Alarmante agravamento da crise energética parece trama de filme catástrofe
- O Globo
A forma inconsequente com que o governo se vem permitindo conduzir a crise energética parece extraída de um patético enredo de filme-catástrofe.
Há várias décadas Hollywood vem despejando no mercado cinematográfico um fluxo interminável de filmes-catástrofe. O gênero é mais do que conhecido. Dispensa definição mais precisa. Quase tudo é de qualidade lamentável, mas os muitos casos de sucesso espetacular de bilheteria mostram que, mundo afora, há grande demanda por cinema-catástrofe. E tudo indica que a demanda vem crescendo, na esteira das inovações tecnológicas que têm possibilitado efeitos especiais cada vez mais convincentes.
O gênero inclui dois tipos de filme. De um lado, há os que versam sobre catástrofes inevitáveis, como terremotos, tsunamis, deslizamentos de montanhas e colisões de corpos celestes com a Terra. De outro, os que tratam de catástrofes perfeitamente evitáveis que, no entanto, acabam ocorrendo, devido a erros humanos. São esses que aqui merecem atenção.
Filmes desse tipo costumam apelar para um mesmo truque para prender a atenção da plateia. O espectador sabe perfeitamente que a catástrofe pode ser evitada. E, com alguma aflição, acompanha uma trama em que a insensatez acaba prevalecendo. O que muda de filme para filme, além da catástrofe específica, é a natureza da inconsequência imediatista dessa insensatez. Pode ser um prefeito que não quer estragar o pico da temporada de praia, como em “Tubarão”; ou um empresário que se recusa a adiar a inauguração de uma torre de 140 andares, feericamente iluminada, mesmo tendo sido informado de que as instalações elétricas haviam sido feitas com material subdimensionado, como em “Inferno na torre”; ou, ainda, um dono de companhia de navegação que, fixado na repercussão da quebra do recorde de travessia do Atlântico Norte, força o capitão de um transatlântico em viagem inaugural a manter as máquinas a pleno vapor numa região de alta incidência de icebergs, como em “Titanic”.
Na gestão da crise energética, assiste-se agora ao desenrolar de uma trama similar. Mas em clima incomparavelmente mais dramático, porque não se trata de ficção, mas da dura realidade. A sinopse é bastante simples. Uma presidente, em campanha para se reeleger, tenta a todo custo evitar que o eleitorado perceba a extensão da precariedade da oferta de energia elétrica com que conta o país.
Esse quadro tão grave poderia ter sido evitado se, há meses, o governo tivesse deflagrado estímulos à conservação de energia. Mas, tendo feito e desfeito o que bem entendeu no setor elétrico por mais de uma década, a presidente recusou-se a incorrer no custo político de reconhecer que havia um problema de insuficiência de oferta de energia a enfrentar. Muito pelo contrário, continuou insistindo em ruinosa escalada de subsídios ao consumo de energia elétrica. E apostou todas as fichas na possibilidade de que os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas se recuperassem com as chuvas do verão.
Com o encerramento da estação chuvosa, neste fim de abril, já não há mais espaço para ilusões sobre o desfecho de tal aposta. Os especialistas mais conceituados da área já estimam em quase 50% a probabilidade de que um racionamento de energia elétrica se torne inevitável. Sugerem que o mais prudente seria o anúncio de um racionamento já em maio. E alertam que, quanto mais tarde for anunciado, mais profundo, prolongado e custoso terá de ser o racionamento. (Ver entrevista recente de Mario Veiga Pereira em http://zip.net/bsncp8)
A cinco meses das eleições, a presidente considera tal proposta impensável. Prefere redobrar a aposta na sorte. E, nesse quadro, o que os especialistas mais temem é que o governo parta para o que rotulam de estratégia camicase: simplesmente deixar que os reservatórios se esvaziem — até 10% da capacidade, se necessário — e que a bomba estoure depois de outubro.
Na verdade, o que o país está presenciando nessa área é a alarmante filmagem de um documentário-catástrofe.
Economista e professor da PUC-Rio
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