Corrida de 2014 deve ser a mais disputada em anos
- Valor Econômico
Deveremos ter neste ano as mais incertas eleições presidenciais desde 1989, quando 22 candidatos concorreram, tendo sete deles obtido mais de 4% dos votos. Pode parecer pouco, mas naquele pleito Lula, que foi para o segundo turno contra Fernando Collor, obteve apenas 16,08% dos votos - menos de 1% à frente do terceiro colocado, Leonel Brizola. Naquela eleição, abatido pelo monumental fiasco que foi o governo José Sarney, um gigante político como Ulysses Guimarães terminou em sétimo lugar, com magros 4,43% dos votos e atrás de Afif Domingos, Maluf e Mário Covas. Além do peemedebista Ulysses, malogrou de forma ainda mais retumbante o candidato do PFL, Aureliano Chaves, que não atingiu sequer 1% dos votos. Embora fosse previsível o fracasso das candidaturas vinculadas ao governo, era difícil antever quem seriam os potenciais vencedores.
Hoje os tempos são outros e não temos mais a elevada fragmentação partidária nas eleições presidenciais existentes em 1989. Tanto é assim que apenas dois partidos - PT e PSDB - polarizaram todas as disputas presidenciais subsequentes e todos os pleitos se mostravam relativamente previsíveis. Em 1994, a vitória no primeiro turno de Fernando Henrique Cardoso tornou-se uma barbada, devido ao sucesso do Plano Real. Também sua reeleição em 1998 foi algo fácil de prever, tendo em vista o ainda reinante anseio popular por estabilidade econômica, para o que apenas FHC se apresentava como um fiador crível. O PT de então, dotado da reputação de "a" oposição a tudo e a todos, tinha garantido o segundo lugar nas preferências.
Em parte por isso, a vitória de Lula em 2002 também era um resultado previsível e precificado pelos mercados no chamado "efeito Lula". O fracasso do governo FHC em assegurar emprego e redução da desigualdade num país cujos anseios populares haviam se elevado - em boa parte como consequência dos próprios sucessos de sua administração - explicava a vitória oposicionista. Já o sucesso do governo Lula justamente nesses pontos - associado à sensível redução da pobreza e à conexa ascensão social de uma grande parcela de brasileiros - foi o fator responsável pela facilidade tanto de sua reeleição, em 2006, como da entronização de sua pupila, em 2010.
As eleições deste ano, em vez de fatores de certeza, trazem o contrário. Embora as enquetes venham apontando seguidamente a presidenta como favorita, com a fotografia do momento indicando o que seria uma vitória no primeiro turno, tal simulação baseia-se num cardápio de opções por demais incongruente para a maior parte dos entrevistados pelos institutos de pesquisa. Isso porque, segundo dados do último levantamento do Ibope, enquanto apenas 2% dos eleitores dizem não conhecer suficientemente a presidenta Dilma Rousseff para saber se votariam nela, 25% dizem o mesmo sobre Eduardo Campos e 18% sobre Aécio Neves. Logo, quando se-lhes pergunta sobre qual sua opção de voto, são-lhes oferecidas alternativas muito díspares do ponto de vista de sua capacidade de julgamento. Assim, as atuais enquetes têm mais a dizer sobre Dilma do que sobre seus adversários.
Esse diagnóstico é reforçado pelo fato de que 57% dos eleitores entrevistados dizem ter pouco ou nenhum interesse nas eleições - e apenas 15% dizem ter muito interesse. Por isso mesmo, respondem sobre um tema acerca do qual não refletiram muito, o que indica que poderão mudar substancialmente de ideia na medida em que forem submetidos repetitivamente a informações sobre o processo eleitoral e decidirem prestar atenção nele - algo que, em anos eleitorais normais, costuma ocorrer somente a partir de agosto. Neste ano, com a imensa atenção midiática que a Copa do Mundo deverá receber até a metade de julho, poderá ser ainda mais reforçada a tendência usual a atentar apenas tardiamente às eleições.
Feitas estas ponderações, há dados da pesquisa que pouca atenção receberam da imprensa e que merecem análise. Um deles concerne aos eleitores que hoje dizem que votariam nulo ou em branco. Perfazendo 24% do total, esse grupo é hoje o segundo maior contingente de votantes (perdendo apenas para os que preferem Dilma) e deve gerar preocupações no governo. Afinal, apenas 4% deles dizem aprová-lo, enquanto 23% o consideram regular e 48% o avaliam como ruim ou péssimo. Já entre os atuais eleitores de Dilma, a aprovação do governo é de 78% e apenas 3% o consideram ruim ou péssimo.
Considerando-se o histórico das disputas presidenciais desde 1989, pode-se prever que os votos nulos e brancos não totalizarão 10%. Portanto, há mais de 15% de votos que deverão ser disputados entre os demais candidatos. Porém, como a avaliação do governo é ruim entre esses eleitores, o mais provável é que tais votos migrem sobretudo para os candidatos oposicionistas, sugerindo que não apenas deverá haver um segundo turno, mas que a competição deverá ser bem mais renhida do que apenas sugere a atual posição dos três principais contendores.
Outro dado relevante, mas que recebeu menos atenção do que mereceria, é o número daqueles que anseiam fortemente por mudança - nada menos que 68% dos eleitores. Destes, 30% querem uma transformação total do governo; 38% esperam que muita coisa mude, sendo mantidos apenas alguns programas. Por outro lado, apenas 8% esperam total continuidade e 20% esperam continuidade, porém com alguma mudança. Tais dados, por si sós, já seriam alvissareiros para os oposicionistas. Eles se tornam ainda mais alentadores quando se observa que, dentre os eleitores mudancistas, apenas 24% veem Dilma como capaz de promover as transformações desejadas, ao passo que 64% preferem um outro presidente para fazê-lo.
Por fim, mais um dado (este enfatizado pela imprensa): o governo Dilma tem hoje uma aprovação similar à que se seguiu às manifestações de junho, sem que se tenha qualquer evento portentoso que explique por si só a corrosão de sua popularidade. O problema é o conjunto da obra. Mais um indicativo de que teremos eleições bem mais disputadas do que querem fazer crer os prosélitos governistas.
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