“A cultura democrática se baseia no sentimento da igualdade, pelo menos perante a lei — posto que as desigualdades de nascimento sejam congênitas ao DNA e as de riqueza ao sistema econômico prevalecente. Como, então, falar de igualdade de oportunidades em sentido próprio?
No plano das instituições político-partidárias e do Congresso Nacional, para ater-me só a este aspecto, que tipo de representação política nos é assegurada e como se dá o equilíbrio entre os poderes? Para começar, temos uma democracia na qual os verdadeiros representados não são os cidadãos, mas as organizações intermediárias (uma prefeitura, uma empresa, uma igreja, um clube de futebol, etc.) que financiam as campanhas e colhem em suas malhas o indivíduo eleitor. É àqueles, os “eleitores de fato”, que o representante serve, mantendo tênue a relação com a massa do eleitorado, salvo no caso dos poucos parlamentares eleitos por correntes de opinião.
Dos partidos que dizer? Mesmo sendo injusto: se acomodaram às práticas, desdenham da relação direta com as comunidades, preferem não tomar partido diante de questões controversas na sociedade e abdicam crescentemente da função fiscalizadora do executivo, que a Constituição lhes garante, e mesmo da iniciativa na legislação. Abrem, assim, espaço às ações de tipo “rolo compressor” do executivo. Preferem barganhar com ele os benefícios para as entidades intermediárias que lhes garantem o voto. A agenda pública, nestas circunstâncias, se encolhe. A discussão fenece nos parlamentos e as ruas sequer são ouvidas.”
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. Extraído do discurso de posse de FHC na Academia Brasileira de Letras, em 10/09/2013.
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