O Supremo estabeleceu ontem os parâmetros básicos para a condenação do
ex-ministro José Dirceu, considerado o "chefe da quadrilha" do
mensalão. A maioria, à exceção costumeira dos ministros Ricardo Lewandowski e
Dias Toffolli, votou pela condenação do publicitário Marcos Valério proposta
pelo relator Joaquim Barbosa a sete anos e oito meses pelo crime de corrupção
ativa em regime de continuidade delitiva.
Anteriormente, Valério já havia sido condenado a dois anos e 11 meses por
crime de quadrilha, os mesmos crimes de que é acusado Dirceu. A soma dos dois
dá uma pena de dez anos e sete meses, suficiente para que a condenação seja cumprida
em regime fechado pelo menos por um ano e sete meses. No entanto, a pena de
Dirceu para os crimes de corrupção ativa deve ser maior, pois ele, além de
chefiar todo o esquema, era o principal ministro do governo na ocasião dos
crimes, o que só agrava sua situação.
De todo modo, Dirceu pegará pena bem menor que a de Valério, que ultrapassou
o máximo permitido pela legislação brasileira que é de 30 anos.
A condenação de Valério a uma pena agravada pelos nove crimes de corrupção
ativa foi possível graças a uma sugestão do ministro Celso de Mello, que
induziu Barbosa a refazer seu voto dentro de novas bases que haviam sido
suscitadas pelo revisor Lewandowski. Como que confirmando a acusação renovada
de Barbosa de que o revisor "barateava" o crime com penas mais leves
- afirmação pela qual o relator depois se desculpou -, Lewandowski chamou
atenção corretamente sobre a existência da súmula 711 do STF, segundo a qual,
nos crimes continuados, quando eles ocorrem além da data da promulgação de nova
lei penal, deve ser utilizada a legislação que tem pena mais grave. Mesmo
utilizando o método correto, que não havia sido utilizado pelo relator,
Lewandowski propôs três anos de reclusão, pena mais branda que aquela que
Barbosa propusera com base em legislação menos severa.
O julgamento de ontem teve novo bate-boca entre Barbosa e Lewandowski, e, a
despeito de ter resvalado para clima de baixaria, acabou sendo útil para a
definição de parâmetros da dosimetria. Saiu-se da discussão com a decisão de
haver rigor nas penas, mas obedecendo estritamente à individualização e ao
critério de benignidade quando cabível. Barbosa perdeu o controle a certa
altura e acusou Lewandowski de estar advogando para o réu, o que provocou
intervenção do próprio presidente do STF, Ayres Britto, que, alteando a voz
como raramente sucede, afirmou: "Aqui ninguém advoga para ninguém, aqui
somos todos juízes".
Barbosa queixava-se dos critérios do revisor, os quais considerou muito
brandos para os crimes cometidos por Valério, e insinuou que Lewandowski
estaria "plantando para colher mais adiante", uma indicação de que
pretendia preparar o terreno para reduzir a pena de outros réus, provavelmente
referindo-se a José Dirceu.
Declarando-se desgostoso, Barbosa chegou a citar um artigo recente do
"New York Times" - "um jornal que costumo ler" - que
classificava o sistema judicial brasileiro de "risível", com o que
ele concordou. No ápice da discussão, Barbosa declarou que não concordava
"com o sistema brasileiro", o que provocou reação da maioria do plenário.
Na verdade, o que o relator está querendo, e perdeu-se em acusações graves que
teve de retirar mais adiante, é reduzir a possibilidade de as condenações
tornarem-se inúteis pela possibilidade de progressão das penas prevista na
legislação brasileira.
Ele analisava cada crime individualmente, enquanto Lewandowski insistia em
que o conjunto das penas deveria ser levado em conta. No caso de Valério, mesmo
que em um dos itens o revisor tenha conseguido reduzir a pena sugerida pelo
relator, a somatória das condenações ficará bem acima do máximo permitido pela
legislação. Mas no caso de outros, Dirceu e José Genoino, que são acusados de
apenas dois crimes - corrupção ativa e quadrilha - o critério terá de ser
outro. Genoino poderá até mesmo contar com a condescendência de alguns juízes,
pois até Ayres Britto já o citou como sendo menos importante no esquema que
Dirceu.
Só Delúbio Soares deve ter pena correspondente à de Valério, pois está
condenado em vários crimes.
Fonte: O Globo
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