- Folha de S. Paulo /EBC
Um dia, alguém escreverá uma "História da Corrupção no Brasil", de tão antiga que é essa modalidade de crime, comparada a um câncer devorando as entranhas do país. Compartilho com milhões de brasileiros a esperança de que essa história tenha fim.
Hoje, porém, vivemos um capítulo trágico, em que a corrupção tornou-se sistêmica, naturalizando-se no sistema político e administrativo. É o que o delegado Jorge Pontes, ex-diretor da Interpol, chama de "crime institucionalizado", diferente do crime organizado por não estar exposto em atividades claramente ilegais --tráfico e violência, mas "dentro da lei" e apoiado nas plataformas oficiais.
Quando fui ministra do Meio Ambiente, vi que a punição de casos pontuais de crimes ambientais não tinha efeito duradouro na redução da devastação. Então recorri à Polícia Federal e ao Ministério Público para deflagrar operações que desmontaram um sistema vigente em todo o país, desarticulando inúmeras empresas ilegais e punindo centenas de pessoas, inclusive servidores que se desviaram de suas funções.
Percebi, também, que além da reforma política é preciso democratizar o Estado e ampliar o controle social, com participação das comunidades e organizações civis.
Daí a conclusão, que já expus nesta Folha: a corrupção será erradicada quando não for considerada problema só do governo, mas um mal na vida de cada cidadão.
Foi assim com a escravidão, a ditadura, a inflação, a exclusão social, males históricos de que ainda não estamos totalmente livres, mas já passamos o pior momento. Foi preciso o engajamento do povo e a compreensão de que eles afetavam nosso cotidiano, nossa saúde e segurança, a educação dos filhos, a qualidade da vida.
É o que acontece com a corrupção. Há estimativas de que os recursos públicos desviados seriam suficientes para dobrar o investimento em educação. E não há dúvidas de que ela provoca um grande atraso econômico e social no país.
Paradoxalmente, governantes que ascenderam com a bandeira do fim da corrupção foram por ela envolvidos. Ancorados no jargão udenista, anunciaram a intenção de varrer, limpar, caçar, derrotar os inimigos que estariam no governo da época ou nas elites, marajás e ladrões. Mas preservaram a máquina, o sistema e a divisão de poder que oculta a doença ao invés de erradicá-la. E, principalmente, quiseram ser heróis da história deixando o povo na condição de mero espectador.
Hoje temos a indignação do povo saindo às ruas e batendo à porta das instituições. Generaliza-se a compreensão de que a responsabilidade é de todos nós.
É um período propício para o Brasil escrever os capítulos finais dessa triste história.
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