Impacto virá do socorro ao setor e de uso de térmicas. Relatório prevê reservatórios a 15% em novembro
Danielle Nogueira, Henrique Gomes Batista e Lino Rodrigues – O Globo
RIO e SÃO PAULO - Depois que o governo aprovou um reajuste de até 29% nas tarifas este ano, a conta de luz dos consumidores deve ficar ainda mais salgada em 2015. Segundo cálculos da consultoria Safira Energia, o aumento médio será de 18,7% no próximo ano. Boa parte desse reajuste é resultado do socorro ao setor elétrico, que já soma R$ 24,2 bilhões este ano. E, mesmo assim, alguns especialistas avaliam que o montante não será suficiente para sanar os problemas por que passa o setor, com um cenário de chuvas escassas e uso intenso de usinas térmicas, uma energia suja e cara. Ou seja, na prática, o peso da conta para o consumidor pode se tornar ainda maior.
Dos R$ 24,2 bilhões de socorro, entram no cálculo da Safira o aporte do Tesouro Nacional de R$ 9 bilhões previsto no Orçamento deste ano — que será custeado via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), com impacto de 4,6% na conta de luz este ano — e o empréstimo de R$ 11,2 bilhões ao setor via Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Um novo aporte, de R$ 4 bilhões, anunciado em março deste ano, não foi considerado porque ainda não está claro como será custeado.
Relatório vê reservatório abaixo de 2001
A consultoria considerou em seus cálculos um percentual de 7,5% em média este ano de reajuste de tarifa das distribuidoras. Além disso, a estimativa leva em conta o custo do despacho das térmicas este ano, que, por decisão do governo, só afetará a conta de luz a partir de 2015.
O impacto da energia térmica é da ordem de R$ 9,6 bilhões, mas o valor deve ser diluído entre 2015 e 2018. Da mesma forma, o ressarcimento do empréstimo tomado via CCEE, de R$ 11,2 bilhões, só deve ocorrer entre 2015 e 2016.
De acordo com os cálculos da Safira, o reajuste de 18,7% deve se repetir em 2016, caindo para 14,1% em 2017 e mais 14,1% em 2018.
— O problema do setor elétrico começou quando distribuidoras de energia ficaram subcontratadas porque algumas geradoras, entre elas térmicas do grupo Bertin, não conseguiram entregar a energia vendida nos leilões. As distribuidoras, então, tiveram que comprar energia no mercado de curto prazo, em que o preço estava muito elevado. A situação se agravou com o nível baixo dos reservatórios — diz Fábio Luiz Cuberos, gerente de Regulação da Safira.
Na avaliação de Cuberos, o resultado do leilão de energia marcado para a próxima quarta-feira será determinante para dimensionar se o socorro dado ao setor até agora é suficiente. Segundo ele, as distribuidoras precisam contratar 3.200 MW médios, mas acredita que esse volume não será ofertado no leilão. A estimativa é que metade ou pouco mais da metade da demanda seja preenchida.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que o polêmico empréstimo de R$ 11,2 bilhões assumido pela CCEE é apenas um dos fatores de preocupação no setor elétrico. Sem uma equação definitiva, temem que os problemas sejam maiores e que, ainda no segundo semestre, o governo precise fazer nova injeção de recursos nas empresas elétricas.
Um dos fatores que corroboram essa avaliação é um relatório do Operador Nacional do Sistema (ONS) que mostra que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste podem chegar a 15,7% em novembro, início do período chuvoso. O cálculo considera que entre maio e novembro o índice de chuvas seria de 75% da média histórica para o período.
O patamar é inferior ao dos piores momentos de 2001, o ano do racionamento, quando o patamar dos reservatórios na mesma região foi de 20%. Atualmente, o patamar dos reservatórios está em 37,7%. Procurado oficialmente, o ONS não quis se pronunciar sobre o assunto.
— Se não chover a partir de novembro, estamos lascados — disse uma fonte familiarizada com o relatório.
Caso este prognóstico se confirme, será necessário usar mais energia térmica. Além disso, a medida pode aumentar o temor de racionamento. Para especialistas, será necessário rever a estrutura do setor.
— Provavelmente no segundo semestre será necessário um novo aporte no setor, mas não podemos dizer que será por empréstimo, pode ser alguma outra solução — disse uma fonte próxima à negociação que pediu para não ser identificada.
Segundo esta fonte, a crise mostra que a política de modicidade tarifária, que visava a aumentar a competitividade reduzindo o custo da energia, se mostrou inviável.
— Há um temor de novos esqueletos para o setor elétrico — disse a fonte.
Cláudio Pinho, membro do comitê de Petróleo e Gás do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e professor da Fundação Dom Cabral, lembra que o empréstimo evidencia a necessidade de reformulação do o setor elétrico:
— O planejamento do Ministério de Minas e Energia para 2030 é baseado em dados de 2005. Na Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), os dados são de 2008. Isso é anterior ao forte crescimento da demanda, anterior àcrise mundial e à recuperação americana, baseada no uso do gás. Aqui, o planejamento não leva em conta isso, o gás, regido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), não é visto como fundamental para o setor de termelétricas.
O advogado lembra que este empréstimo é um “tapa-buraco” para o setor, que pode ter mais déficits estruturais se não houver uma revisão do marco regulatório:
—A relação das empresas é privadas, mas a estrutura da tarifa ainda é estatal.
Segundo fonte, os bancos estariam finalizando as discussões sobre o percentual de taxa de juros que será cobrada nos empréstimos, que variou de 1% a 1,9%. Esta mesma fonte disse ainda que os bancos consideram o socorro às distribuidoras um “excelente” negócio, com risco baixíssimo.
— A garantia são as contas de luz, conta que ninguém deixa de pagar — destacou.
Dos cinco bancos procurados, apenas o Bradesco se manifestou. Segundo o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco, a operação de financiamento está sendo construída pelos bancos e terá estrutura e garantias para que seja segura.
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