- O Globo
Um dos trabalhos mais instigantes apresentados aqui em Omã na reunião da Academia da Latinidade foi o do scholar uruguaio Enrique Larreta, que dirige o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Cândido Mendes, sobre o que chamou de "choque global de desigualdade".
O tema, que para nós está na ordem do dia — depois de ter sido um dos principais assuntos da campanha presidencial e do estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que mostra que a desigualdade está presente não apenas entre estados ou municípios, mas até mesmo dentro de uma mesma região metropolitana —, é uma questão global que define o nosso tempo , mostrou Larreta em sua apresentação. Para ele, assim como o livro de Samuel Huntington "O choque das civilizações" marcou a última década do século XX depois dos ataques às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, o livro do economista francês Thomas Piketty "O capital no século XXI" é marcante por definir a desigualdade como o ponto central de nossa época.
Para Larreta, o tema da igualdade é central na moderna filosofia, tanto para os liberais quanto para os socialistas, pois vivemos em um mundo virtual igualitário, onde o acesso aos bens de consumo constitui o ponto central. Num mundo habitado por mais de 7 bilhões de pessoas, complexo e densamente interconectado, dedicado aos valores da criatividade e da inovação, a questão é saber como as sociedades podem alimentar essas grandes populações, não apenas garantindo suas necessidades básicas, mas criando novas necessidades com o surgimento de novos bens de consumo. A desigualdade social, o separatismo, a imigração e o racismo são tem as relacionados neste mundo exposto aos desafios da modernização em novos ambientes socioculturais.
A equação igualdade/liberdade continua sendo um dos impasses da modernidade, frisou Larreta. Agora mesmo, aqui em Omã, assistimos a uma situação exemplar sobre tratamentos desiguais em uma mesma sociedade. Como a economia local é baseada no petróleo, a queda de 30% dos preços internacionais está obrigando o governo a rever sua política de impostos. Cada cidadão omani recebe uma bolsa equivalente a mil dólares por mês, e um terreno para construir sua casa própria. Mas as centenas de milhares de imigrantes, principalmente filipinos e indianos, podem começar a ser taxados pelo dinheiro que enviam para seu país de origem.
Para Enrique Larreta, o ressentimento é o comportamento característico do homem moderno, pois as sociedades em que vivemos são formadas por aeroportos, shopping centers, áreas dedicadas ao consumismo, símbolos de nosso tempo cujo acesso é desigual. O que permanece como um problema existencial num mundo em transformação é sermos, em muitas regiões, um gigantesco quebra-cabeças formado por subjetividades coletivas, analisa Larreta. A tarefa de negociar politicamente as diferenças não é fácil em um mundo muito desigual, composto por realidades regionais e nacionais cheias de feridas que se reproduzem e se amplificam todos os dias.
Primavera Árabe
Outro dia escrevi que, segundo o ministro dos Assuntos Religiosos, Sheik Abdullah bin Mohammed Al-Salmi, o Sultanato de Omã conseguiu sair da Primavera Árabe sem grandes turbulências devido à prática do entendimento e da conciliação, que defende para o plano externo. O que ele não disse é que, para acalmar as tensões, o sultão Qaboos bin Said Al Said teve que aceitar a maioria das exigências dos estudantes revoltados, criando mais empregos e concedendo benefícios para desempregados, como dobrar o valor da ajuda da previdência social e dos benefícios das pensões.
Trabalhadores do setor privado protestaram para exigir aumento nos salários compatíveis com os aumentos recebidos pelos trabalhadores estatais. O sultão decidiu ceder alguns poderes legislativos para o Conselho de Omã e realizou as primeiras eleições municipais em 2012. Só não aceitou duas reivindicações: reduzir as notas mínimas para entrar na universidade e perdoar dívidas na Justiça.
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