ao
dizer que urna não é lavanderia de ilícitos, voto não é indulto e eleição não
torna ninguém imune às exigências do devido processo legal.
Prestação de contas. Sem
pretender discutir o mérito da convicção de cada um, é de se registrar uma
acentuada diferença entre os votos que absolveram e os que condenaram os réus
por formação de quadrilha.
As absolvições foram rápidas – à velocidade de um relâmpago no caso do
ministro Dias Toffoli – sem grandes argumentações, enquanto as condenações se
escoraram em longas fundamentações doutrinárias, jurídicas, sociais e morais.
Tiveram, assim, maior peso no tocante à explicação ao público sobre os
motivos que levaram à formação do voto.
Nem me fale. O ministro Marco
Aurélio Mello contou no voto final do processo um "bastidor" de 2006,
quando avisou ao presidente do Senado que seria melhor o presidente Lula não ir
à posse dele na presidência do Tribunal Superior Eleitoral porque no discurso
daria um forte "recado".
A mensagem ficou inscrita entre peças memoráveis e falava da "rotina de
desfaçatez" que havia tomado conta da República. Marco Aurélio dava ali a
indicação de que o clima preponderante no STF era de tolerância zero e pela
primeira vez desmascarava as entranhas do escândalo.
Pois bem. Mesmo sem saber do conteúdo do discurso, Lula – que voltava de uma
viagem ao Chile e já havia posto a posse de Marco Aurélio na agenda – achou
melhor não ouvir e desistiu de ir.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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