• A presidente Dilma recorre a truque grosseiro para subestimar a relevância dos gastos com a Copa do Mundo
- O Globo
Nas últimas semanas o país tomou conhecimento de duas contas de padeiro que, devido a razões distintas, merecem cuidadosa atenção.
A expressão ganhou destaque na mídia desde que foi usada por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, para explicar a diferença abismal entre os US$ 2,5 bilhões, em que foi inicialmente orçada a Refinaria Abreu e Lima, e os mais de US$ 18 bilhões que afinal serão gastos no projeto. O que o ex-diretor alegou é que, de início, a Petrobras estava muito mal informada sobre quanto de fato custaria a nova refinaria. E que os US$ 2,5 bilhões teriam resultado de uma simples conta de padeiro.
A outra conta que merece consideração foi a apresentada pela presidente Dilma Rousseff, há poucos dias, em pronunciamento oficial à nação, para tentar desmistificar a ideia de que os investimentos necessários para a realização da Copa do Mundo no Brasil poderiam ter tido uso mais defensável, se destinados à educação e à saúde.
É bom deixar claro que não há nada de errado com contas de padeiro. Muito pelo contrário. A expressão alude a contas rabiscadas em papel de embrulho de padaria, mas é usada para designar qualquer conta feita às pressas, no primeiro papel ao alcance da mão. E é exatamente essa a conotação da expressão equivalente em inglês, cuja tradução literal faz perfeito sentido em português: conta de verso de envelope.
Em muitas áreas, profissionais se veem com frequência obrigados a recorrer a contas de verso de envelope para obter, a partir de hipóteses simplificadoras e valores plausíveis de variáveis e parâmetros, estimativas preliminares aceitáveis de resultados que, em princípio, exigiriam cálculos bem mais rigorosos. Inclusive em áreas especialmente respeitáveis. Entre os físicos, é bem conhecido o talento especial com que o famoso físico nuclear Enrico Fermi sabia recorrer a contas de verso de envelope para obter estimativas aceitáveis de resultados de problemas extremamente complexos.
O que há de tão errado com as duas contas mencionadas acima? A alegação do ex-diretor da Petrobras é de que teria havido só incompetência na conta de padeiro que levou à estimativa inicial de quanto custaria a Refinaria Abreu e Lima. Na verdade, as investigações têm mostrado que houve muito mais. E revelado, com riqueza de detalhes, aspectos tenebrosos do lado escuro do modo de gestão petista.
O mais preocupante é quão longe foi a construção da refinaria com base nessa mera conta incompetente de padeiro. Sabe-se agora que, bem antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento de R$ 10 bilhões do BNDES.
Na conta de padeiro apresentada pela presidente Dilma, a incompetência adveio de indisfarçável e mal-intencionada manipulação marqueteira. A opção relevante era entre construir estádios, de um lado, e escolas, hospitais e postos de saúde, do outro. Mas em vez de comparar os supostos R$ 8 bilhões que foram gastos nos estádios da Copa comdespesas de investimento em educação e saúde, a presidente permitiu-se compará-los com despesas totais dos três níveis de governo com educação e saúde de 2010 a 2013. Despesas da ordem de R$ 1,7 trilhão, que, além de investimentos em educação e saúde, incluem, por exemplo, toda a folha de pagamento do funcionalismo ligado à educação e à saúde nas três esferas de governo.
A conta que faz sentido é a que foi feita por Gil Castello Branco (O Globo, 17/6): “O custo dos estádios equivale a dois anos de investimentos federais em Saúde ou à instalação de 2.263 escolas". Não seria surpreendente se, diante dessa conta honesta, a maioria do eleitorado ainda se mostrasse favorável à construção dos estádios. Mas a presidente não quis correr o risco. Para poder arguir de forma peremptória que a questão levantava um “falso dilema", preferiu apresentar uma conta ridícula que faz crer que os gastos com os estádios foram equivalentes a menos de 0,5% do investido em educação e saúde. Um espantoso desrespeito ao eleitorado.
Rogério Furquim Werneck é economista
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