Cabe ao decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, a responsabilidade do voto que deve por fim ao julgamento do mensalão ou estendê-lo por mais alguns meses, talvez anos. Trata-se do homem certo na hora certa para a extensão do desafio, segundo se afirma em meios jurídicos de Brasília, uma comunidade na qual circulam juízes, promotores e advogados com atuação e trânsito livre nos tribunais superiores.
Celso de Mello é o ministro mais experiente e ao longo de sua trajetória tem demonstrado que sua preocupação maior, nos julgamentos, é com o devido processo legal e o princípio da ampla defesa, independentemente de pressões interessadas. Mello leva uma vida reservada e, quando sai, conta um de seus amigos, geralmente é para ir a uma livraria ou ao McDonald"s.
O suspense dura até amanhã, quando ficará conhecida a decisão. Em ocasiões anteriores, o ministro já manifestou opinião favorável aos embargos infringentes - o recurso por meio do qual alguns dos condenados no processo do mensalão reivindicam o reexame de suas sentenças.
Processo do mensalão expõe fratura do STF
É provável que o ministro julgue a favor da defesa. Neste caso, por 6 votos a 5, o STF abrirá a possibilidade da revisão de penas daqueles réus condenados a mais de oito anos de prisão e que estariam sujeitos, portanto, ao regime de prisão fechada. Neste caso se encontram José Dirceu, ex-todo-poderoso do governo Lula e do PT, o deputado José Genoino, ex-presidente do partido, o tesoureiro Delúbio Soares e o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, sem falar de Marcos Valério, o engenheiro dos dutos que abasteceram os cofres do mensalão.
O empate em 5 X 5 revela a existência de uma dúvida mais que razoável sobre os embargos infringentes, dentre os 11 ministros que integram o STF. Logo, é no mínimo um exagero dizer que o voto de Celso de Mello pode representar o fim da impunidade no país. Seja qual for, a decisão será tomada por seis ministros do Supremo e não apenas pelo decano.
A eventual recepção da tese da defesa também não significa a presunção de absolvição dos réus ou a protelação indefinida do processo do mensalão, só para lembrar, o escandaloso esquema de compra de votos em troca de apoio político que o governo Lula e o PT montaram no Congresso. Não existe embargo de embargo, como sugerem as discussões mais apaixonadas sobre o processo do mensalão.
O próprio Celso de Mello achou prudente explicar, em declaração no domingo à "Folha de S. Paulo", que todo recurso demanda a formulação de dois juízos: "Um preliminar, se é cabível ou não. Se for cabível, aí depois você vai julgar o mérito e dizer se o recurso tem ou não razão. Entender cabível não significa que se vá acolher o mérito". Para Celso de Mello, da maneira como a questão é apresentada dá a impressão que o acolhimento representa "absolvição ou redução de pena, automaticamente, e não é absolutamente nada disso".
Convém registrar, no entanto, que o acolhimento dos embargos infringentes pode levar não só à redução da pena dos condenados, o que os livraria de cumprir pena de prisão em regime fechado, como também à absolvição. É bastante improvável, mas decididamente uma possibilidade real, concreta. Isso ocorrerá se o Supremo der "provimento do agravo de instrumento" aos réus que, na primeira fase, tiveram quatro votos (que o habilitaram a novo julgamento) pela absolvição.
No caso de o Supremo - e não apenas Celso de Mello - decidir pela revisão das penas dos condenados do mensalão, a responsabilidade do tribunal será retomar o julgamento o mais rápido possível, sem dar margem a chicanas previsíveis e já vistas aqui e ali ao longo de todo o processo. Responsabilidade que não é só dos seis ministros que terão votado pelo reexame, como também daqueles contrários ao novo julgamento. Ficaram sem respostas notícias segundo as quais Celso de Mello estava pronto para dar seu voto em cinco minutos, na última quarta-feira, o que só não fez porque a sessão foi encerrada, deixando-o uma semana sob o escrutínio e a pressão da opinião pública.
A sociedade brasileira está cansada de fraturas como a que agora exibe o Supremo, numa votação aparentemente simples: alguns entendem que uma lei aprovada pelo Congresso acabou com os tais embargos infringentes; outros, que o regimento interno do STF manteve esse tipo de recursos. Há ainda quem diga que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um fim aos "infringentes". É verdade. Mas nem tanto: o STJ não é a última instância de um julgamento - cabem recursos de suas decisões, o que não acontece com o Supremo.
O Supremo já havia se embaralhado, recentemente, na discussão sobre a quem cabe a decisão de cassar mandatos de parlamentares: ao próprio STF ou às Casas do Congresso. Primeiro, entendeu que a competência era sua; depois, da Câmara e do Senado. Parte da responsabilidade, evidentemente, cabe ao Legislativo e sua tradicional tendência a votar textos dúbios, como é o caso da cassação de mandatos parlamentares, que justificariam a dupla interpretação e a divisão dos ministros do Supremo.
Caso exemplar é o da lei da ficha limpa. Na hora de dar a redação final ao texto aprovado, o relator Francisco Dornelles (PP-RJ) alterou o tempo verbal de algumas alíneas do projeto aprovado para impedir a candidatura de pessoas condenadas por algum colegiado da Justiça. Até então, tinham a candidatura impugnadas só pessoas com condenações transitadas em julgado, sem mais nenhuma possibilidade de recurso.
No texto final da lei, o Congresso substituiu a expressão "tenham sido" por "que forem" condenadas. A intenção declarada era a padronização de redação, que em outros artigos já trazia expressões com o tempo verbal futuro. Na prática, com uma canetada Dornelles, à época presidente do PP, deixou de fora da ficha limpa, nas eleições de 2010, ninguém menos que um dos fundadores do PP, Paulo Maluf. E mais uma vez dividiu opiniões no Supremo.
Fonte: Valor Econômico
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