• Levy desqualifica o novo mantra retórico da oposição
- Valor Econômico
Num anticlímax para a esquerda do PT, o primeiro capítulo da reforma ministerial tem um desfecho marcado para hoje, com o anúncio da nova equipe econômica que inaugura, antes da hora, o segundo mandato de Dilma Rousseff. As marcas de uma eleição que não foi perdida por um triz estão na escolha pelo conservadorismo de Joaquim Levy. O governo Dilma terminará como começou o do ex-presidente Lula. Sem hegemonia nas urnas, rachadas ao meio, Dilma anda no fio da navalha. O mercado e a outra metade do eleitorado precisam ser contemplados.
Sobre Lula 1 e Dilma 2 pairavam e pairam a desconfiança. Para aplacá-la, o antecessor/criador estreou seu governo com um ministério de estrelas, encimado pela austeridade da política econômica, com Antonio Palocci, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no Banco Central. A sucessora/criatura tenta reinstalar o sistema operacional, ao escalar Levy, conhecido pelo perfil fiscalista. Vem para pôr ordem na casa. A administração Dilma é regida pelas pressões das contas públicas, dos déficits, do baixo crescimento, da incômoda inflação - apesar da situação de quase pleno emprego e do aumento da renda média.
Com a economia manca, a Operação Lava-Jato no encalço e a correlação de força política desfavorável - o que inclui a possibilidade de ver, em fevereiro, a presidência da Câmara parar nas mãos do desafeto Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - Dilma joga ainda mais na defesa.
A mudança de estratégia já estava nos planos pré-eleitorais. A extensão é que parece ter sido calibrada pelos resultados de outubro. A ponto de o sonho de consumo do governo para a Fazenda ter sido o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que declinou do convite.
A nomeação de Trabuco dificilmente deixaria de se encaixar na categoria de estelionato eleitoral, depois de uma campanha em que a propaganda de Dilma desconstruiu a adversária Marina Silva (PSB), a começar por sua ligação com Neca Setubal, herdeira do Banco Itaú.
A escolha por Levy - também recrutado das fileiras no Bradesco - apenas escancara menos o que era um esforço de carregar nas tintas para pintar o inimigo de vermelho. Afinal, como já disse Dilma, "podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Passada a disputa, o governo pinçou para o principal posto da economia um dedicado colaborador tucano, como sugeriu o candidato derrotado do PSDB, creditando a piada ao ex-presidente do BC, Arminio Fraga. A nomeação de Levy seria equivalente à ida de um grande quadro da CIA americana para a KGB soviética, ironizou Aécio Neves.
Nessa linha, a discussão entra em outra voltagem, menos beligerante, mais espirituosa, do que foi a tensa campanha. O mundo bipolar da política nacional está agora mais para Guerra Fria do que cabeças quentes e irracionais a pedir nas ruas a volta dos militares ou o impeachment como revanche.
Com a oposição revigorada, Dilma demonstra mais cautela. O diálogo proposto nos primeiros momentos após a reeleição encontra na figura do novo ministro da Fazenda um exemplo concreto, bem como a indicação da senadora ruralista Kátia Abreu para a Agricultura. A esquerda do PT estrila, intelectuais fazem manifesto, mas, no cálculo do núcleo duro do PT - Dilma, Lula, Aloizio Mercadante, Rui Falcão e Jaques Wagner - é preciso dar um passo atrás antes de dois à frente.
O antipetismo que aflorou durante o processo eleitoral foi suficientemente ferrenho para incentivar um andor sendo carregado rápido demais. O presidencialismo é de coalizão e estimula governos que busquem mais o consenso do que o confronto.
As bases políticas, econômicas e sociais dificultam qualquer movimento brusco. Uma complexa rede de grupos de interesses - mercado, movimentos sociais, empresários, sindicatos - disputam palmo a palmo sua influência sobre as instituições. Não à toa, Dilma parece retornar à fórmula-Lula de conciliação ou de contraposição de preferências. Para um Levy fiscalista, há um Nelson Barbosa desenvolvimentista, no Planejamento; para uma Kátia Abreu, há uma Democracia Socialista no Desenvolvimento Agrário.
Levy e companhia têm o efeito de desqualificar o novo mantra retórico da oposição - consagrado na campanha eleitoral - pelo qual o governo do PT busca implantar um regime bolivarianista ou a venezuelização do país.
Com a configuração da sociedade brasileira - refletida no aumento do conservadorismo do Congresso recém-eleito - nem mesmo um bolivarianismo de butique teria condições de florescer.
O novo ministério Dilma é fruto desse sistema de concessões e trocas intensas. Para cada José Eduardo Cardozo que seja indicado ao Supremo Tribunal Federal, há um Vital do Rêgo, do PMDB, a concorrer para vaga no Tribunal de Contas da União. No governo Lula, José Jorge, ex-DEM, ganhou indicação ao TCU pelo Senado.
A proposta, por exemplo, de aumentar a idade de aposentadoria dos ministros do STF - quando especialistas recomendam o inverso - soa como gambiarra institucional, defendida pela oposição. Se o objetivo é reduzir a influência do Executivo sobre o Judiciário, não custa lembrar que a Justiça terá sempre um componente político, seja de que governo de plantão for. Todo o esforço para uma maior separação entre os Poderes, porém, será sempre necessário. O sistema de contrapesos não é má arquitetura - no arranjo de instituições ou no governo.
Menos do que um bolivarianismo fantasioso, preocupam as outras gambiarras - administrativas, de contabilidades criativas à la Argentina - defendidas com veemência no núcleo estendido do governo. No momento em que um influente petista se mostra simpatizante das mais variadas mudanças de cálculo do superávit primário, da inflação, do PIB e de praticamente qualquer indicador que seja desfavorável à administração Dilma, é preciso soar o alarme. É hora de o PT recorrer um pouco menos a Maquiavel e mais a Montesquieu.
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