quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Outros crimes da política - Tereza Cruvinel

Para mudar de fato a cultura política, o STF terá que criminalizar muitas outras práticas correntes e condenar muitos outros agentes. Poderia começar pela liberação de emendas parlamentares para os partidos aliados, uma prática dos governos federal e estaduais
Com o fim do julgamento da ação penal do mensalão, proliferam louvores ao Supremo Tribunal Federeal (STF) e apregoa-se que estamos diante de um marco de mudança. O presidente da Corte, ministro Ayres Britto, dizia a esta coluna na segunda-feira que, apesar do sono fatiado pelo julgamento, conforta-se com a certeza de que ele terá um efeito salutar sobre a cultura política. Delitos diversos ocorreram, 25 réus foram condenados e pegarão penas pesadas. Recursos virão, mas não impedirão as prisões, quem sabe a exposição de punhos notórios algemados. Apesar dos excessos cometidos, que ainda serão debatidos, o STF sai fortalecido e reconhecido. Mas, "data vênia", como dizem seus ministros, entre o resultado do julgamento e a mudança da cultura política, continuará havendo distância oceânica. Para mudá-la de fato, o Supremo terá que criminalizar ainda muitas outras práticas correntes e condenar muitos outros agentes. Poderia começar considerando como peculato a liberação de emendas parlamentares para os partidos aliados, prática do governo federal e dos governos estaduais.

O dever de casa do STF, para continuar mudando o país, não é (apenas) julgar outros processos e mensalões que tramitam no Judiciário. É tornar permanente sua ação profilática contra a doença do sistema político. Não apenas contra essas metástases que afloram sob a forma de escândalos. Quem ouviu, ao longo de 41 sessões, a narrativa conduzida pelo relator Joaquim Barbosa e acolhida pela maioria dos ministros pode até achar que as penas estão sendo brandas. Há internautas dizendo isso. O porém da narrativa do relator é que ela e seus rascunhos (que tiveram como autores o relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio, e o então procurador-geral, Antonio Fernando) ignoram o contexto dos delitos: o funcionamento do sistema político-eleitoral e do presidencialismo de coalizão. O ministro Celso de Mello advertiu que voto não é salvo-conduto para o delito nem indulta criminosos. Forte e preciso. Mas o problema é que nosso sistema político estimula não apenas o caixa dois ou o financiamento irregular de campanhas, mas outros delitos, como a corrupção ativa e passiva e o peculato. E a lavagem de dinheiro, no sentido que lhe deu agora o STF. Político não põe a mão em dinheiro. Sempre usa terceiros. Estarão sempre "lavando", pela nova jurisprudência.

Para mudar mesmo a cultura política, o STF terá de criminalizar a distribuição de cargos entre partidos aliados. Qual o governo, nas três esferas da federação, que não faz isso? E o fazem buscando aquilo que o ministro Marco Aurélio definiu como objetivo do mensalão: fidelizar uma base aliada. Talvez seja mais um caso de peculato: uso de bens públicos com propósitos políticos específicos. Pode também ser peculato a liberação de emendas orçamentárias para partidos aliados. É dinheiro público como o da Visanet, embora este vá ser um ponto ainda muito contestado. A "auditoria" do jornalista Raimundo Pereira (Retrato do Brasil) no contrato indica que os R$ 73 milhões foram aplicados em ações publicitárias, e não usados para comprar deputados, como repetiu ontem o relator. A sentença é irrecorrível, mas se o PT um dia fizer sua narrativa verdadeira do caso, terá que abordar isso. Entretanto, o assunto aqui são as emendas, mecanismo que todos os governantes usam escandalosamente para "fidelizar aliados".

Sem fidelizar aliados, como ter maioria e governar? O STF teria uma resposta ou proposta? A mais elementar seria reduzindo o número de partidos. Mas quando foi tentada uma barreira, o STF rechaçou a mudança na lei.

Barbosa voltou a falar ontem da busca de uma "contribuição" junto à Portugal Telecom para resolver problemas do PT e garantir o repasse prometido ao PTB/Roberto Jefferson para o pleito de 2004. Ele talvez não saiba, mas todos os partidos buscam (e recebem) contribuições das empresas que têm negócios com o governo. Claro que é reprovável, mas tais contribuições nunca foram tidas como "vantagem indevida" pelos tribunais. No pleito deste ano, devem ter ocorrido fartamente, longe dos tribunais. Contra isso, adote-se o financiamento exclusivamente público e uma lei rigorosa para Barbosa e seus pares aplicarem aos que a transgredirem.

O espaço é curto para tantas outra práticas que precisam ser criminalizadas. São de amplo conhecimento. Talvez não apenas do Supremo.

O futuro do PT

Seguindo com o processo de dosimetria penal para os réus da Ação Penal 470, o Supremo deve começar hoje a fixar as penas do ex-ministro José Dirceu. Seja qual for a ordem de "apenamento" fixada pelo relator Joaquim Barbosa, o PT está mais uma vez na encruzilhada. Governa o país há 10 anos, a atual presidente é bem avaliada e, no domingo, o partido deve colher expressivas vitórias eleitorais. Mas o julgamento deixa uma ferida na história da sigla e de dois quadros importantes de sua elite dirigente.: Dirceu e José Genoino já foram condenados e estarão, como vem dizendo o próprio Dirceu, "politicamente mortos". Outro quadro importante, o ex-ministro Antonio Palocci, já queimou duas "vidas" em escândalos. Uma no caso do sigilo bancário de um caseiro, outra no episódio das consultorias e da evolução patrimonial. Não deve ter uma terceira chance.

Lula não apenas seguiu sua "intuição eleitoral" ao lançar Fernando Haddad candidato à Prefeitura de São Paulo, identificando anseios do eleitor por novidades. Certamente mirava também o futuro do PT, um partido que precisará produzir uma nova elite depois do julgamento do chamado mensalão.

Fonte: Correio Braziliense

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