Sob os riscos de maior desgaste político e de problemas institucionais nos desdobramentos do megaescândalo da Petrobras – com dados das “delações premiadas” que possam configurar negligência ou omissão dela (e do ex-presidente Lula) ante as muitas irregularidades praticadas na estatal –, a presidente reeleita empenhou-se a fundo em evitar outro risco, de caráter institucional, este bem palpável: o de um processo de impeachment por crime de responsabilidade (desrespeito à meta de superávit primário proposta pelo próprio Executivo e formalizada pelo Congresso).
Daí, o novo vale-tudo, pós-eleitoral, para a revogação de tal meta, com provável desfecho favorável nesta quarta-feira. Cujo resultado vai substituir o superávit programado de 1,9% por um déficit fiscal que poderá elevar-se a mais de 5% do PIB. O vale-tudo incluiu a barganha em torno da liberação, ou do bloqueio, de emendas de deputados e senadores e o pagamento, ou a retenção, de faturas de empresas construtoras e fornecedoras de órgãos federais, mobilizadas para pressionarem os parlamentares pela aprovação do projeto governamental com esse objetivo. No caso das construtoras, com a ameaça de suspensão de contratos, na hipótese de rejeição. Editorial do Estadão, de anteontem – “A consagração da farsa fiscal” – resumiu assim, em um dos seus trechos, a finalidade da iniciativa:
“Com a aprovação do projeto, o Executivo ficará dispensado de qualquer novo truque para maquiar o balanço das contas públicas e fingir o cumprimento da meta”.
“Farsa” que constitui grave desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos fundamentos da estabilidade macroeconômica do país. E desrespeito do qual dois filhotes importantes foram tornados públicos do meio de novembro para cá. O déficit público, divulgado no começo da semana passada, e o déficit das contas externas, anunciado anteontem pelo Banco Central. Que, juntos, representam R$ 8,6 bilhões do PIB. Numa combinação malsã que terá inevitáveis repercussões domésticas e de ampliação do custo de financiamento externo, esta a ser seriamente agravada se o Brasil vier a perder o “grau de investimento” na classificação das agências internacionais de risco.
Neste cenário de aguda deterioração fiscal (de par com a paralisia das atividades produtivas e dos investimentos em geral, desemprego na indústria, inflação e juros altos, e com os potencialmente explosivos desdobramentos do petrolão), a presidente Dilma teve, enfim, de se render à necessidade de caminhar para, ou ao menos sinalizar, uma mudança crível dos objetivos e da condução da política econômica. O que, sob forte pressão do padrinho Lula – do seu pragmatismo e do plano de disputar o Palácio do Planalto em 2018 – não apenas desmentiu, mais uma vez e agora em escala bem ampla, o discurso ultrapopulista da campanha reeleitoral, mas também a insistência dos ministros Guido Mantega e Aloizio Mercadante, depois do pleito, de que seria mantida a política econômica “vitoriosa nas urnas”.
A “virada” pró-mercado da presidente começou mal com a recusa do convite ao dirigente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para o ministério da Fazenda, mas prosseguiu com a escolha para o cargo (por indicação do chefe de Trabuco, Lázaro Brandão) de Joaquim Levy. Ex secretário do Tesouro da equipe de Antonio Palocci, no primeiro mandato de Lula, e economista de formação ortodoxa, com reiteradas posturas e ações em defesa do equilíbrio das contas públicas, Levy foi bem recebido pelo mercado financeiro e pelos investidores internos e externos. Mesmo sem que tenham segurança sobre a autonomia e a estabilidade que ele terá no ministério da Fazenda. Quanto aos custos do ajuste fiscal a ser feito, foram bem avaliados na matéria de capa da última edição de Exame. Com o titulo “O erro é dela. A conta é nossa”, e a abertura: “O ajuste para consertar os erros da política econômica vai ser caro: pode chegar a 283 bilhões de reais em aumento de impostos, de juros e reajuste de preços. E, se não for feito, pode ser ainda pior para nós”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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