Quando, ao cair da tarde de sexta-feira passada, a presidente Dilma Rousseff mandou desmanchar, literalmente, o cenário montado em palácio para o anúncio oficial do novo titular da Fazenda, Joaquim Levy - o executivo do Bradesco que foi secretário do Tesouro no primeiro mandato do presidente Lula -, as costumeiras "fontes do Planalto" apressaram-se a espalhar a versão de que Dilma resolvera suspender o evento por ter ficado zangada com o vazamento das nomeações, pouco antes, na mídia eletrônica. No primeiro momento, a explicação pareceu plausível porque combinava com o temperamento autoritário e controlador da presidente. Já no final da semana, porém, outra hipótese entrou em cena, também esta comprada, compreensivelmente, pelo seu valor de face.
A formalização do convite a Levy teria de esperar o tempo necessário para Dilma dobrar as críticas à iniciativa de alas influentes do PT, notadamente a encabeçada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ainda governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. A esquerda petista jamais perdoará o "Joaquim mãos de tesoura", como o chama, injuriada pelo profundo ajuste fiscal que empreendeu, em sintonia com o então ministro Antonio Palocci e o aval implícito de Lula. (Ao que se noticiou, o primeiro a sugerir a Dilma o nome de Levy foi o presidente do Conselho do Bradesco, Lázaro Brandão, depois de vetar a ida ao governo do seu mais alto funcionário, Luiz Carlos Trabuco, o preferido original da presidente. Lula abonou a indicação.) De toda forma, líderes petistas no Congresso se viram no dever de apoiar a escolha da reeleita.
Em seguida, a incerteza quanto à data da apresentação oficial e da investidura de Levy - e ainda do novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa - foi justificada pelo fato de o sucessor de Guido Mantega não ter pronto, na tela do computador, o pacote de medidas para o chamado resgate da credibilidade fiscal do governo que Dilma lhe encomendara para ser aberto com a aceitação pública do convite.
Finalmente, começou a emergir a razão decisiva do adiamento. O futuro ministro há de ter dito à futura chefe que não poderia entrar em cena antes da remoção do entulho deste final de primeiro mandato. Para Dilma, nada a objetar. Primeiro, porque o material tóxico que ela produziu não será destruído. Segundo, porque lhe convém associar a nomeação de Levy à promessa de ser uma presidente "muito melhor do que fui até agora".
O entulho de que se trata é o projeto de lei que muda a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 e desfigura a Lei de Responsabilidade Fiscal. A enormidade dará ao Executivo o poder de abater do montante da poupança para o pagamento de parcela dos juros da dívida pública, o superávit primário, o valor de investimentos federais, como os do PAC, e das desonerações tributárias autorizadas pelo Planalto, sem limite de qualquer espécie. A meta fixada na LDO e destinada a se tornar letra morta era de R$ 116 bilhões, dos quais poderiam ser abatidos R$ 67 milhões. Como o governo acumulou até setembro um déficit primário da ordem de R$ 19,5 bilhões pelo critério de necessidades de investimento, em vez de apertar o cinto, Dilma resolveu refazer as regras da partida em vias de acabar.
O projeto de alteração da LDO extingue o limite dos abatimentos. O valor a ser deduzido poderá ser o que a presidente bem entender. É a superação da própria contabilidade criativa, o manejo das contas públicas para disfarçar a desestabilização a elas infligida pelo regime macroeconômico de um governo marcado pelo populismo e a incompetência. Aos trancos e barrancos, o Planalto conseguiu aprovar o monstrengo na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. E acionou a plena marcha os seus recursos de poder para contar, em plenário, com a cumplicidade da maioria - preocupada, de mais a mais, com a eventualidade de o governo, se derrotado, suspender os repasses a Estados e municípios para fazer caixa. Alcançado o intento - sem o que a presidente da República poderia incorrer em crime de responsabilidade -, estará livre o campo para a posse de Joaquim Levy. E ele poderá dizer que não teve parte com o golpe fiscal que decerto o repugna. Faltou combinar com os políticos que preferiram se ausentar na votação de ontem, levando a decisão para terça-feira que vem.
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